Turista ou viajante? Qual és tu?

Pictogramas da Holidify India

Cada vez mais o turismo é uma actividade que divide as opiniões. Actualmente, com a vaga do turismo low-cost, em muitos lugares do mundo os turistas são considerados uma praga. Há registos de  violência contra os equipamentos turísticos e marchas anti-turistas em Espanha e Itália. Não é, todavia, de hoje a ideia de que há uma linha que separa o turista do viajante. E não é a linha do horizonte de uma qualquer bela paisagem. O turista seria uma criatura menor que o viajante desprezaria.  Não subscrevo a distinção: não só o turista pode ser um viajante como o viajante pode ser turista. Os traços distintivos não são privativos de cada um, podem coexistir, ao mesmo tempo ou espaçados, serem ditados não por escolha mas por inevitabilidade, oportunidade, etc. Rótulos há muitos. Temos essa necessidade, parece.

Se agora o turista é frequentemente menorizado, também o viajante sempre foi por demais endeusado ao longo do tempo. E alguns viajantes, que tinham mão para a escrita, ficaram célebres, e, confesso, sou grande devoradora de literatura de viagens. Acredito que alguns desses escritores fossem movidos por algo mais do que simplesmente conhecer o mundo: viajar seria, para eles, uma forma de se  perderem para se encontrarem, isto é, partiam para longe por estarem convencidos de que o destino os reconduziria a um melhor conhecimento de si mesmos, e isso através das suas experiências no desconhecido, simultaneamente um desafio e um teste. Teriam, talvez, uma vocação para o nomadismo, que foi um traço de sobrevivência de comunidades humanas longínquas, e seriam animados de uma curiosidade maior e um sentimento de aventura que se transformavam em paixão pela estrada. Não se podem confundir alguns desses autores com turistas, talvez nem sequer com viajantes. Quando se faziam ao mundo não era, seguramente, de férias, e tão pouco, para somente viajar. O seu espírito era o de verdadeiros exploradores, de si e daquilo que os rodeava.

Então reza assim a história. Era uma vez um passado, pós Revolução Industrial, época a partir da qual se diz terem-se reunido dois factores essenciais para haver turismo: tempo livre e dinheiro!  Era um passado em que poucos calcorreavam o mundo e então não havia magotes de gente e enxamear castelos, igrejas, templos, praças e palácios. Nesse tempo, esses lugares ainda não tinham chegado ao top das preferências mundiais dos visitantes não porque não tivessem manifesto valor histórico, cultural e/ou beleza, mas porque muitos ainda não sabiam sequer da sua existência: não havia internet nem designers de comunicação que em dois cliques e meio no Photoshop  juntavam fotos belíssimas com frases sedutoras e preços convidativos. E dos que sabiam, nem todos tinham tempo e/ ou meios de lá chegar. Hoje tudo mudou. Vivemos a época do turismo de massas, esse flagelo, dir-se-ia quase uma praga bíblica. Não é fenómeno para desprezar e muito menos ignorar: há casos em que a pressão do turismo criou sérios problemas. Veja-se o relato do ocorrido em Dubrovnik onde nem locais nem turistas aproveitam da cidade. Hoje há gente com tempo livre e dinheiro e transportes que nos levam a todo o lado: todos querem escapar à rotina e partir. Parar é morrer! A cultura do ócio é quase tão forte como a cultura do trabalho. E foi então que, para muitos, se tornou mais clara a distinção entre o viajante e o turista. Qual deles és tu?

Para os defensores da tipologia, há formas de viver a experiência de correr mundo que demarcam uns e outros: o turista consome souvenirs, o viajante alimenta-se de experiências. O turista é um comprador tradicional e previsível de pacotes turísticos, segue os seus programas e não se distância deles; o viajante tem um perfil mais alternativo, está disposto a arriscar o desconhecido e a mudar de rota sem grandes dilemas. O turista seria sempre uma criatura de perfil mais egoísta, mais centrado em si e por isso, a sua objectiva fotográfica, hoje digital, não o perde de vista. Dantes com tripé, hoje armado de pau-de-selfie, publica sistematicamente no Instagram, no Facebook,  assim transformados em álbum de viagem onde se mostra aos outros nos lugares por onde andou. O turista apenas desejaria coleccionar selfies nos spots turísticos dos postais ilustrados, desprezando outras cores mais locais mas menos berrantes, que não enchem o olho aos seus fãs na internet mas por onde o viajante jura que fica de alma cheia. 

O turista lida mal com contrariedades e não procura ver o que de bom ainda possa existir no imprevisto. Para o viajante o imprevisto faz parte da experiência, que ele assimila como se um pires de papa Nestum com Mel se tratasse. Tudo é história de viagem, mais, aceitar o imprevisto é parte importante da sua filosofia de viagem. Não gostaria todavia, de apostar, qual dos dois tipos seria, um homem que uma vez vi, desesperado, no balcão do check-in, por não o deixarem embarcar por não ter com ele o cartão de crédito (da empresa) com que o bilhete tinha sido comprado. Podia bem ser um turista, mas por outro lado parecia ter cara de viajante a quem a papa Nestum tinha caído mal.

Para os viajantes, querer visitar lugares que todos visitam no mundo e que fizeram a identidade cultural de um país é uma péssima ideia: o que é bom é ficar longe dessa banalidade. Ou seja: esqueçam os Jerónimos ou a Torre de Belém, porque isso é tudo uma enorme chatice que começa nas filas e acaba na dificuldade de conseguir fotos limpas de gente. Aventurem-se e visitem antes o Palácio da Ega. Da Ega, e não do Egas da Rua Sésamo. Isso é que é. Mais autêntico. Mais despojado. Isto faz sentido? Para mim não passa de pura snobice. É sempre possível tornar mais rica a nossa experiência desses "lugares comuns" que todos anseiam por visitar. Dela faz parte aprender a olhar, demorar-se, aceitar uma visita guiada ou procurar informação na internet sobre o mesmo. Não é preciso ir conhecer o Portugal profundo e esquecido para se sair enriquecido. A medida da nossa valorização cultural não deveria ser apenas a qualidade dos locais que visitamos e mais a qualidade do nosso interesse neles.

O turista, esse ser caricatural segundo o viajante, não pivilegia nem a deslocação a pé, nem o transporte público preferindo chegar depressa e sem incómodos ao destino. Se puder ir no seu carro é excelente, alugar um também, de taxi também marcha ou de Uber. Tudo o que possa servir para fugir à ditadura dos horários é bem bom. O turista é como o astronauta que se mete no foguetão e quer chegar à Lua para ali espetar a sua bandeira. Chegou, espetou, está feito. Embora para outro spot antes que se acabe o mundo. Ora, em que galáxia é que o tempo não é um recurso escasso? Na que eu conheço ainda é. Verdade que muitas pessoas têm o tal tempo e o tal dinheiro que permitem o ócio. Mas a maioria compra bilhete de ida e volta. A viagem é uma história que tem um número de páginas definido, que pode até já estar alinhavada mas que conta com um final já escrito chamado regresso a casa. Nunca temos todo o tempo do mundo e cada um saberá como tirar o melhor proveito dele. E sendo assim cada minuto conta! Tic-tac! Tic-tac! Quem sou eu para condenar o turista se ele tem oito dias apenas para visitar Lisboa, com viagem de avião e jet-lag incluídos em vez de um mês?! E um orçamento reduzido? E se quer visitar 2,7 monumentos por dia?!

A interação e contactos com locais é uma coisa secundária para o turista, que o viajante não dispensa. É por isso que todos os viajantes que conheci aprenderam a falar Português numa semana com uma app qualquer no Smartphone. Já o turista não sabe mesmo falar português, nem sequer domina o calão de bolso, - sim, ele até passou pelo Porto mas diz caralo em vez de caralho. Como vai interagir com os locais? Felizmente a linguagem gestual nunca desaponta. É assim que vejo que  conseguem comer um pastel de  Nata ou uma francesinha, castanhas assadas com pele e tudo - ninguém lhes disse que era para remover nem estava escrito (em inglês) no pacote que o vendedor lhes entregou. E ainda dizem que apontar é feio! A fominha que eles passariam se não usassem o indicador! Vieram ao engano a  Portugal ver as vistas sem saber  que tinham de fazer um curso de língua portuguesa antes de aterrar na Portela. Para interagir com os locais, obviamente. Contaram-lhes a lenda de que por cá somos todos poliglotas assim como haveria sempre alguém que os levasse ao colo ao Castelo de São Jorge caso fosse preciso. Os turistas acreditaram. Os viajantes, não.

O turista não tem qualquer desejo de meter o pé numa praia selvagem onde nenhum ser deixou pegada há pelo menos 10 anos porque ainda ninguém ouviu falar dela e isso é, justamente, o problema: não marca pontos no álbum de cromos da internet. Já o viajante anseia por uma experiência única e transcendente de que ele e só ele se possa gabar. Mas, convenhamos, uma praia deserta de que ninguém nunca ouviu falar, é coisa tão rara de arranjar. E mais: uma praia deserta, sem nadador-salvador sequer, deserta mesmo, é má ideia: quem é que quer mergulhar no desconhecido e afogar-se? Desde quando mergulhar na cultura local tem de ser sinónimo de potencial morte? Não, obrigada.

Também se diz do turista ser um enorme comodista, que busca sempre uma segunda casa longe de casa, não desejando abdicar dos mínimos de conforto a que se habituou: o pior receio do turista é dormir mal e comer pior fora da sua zona de conforto, a sua casa, o seu país, detentor da melhor gastronomia do mundo! Mais do que isso: até mesmo aqueles que dormem em qualquer lugar onde se encostem, no metro, no bus, na mesa de trabalho, ao volante, por pouco não causando acidentes, quando em viagem não conseguem pregar olho em condições menos que perfeitas. Basta ler as opiniões que escrevem na internet nos sites de Booking: "Havia na parede do nosso quarto a marca de uma sola de sapato, também leve mancha vermelho escuro de onde pendia uma probóscide de um mosquito. Um nojo. Como é que se pode dormir num quarto assim?" ou " Pensava que as minhas férias de Verão na praia iam ser maravilhosas, mas de noite levanto-me para ir à casa de banho e quando piso na areia sobre a tijoleira toda eu me arrepio. Isso fez-me perder o sono. Regressei com enormes olheiras. Não voltarei a esse lugar. "E mesmo aqueles que não se assumem como um bom grafo no país de origem, transformam-se num mal passam fronteira e não encontram garfada que os satisfaça. O prato aterra na mesa e antes de saber o que é tudo aquilo, se vegetal, se tem OGM, se é local; se animal, os pormenores da sua morte, tempo de preparação e coisa e tal, não tocam no garfo.  Exigentes e chatos, os turistas. Já o viajante não enjeitará experimentar um tipo de pernoita menos confortável, até mesmo uma cama de pregos, à faquir, e procurará o sabor local com sofreguidão, sendo até capaz de comer de olhos fechados, se for esse o ritual do país, ou a repulsa sobrevier no momento de engolir, tudo em nome da autenticidade da sua experiência. Qual  chefe Bourdain, estão até prontos a comer "Balut", algures no Vietnam, um ovo fertilizado que é cozido depois do embrião já se ter desenvolvido. Mas como estamos em Portugal, levemo-los à maravilhosa Ericeira a provar uma caneja de infundice, um prato que me disseram cheirar a mijo. Lá está: é tudo uma questão de gosto

O turista procura viajar de companhia. Começa em criança a viajar com a famíla, depois faz a viagem de curso com os colegas e o inter-rail com os amigos, posteriormente atrela-se por amor à cara-metade e assim vai por essa estrada fora, e, por fim, viaja em família com os filhos, revive a infância. O turista documenta-se profundamente: resvira blogues de viagens e encomenda três guias pela internet, um  que já vá, pelo menos, na 20ª edição, para ser garantidamente bom, antes de se decidir quanto ao destino. A opção de viajar só amedronta-o ou se não o amedronta, pelo menos não o cativa. Também os há que gostam apenas de viajar em grupo: ali sentem-se parte da matilha e seguem o líder, o guia, gostam de ir a reboque, só assim se sentem confortáveis, ou melhor, descontraídos. Quando tudo acaba nem sabem bem por onde andaram mas têm para dizer que foram.

Já o viajante abomina grupos, prefere viajar sózinho,  o que lhe dá a possibilidade e a liberdade total para observar, conhecer e interagir com os locais e de ficar em contacto com o espírito dos lugares que visita. Dispensa ser conduzido em manada e tem desprezo pelo guia histórico, esse livro abjecto que anda a vender destinos turísticos a milhares de pessoas que, depois, arrasam a sua experiência de viajante nesses mesmos lugares com a sua presença anti-ecológica, anti-maneiras, anti-bom gosto, anti-tudo, e por isso ele os evita: turistas e atrações turísticas.

Pergunto como distinguir um turista de um viajante ali na fila para os Jerónimos. Fácil: se perguntarmos ao viajante se era ele, o dito dirá que não, que isso é monumento muito visto, que ele era aquele tipo que estava no acanhado beco do Chão Salgado, a tentar alcançar a dimensão da tragédia dos Távoras e a escrever notas no seu Moleskine. O viajante ainda pensa que pode ser hoje uma espécie de Fernão Mendes Pinto, escrever o seu próprio guia de viagem e impressionar o mundo vindouro com as suas desobertas de coisas nunca vistas...

Em 2015 uma empresa indiana chamada Holidify criou uma série de infografias  Tourist- Traveller, que na ocasião vi no site Bored Panda, que teve o condão de meter blogueiros e sites do mundo inteiro a dicutir os bonequinhos. Vi-os, por essa ocasião,  no site Bored Panda. Hoje motivaram esta reflexão mais ou menos divertida, que todos já tinham feito, menos eu. No Bored Panda faltava a selecção de citações emblemáticas que originalmente os acompanhavam, quando foram publicadas no Facebook, pela Holidifay, pelo que os reproduzo no final deste texto. Observem-nas e decidam: Turista ou viajante. Qual és tu?



“Do not follow where the path may lead. Go instead where there is no path and leave a trail” 
– Ralph Waldo Emerson


“All journeys have secret destinations of which the traveler is unaware.”
– Martin Buber


“Our happiest moments as tourists always seem to come when we stumble upon one thing while in pursuit of something else.” — Lawrence Block


“A good traveler has no fixed plans and is not intent on arriving.”
– Lao Tzu


“Tourists don’t know where they’ve been, travelers don’t know where they’re going.”
– Paul Theroux


“The use of traveling is to regulate imagination by reality, and instead of thinking how
things may be, to see them as they are.”– Samuel Johnson


“One’s destination is never a place, but a new way of seeing things.”
– Henry Miller


“There are no foreign lands. It is the traveler only who is foreign.”
– Robert Louis Stevenson


“Travel is more than the seeing of sights; it is a change that goes on, deep and permanent,
in the ideas of living.”– Miriam Beard


“No one realizes how beautiful it is to travel until he comes home and rests his
head on his old, familiar pillow.”– Lin Yutang


“Life begins at the end of your comfort zone.” – Neale Donald Walsch


“For my part, I travel not to go anywhere, but to go. I travel for travel’s sake.
The great affair is to move.”– Robert Louis Stevenson


“A traveler without observation is a bird without wings.”
– Moslih Eddin Saadi


“The world is a book and those who do not travel read only one page.”
– St. Augustine

“A journey is like marriage. The certain way to be wrong is to think you control it.”
– John Steinbeck



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