O Facebook violou a minha privacidade!
Uma empresa de consultoria política utilizou de forma indevida dados recolhidos através do Facebook com o objectivo de prever qual seria o sentido de voto dos utilizadores nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Suspeita-se que tenham tentado manipular os eleitores americanos com mensagens direccionadas em função da informação pessoal recolhida nos respectivos perfis da rede social. Era só mesmo que me faltava, saber que usaram os meus dados para dar uma forcinha ao Mr. Trampas, por quem não nutro quaisquer simpatias. Olha lá se foram usá-los para beneficiar a existência das crianças que vivem ainda em acampamentos, no Haiti, depois do terramoto de que já ninguém se lembra. Não, que aí não há dinheiro a ganhar. Para algo assim, eu até dava mais dados - o meu peso, estatura, cor dos olhos, tipo de sangue - embora sempre gostasse de saber ao que iam. A coisa não me faz perder o sono, mas o Diogo e esposa, um casal amigo, estão tão ultra-indignados com o abusado Zuckas, o escândalo é de tal forma importante para eles, que o assunto monopoliza todas as suas postagens desde que estoirou nas redes. Cada um deles já esgotou a lotação dos 5000 amigos mas alguns fartaram-se desta postagem compulsiva e até os desamigaram. As vagas foram prontamente anunciadas e com pompa.
Não os vejo em carne e osso há pelo menos 10 anos, mas, e graças ao Facebook, é como se fôssemos um "threesome": onde eles vão eu vou com eles, passamos momentos muito excitantes juntos. Sei a que horas se levantam e deitam, se lêem na cama ou escutam música, sei quando o Diogo se esquece de comprar preservativos e a Maria acorda com os pés para a porta. Sei o que comem, o que vestem, o que compram. Fui à maternidade com eles quando nasceu o segundo filho, ouvi o Ricardo chamar “papá” ao Diogo e vi-o a bolsar no peito da mãe, Maria, enfim, vi eu e toda a gente, no Facebook. Vi quando a Maria supeitava de um affair, li as muitas citações inspiracionais e indirectas que publicou, as postagens comprometidas do Diogo e as queixas da Leonilde que se dizia bloqueada por uma amiga de infância sem saber porquê. Segui as etapas de construção da casa nova ao longo de dois anos, vi como lidaram com infestação de pulgas da Lili, a cadela Bichon, vi como o Diogo se converteu ao veganismo, experimentei algumas das suas receitas, e até tive direito a ver selfies dele com o cirurgião aquando do internamento na Clínica da Sofia para ser operado a um calhau no rim direito. Também rejubilei por ver o calhau e todos os dentes de leite da filha mais velha, que a Maria, que tem muito jeito para a bricolagem, resolveu preservar numa caixa-mostruário de madeira encerada, forrada de veludo rosa, pendurada na parede do quarto da catraia, por ocasião da festa de aniversário dos seus 7 anitos. E vi pelo menos umas 100 fotos da festa da miúda, muito morena, no jardim da casa, junto à piscina. Não correu inteiramente bem porque um puto tentou afogar a Bichon Lili. Na piscina, escusado será dizer. O duo está irado com o Zuckas porque não soube respeitar a confiança e a privacidade deles, só posta sobre a Cambridge Analytica, e agora eu quase me sinto traída porque já não sei onde é que o casal mistério foi passar o fim-de-semana prolongado da Páscoa: isto nunca aconteceu antes, pelo menos, desde que nos tornámos amigos no Facebook.
Na realidade quem devia estar irado com o Zuckas são os anunciantes que compram espaço publicitário no Facebook. E porquê? Porque acreditam na publicidade direccional do Facebook para vender os seus cacarecos, como a Bordallo Pinheiro faz, desconhecendo que os alvos não estão a ser atingidos. Assim é que ando a ser bombardeada com um anúncio do Jarrão Primavera há já mais de duas semanas. É certo que gosto do Bordallo Pinheiro, é certo que aprecio avesinhas. Mas, Facebook, eu não sou uma mulher rica, sou apenas uma rica mulher. O Jarrão Primavera é uma jarra branca de 41 cm, em faiança, diz que com elementos de pintura à mão, o negro nas andorinhas, por certo, e custa quase 300 euros. Não me tenho por consumista, mas água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. E dei por mim a sonhar com o Jarrão Primavera. Primeiro não tinha sequer ideia de onde o colocar. Depois já não podia viver sem ele. Era tudo quanto mais desejava. Em resumo: sempre que abria o Facebook era um sofrimento olhar para o Jarrão Primavera à distância de um clique mas sabê-lo longe como as andorinhas no céu. Um dia destes, ao saír de casa preparada para a ingrata chuva, enquanto olhava para o espelho que está na parede do hall, de gabardine, botas e chapéu de chuva na mão, imaginei o Jarrão na mesa imediatamente abaixo. Como é que nunca me tinha apercebido de que faltava ali qualquer coisa? Enviei uma mensagem à Maria. Ela tem um canal de sucesso no Youtube onde apresenta tutoriais de projectos DIY. Expliquei-lhe a questão e na volta do correio, à mistura com inevitáveis queixas sobre o Zuckas, recebi um projecto DIY. Fui comprar os materiais e agora sou a legítima possuidora de um Jarrão Primavera na sua versão para pobres. O meu hall de entrada não é bem iluminado e alguns dos meus ricos amigos já elogiaram a aquisição – também o tinham visto no Facebook! Belinha, é bom saber que a tua situação financeira melhorou. Eu digo que sim e depois ofereço-lhes uma singela jarra de água natural e cenouras cortadas às tirinhas miudinhas, para render, pois estou a fazer dieta: bebidas, aperitivos, todo o tipo de snacks, bolachinhas, tudo isso está banido da minha despensa. Para que engulam melhor a explicação até dou uma voltinha sobre mim mesma enquanto lhes digo que estou gorda. Ninguém quer ser gordo e então todos trincamos cenoura alegremente.
Criei um novo ritual: à saída de casa, preparada para enfrentar as agruras deste Abril feito de águas mil, inclino-me sobre a boca do Jarrão Primavera, versão para pobres, e grito bem alto: “ Nunca mais é Verão!”. Se o dia está mesmo muito negro e chuvoso, grito duas vezes. Resolvi assim dois problemas de uma assentada: deixei de vos importunar com os meus queixumes sobre o verão que nunca mais chega e satisfiz o meu desejo de consumo.
O Facebook é como a chuva, tem um lado bom e tem um lado péssimo. Da chuva a gente pode proteger-se, do Facebook, tenho algumas dúvidas. Mas sempre podemos queixar-nos.
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