Ninguém chama mimados aos homens

Do não tão sereno ténis de Serena para o rebolado futebol de Neymar porque ninguém chama aos desportistas birrentos e outras coisas assim cor-de-rosa. 

Andaremos a esquecer a forte adjectivação, e alguma com base no género, que enche o ar dos recintos da bola? Não que a FIFA não pugne pelo respeito nas quatro linhas e deseje linguagem ofensiva, insultuosa e abusiva no recinto, mas não é mais comum ouvirem-se obscenidades no futebol, desporto colectivo, mais emocional, do que no ténis, individual , mais contido, onde a aceitação social de comportamentos primitivos que irrompem do mais fundo do nosso cérebro é muito menor? É apenas minha percepção que chamar a um oponente ou ao árbitro “filho da puta” será visto como menos grave no relvado que no court de ténis? Será que o ténis não exibe uma postura mais respeitosa e por isso quem não se mostra à altura sobressai muito mais pela negativa, seja homem ou mulher, seja Serena ou McEnroe? Num video em circulação um fulano dizia que McRenroe ficou célebre pela sua falta de contenção. Ficar célebre por ser irascível não é o mesmo que ser celebrado por isso. De facto, o que celebrámos em McEnroe era o jogo magnífico. O ténis não tolera a obscenidade como parece suceder em desportos como o futebol, no relvado e nas bancadas, onde se vive uma fraterna comunhão entre desportistas e adeptos quanto ao tópico, aliás, é possível que nunca tenha sido de outra forma nem se possa nunca limpar de palavrões o futebol embora o carácter do que se considera obsceno mude ao longo dos tempos. E no presente usam-se muitas vezes termos que se baseiam na falta de masculinidade – mariconço, vai levar no cu - ou características femininas para os homens – jogas à menina, coninhas. E no futebol feminino também uma jogadora bem poderá chamar puta à sua adversária, já que uma mulher se quer virtuosa, de acordo com certos padrões datados. Estes termos pretendem, de facto, rotular o visado pela atribuição dessas qualidades baseadas no género e tidas ainda hoje como inferiorizantes e negativas. Não obstante alguma mudança de mentalidades , um homem a sério não se quer efeminado nem homossexual, nem uma mulher digna poderá alguma vez ser uma prostituta. Se isto denota preconceito cristalizado na linguagem não signfica que adversários em campo não se encontrem depois do jogo para os copos e que não sejam amigos no Facebook já que essa adjectivação foi fruto do contexto. 

Este relambório surgiu depois de ler que ninguém chama aos desportistas masculinos birrentos, mimados, histéricos e que o desenho de Serena como criança birrenta ilustrou bem a linguagem sexista com que muitos comentaram a sua actuação, mais uma amostra do duplo padrão moral com que são tratadas as mulheres. Quem faz birra são as crianças. Imagine-se a afronta ser-se rotulado de criança. Ser birrento é ser teimoso. Terrível, não é? Ofensa magna ser rotulado de criança. Sem querer escamotear a realidade de que há discriminação em muitos sectores da sociedade em relação à mulher, que precisa de ser identificada e resolvida, é preciso ser muito distraido para ter deixado escapar o tratamento feita pelas redes sociais, cartoonistas, memistas e, quem sabe, até extraterrestres a Neymar durante o Mundial. Na realidade do séc. XXI todos somos seres muito sensíveis, não conseguimos tolerar que chamem a alguém - ou que nos chamem – birrentos, mas não hesitamos em devolver a ofensa com outra maior para sarar a ferida. Já o facto de Serena ter chamado “ladrão” a um árbitro é coisa de menor importância. Porque se desculpou a má conduta desportiva a homens no passado temos de, com base no precedente, pular as regras e desculpá-la agora a mulheres e aceitar o erro porque a Serena tem sido vítima de sexismo desde sempre e o árbitro mais não fez do que comungar no preconceito. É assim o século da melindragem colectiva, onde a precupação com o sexismo se tornou de tal forma intoxicante que, no processo de luta por uma causa mais que válida, em vez de estarmos a contribuir para o equilíbrio progressivo entre as relações dos dois sexos, o diálogo esclarecido e a argumentação coerente, estamos é, mais do que frequentes vezes, a promover animosidades não só entre homens e mulheres mas entre as próprias mulheres.

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