Manda nudes: a geração internet é tudo a nú

No fim-de-semana passado encontrei-me com uma amiga que já não via desde o Outono, mês em que cessou a minha vontade de ter um corpo de praia. O plano era fazer um jogging tranquilo e meter a conversa em dia. Descobri que estava vexadíssima porque tinha descoberto que a filha mais nova, adolescente, guardava no telemóvel as fotografias das pilas da maioria dos colegas da turma. Contou-me da ignomínia mesmo antes de termos dado início à marcha, alternando olhos arregalados e mãos em livro aberto sobre a face envergonhada. Um drama. Logo após dois beijos e um abraço, e uma avaliação sumária à medida da minha cintura e coxas, explicou-me a Deolinda de como a filha, a quem pedira para ir comprar ração para o cão, lhe tinha passado o telemóvel para a mão para que ela fotografasse a saca que devia comprar. A falta de jeito, mais do que tudo, fizera-a abrir a galeria de fotos sem perceber bem como. O dedo ficou subitamente frenético, a sua estupefação não parava de crescer enquanto dedilhava o ecrã táctil e os falos juvenis se perfilavam ante si, um após outro. Perplexa, constatou que a Mónica não se preocupou nada com o facto de ter sido apanhada com uma coleção de pilas dos colegas no aparelho mas já ficou num pranto quando a mãe lhe pediu que apagasse a galeria de cromos. Disse-lhe a filha, com a maior cara de pau, que contava completar a caderneta até ao final do ano lectivo. Parece que havia um despique qualquer entre ela e uma colega de turma. Ela estava a ganhar. Deolinda, a minha amiga engenheira civil, uma senhora de esmerada educação e fundação moral, nem teve coragem de perguntar por detalhes do torneio. Não teve mais contemplações e mandou-a fazer depilação completa. Ou ela eliminava todas as pilas ou ficava sem o telemóvel. A miúda implorou perdão de joelhos rasos no chão e mãos ao alto, feita uma Jacinta de Fátima, mas a mãe, que não é dada a demonstrações de fé, manteve erecta a sua sentença: depilação, já. A Deolinda diz que nunca contou mas que julga até provável não ter visto semelhante diversidade de pilas em toda a sua vida, nem mesmo se contar as que viu em alguns poucos filmes porno italianos, bem antigos. Neste momento interroguei-me se não estava a lamentar-se. – Sou doutra era. Quando era adolescente as pilas minhas conhecidas não circulavam de telemóvel em telemóvel, em fotografias, aliás, as pilas adolescentes levavam uma existência discreta. Se alguma emergia da obscuridade era porque a dita pila aspirava a caso mais sério com algum pipi. Belinha, mas isto é o queeeeeeeeê? Autoporno juvenil? Eles são ainda menores!

A Deolinda, agora bem afogueada, não me deixava responder, continuando a elaborar sobre pilas e pipis, e estava quase sem fôlego quando iniciámos a segunda volta ao parque verde ensolarado. Inspirei e disse-lhe que tivesse calma, que essas fotos são mera moeda de troca de alguma coisa: Likes, popularidade entre os colegas, ou então ocorrem dentro de um namoro. – Sabes, os jovens agora vivem online enquanto nós apenas pudemos viver a nossa juventude no mundo real. Ora, Deolinda, é mais um jogo sexual da fase de descoberta do sexo, uma coisa que sempre aconteceu na adolescência. Ou mesmo uma prova de cumplicidade e intimidade. Acaba por ser algo natural ligado ao seu desenvolvimento, – dizia eu, convictamente, armada em psicóloga de corrida, e acelerando o passo para forçar a Deolinda, que veste dois números acima do meu, a ficar calada por mais do que três passadas. – Deolinda, é uma forma dos adolescentes serem sexualmente expressivos, de revelarem aspectos exibicionistas da sua personalidade erótica. O que não quer dizer que todos tenham maturidade para saber o que estão a fazer e alcançar os riscos reais desse comportamento. A minha amiga Deolinda não deve ter apreciado a minha relaxada análise psicológica ou, então, conforme a minha manha, já não conseguia fazer jogging e falar ao mesmo tempo.

Completamos a terceira volta de forma silenciosa, os rostos brilhantes de suor, e subitamente ela disse-me que precisava de ir hidratar, se eu me importava. Despediu-se sem beijos nem abraços e sem me tirar mais medidas. Afastou-se a atalhar pela relva, resoluta mas lentamente, em direção ao estacionamento. Foi o mais breve jogging que partilhamos até à data.

À noite liguei-me ao Facebook e estava na conversa com um conhecido virtual quando do nada ele me perguntou se o queria ver nu. Na foto de perfil, um mutante super-herói, ele tinha-se recentemente substituído pelo Fassbender no papel de Magneto. Respondi que não era necessário, que já o tinha visto nu no filme Shame. Mas o quarentão não se coibiu de me enviar uma “paufie”, sejamos precisos, era realmente uma foto de corpo inteiro, a cabeça tinha sido cortada, enfim, uma coisa mal amanhada, sem pose nem ângulo estudado, ou luz adequada a uma exibição condigna da sua nudez. E o pau, pendendo a meio desse corpo sem cabeça, digamos que parecia um pouco perdido nesse anonimato, triste e inexpressivo, podia pertencer tanto ao meu interlocutor quanto a fotografia do Fassbender como Magneto lhe pertencia. – Ficas muito diferente sem o capacete, Magneto – teclei eu. – Não percebo porque me envias esta foto. Sabes que o mundo está cheio de homens nus por debaixo da roupa, não é assim tão invulgar. Olha, não sei se deva agradecer por algo que não pedi? Não recebi explicações. Continuámos a conversar sobre cinema por uma boa meia hora e depois fomos à nossa vida.

Quando encerrei a sessão no computador escrevinhei rapidamente um post-it mental: N. B. Nunca dizer à Deolinda da minha coleção de “paufies”. Coisas reais há que não devem ser vazadas na internet, outras, virtuais, não devem sê-lo na vida real. É tudo uma questão de jogo.

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