Festival da Canção RTP 2018
Já não ia escrever nada sobre o Festival da Canção, águas passadas, hoje já ninguém fala disso. Apenas ontem acabei de ouvir a primeira leva de canções. O efeito Salvador fez com que este ano as atenções se voltassem de novo para um Festival que estava bem longe da vista e do coração dos portugueses. Ninguém mais tinha nem tempo nem ouvidos disponíveis, talvez apenas os mais saudosistas, alguns particulares amantes da música portuguesa espalhados pelo mundo e os que, longe do país, nele encontravam um suporte emotivo para o seu patriotismo e saudade.
De acordo com algumas opiniões que li o público ficou desapontado. Não sei se eu fiquei desapontada. Não há ali canções que me encham as medidas auditivas nem o coração mas gostei de algumas. Mas e quantas canções é que me enchem as medidas ao longo do ano? Portuguesas ou não? Ah, pois é. Cada vez menos. O que não compreendo é como num formato em que um compositor escolhe o intérprete se fizeram escolhas que não valorizam ou que até deitam a perder o investimento criativo. É de um todo harmónico que sai o cantor que marca. O Tom Jobim escreveu que no peito dos desafinados também bate um coração, a gente quer acreditar e ser meiga, mas nem é preciso ter o tal ouvido privilegiado, um pós outros, os desafinados desfilaram convictos. Compreende-se o nervosismo mas não se pode aceitar. A não ser que a letra fosse surpreendente, os arranjos fora de série e a melodia de tal forma um achado que nos compensasse largamente, se não, sempre o desafinado vai ser objecto de desaprovação: é quase irreparável.
Deve ter sido numa máquina de clonagem que o Jorge Palma engendrou a cena com que participou no Festival da Canção. Entrou na máquina e saíu o David com a canção na ponta da língua, uns anos mais jovem porque a engenhoca não estava 100% calibrada. Já no caso do José Cid a máquina funcionou a 100%. Felizmente não entrou na máquina nenhuma mosca ou teria sido pior. Como possuo discos do Palma há décadas, como vi concertos do homem e gosto, lamento, lamento mesmo que tenha repetido a fórmula. Não precisamos de mais um aspirante a Palma. O Festival não é a Chuva de Estrelas onde a Sara Tavares vai fazer de Whitney Houston. Depois vem o José Cid cantar as mesmas palavras que já lhe ouvimos e a outros dezenas de vezes mas em modo Elton John. O homem fez uma lição de história, literatura, geografia, religião, valores, estava tudo lá. Juntou-lhe o som típico das guitarras mas a canção não tem alma: não é fado mas é enfado. Mas note-se: não desafinou, pois não? Pontos para ele.
A Anabela. A Anabela foi representar-nos no EuroFestival há uns anos e lindamente, era uma miudita, lembram-se? Hoje é uma linda mulher que enche o palco com a sua graça e segurança: algumas das outras concorrentes deviam meter os olhos nela e treinar para chegar lá. A canção é algo banal, datada, embora tipicamente festivaleira, Tordo sabia o que fazia, sobretudo ao escolher a Anabela.
A Beatriz Pessoa devia estar sentada a dedilhar a guitarra e dar a vez à Malu. Esta canção, Eu te amo, esteve apurada e depois foi desapurada: a RTP meteu os pés pelas mãos, la La La, andou a brincar aos Oscars. Não se perdeu nada. A cada vez que ela canta Eu te amo sinto o meu coração perfurar-se de tão aguda. A doçura do sotaque brasileiro talvez tivesse feito a diferença.
A Maria Amaral tem carreira no coro dos desafinados. Uma voz bonita não chega. Por isso é história. Já Rita Dias tem carreira no teatro de revista onde brilhará certamente com um quadro sobre o Festival da Canção.
A Catarina é meio boneca Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo, boneca que dança dentro de uma daquelas encantadoras caixas de música que todos fascinam. Muito entusiasmo com esta bonequinha de tule e pompons. E, claro, já dizem que é um hino lésbico. Boa voz mas muita insegurança, interpretação genuina, talvez esteja mais próxima do Salvador do que Janeiro. Excelente componente instrumental. Embora não morra de amores por esta canção percebo porque agrada e aconselho uma espreitadela ao disco da Catarina Emmy Curl.
A Catarina Espadinha apresenta uma sonoridade que associo a festivais mas seja lá porque for não a consigo ouvir nem perceber metade do que diz, o que dificulta muito ter opinião sobre Zero a zero.Também precisa de pedir umas lições à Anabela quanto a postura em palco.
O Tiago, um totó do hemisfério norte, segundo o mesmo, cantou a Australia, o tal país não Europeu que costuma concorrer ao Festival da Euro Visão, e muitos estranharam pois, por regra, todos escrevem letras à Cid a cantar as nossas riquezas, não os koalas dos outros. A letra era supostamente criativa mas eu só sinto vontade de rir quando a ouço, dá-me vontade de me boomerangar para longe.
O Janeiro, de fita na cabeça como o Karaté Kid, tão criativo mas tão criativo que nem conseguiu criar um título para dar à sua canção. O Salvador não podia voltar pois se voltasse, ganhavamos o certame de novo e era um caraças para a RTP ter de realizar mais um EuroFestival: é que a taxa que a gente paga na factura da luz não chega nem para pagar aos voluntários que eles estão a recrutar no lugar de trabalhadores para poupar uns cobres. Então o Salvador mandou o Janeiro. O Janeiro ficou facilmente apurado, não desafinou, isso vale muitos pontos mesmo, acreditem, mas vai ser sempre lembrado por ter comido uma banana. Não é uma má canção mas também me causa um certo fastio. Notem que eu não delirei com a canção do Salvador, embora não a achasse má, e vi com supresa - e curti – a vitória na Eurovisão. A canção so Salvador está a galáxias de distância da coisa sem nome. Não sei não, mas existe um provérbio que diz: Banana em Janeiro, melão o ano inteiro. Aguardemos.
Não sei se me estou a esquecer de dizer mal de alguém. Mas é isso. De que canções gostei eu? Gostei muito da canção do J.P. Simões que nos diz que é preciso cantar, ora, é isso, sem tirar nem pôr: cantar sem desafinar. À semelhança do Palma, também lhe conheço os discos e os concertos, não creio que seja este o seu território, mas atrevam-se a dizer que desafinou. Excelente interpretação para uma canção quase cinematográfica, com um toque de Chico Buarque- de quem JP sempre transpira um bocadinho- e um alvoroço psicadélico para encerrar. Por mim isto fazia a festa em qualquer praça mas não caíu nos gostos baladeiros em que agora nos encontramos. Ah, por isso é que não disseste que ele foi à máquina, bem notam vocês. Só que o J.P. foi à máquina. Foi e foi tal o curto-circuito que ele voltou a sair pela mesma porta por onde tinha entrado. Gostei do Peu, fado mas não muito, sem enfado, mesmo com alguma insegurança na voz a canção convence, e da Joana Barra Vaz, segura e expressiva na sua interpretação, com uma canção que me fez lembrar o som dos Madredeus, aqui e ali. Letra escorreita, olhem que começa a ser difícil escrever algo que não seja pateto-cómico. Ela tem um CD editado que merece alguma atenção: mas quem sou eu para dar bitaites se nem o Hino Nacional sei de cor? Ambos precisam de repensar a fatiota. Quem cuidou da Joana queria talvez estragar-lhe os planos. Camisola amarela é na Volta à França e é com calção, não com saia-calça e bota à mosqueteiro.
Esqueci-me de dizer mal de alguém? Felizmente há mais Festival dentro de algumas semanas pois não acredito que a vencedora possa sair da seleção que passou à 2ª eliminatória. Não sei é se o público se vai sentir motivado para ver mais com esta primeira amostra ou se vai ficar indiferente. Eu própria ainda não sei.
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