Corvos, ratos e gaios semeadores
Vi um video (entretanto removido) onde um corvo que remexia meio papo seco com o bico no chão de cimento parecia repartir uma porção que tinha removido do seu interior com um ratito saído da vegetação próxima. A legenda incutia em nós essa mesma conclusão: Crow shares food with tiny rat, ou coisa semelhante. O rato tinha feito uma ou duas aproximações destemidas ao corvo e ao guloso alimento e recuado sempre para a segurança da folhagem, junto ao passeio. Os corvos são omnívoros e os ratos fazem parte da sua alimentação. O corvo observava o roedor e o seu esconderijo de forma interessada, talvez hesitante entre largar o pão e dar-lhe caça, mais vale um pedaço de pão na mão, que dois a voar. A dada altura vemos que leva no bico um pedaço de pão que retira do miolo e que o coloca junto do lancil, cobrindo-o com uma ou duas folhas secas. O roedor apressa-se a sumir do cenário perante o avanço do corvo na sua direcção. A ave regressa para junto do naco de pão que continua a debicar. O rato sai das ervas e, rápido, leva a migalha de pão consigo antes que tenhamos sequer tempo de pensar que o corvo lhe tinha armado um isco para o forçar a sair do esconderijo e chamar-lhe almoço. Esta estratégia de caça nem sequer me ocorreu, embevecida que estava a apreciar a tal situação de bonita partilha em que a legenda me tinha induzido. Reparo então no comentário de alguém que quer desenganar-me e a outros. Diz deixar comida para os corvos no quintal e afirma tratar-se de um comportamento tradicional: os corvos escondem comida para a recuperar mais tarde. Recuso-me a ver assim arruinada a minha leitura e vou até um site sobre comportamento animal em busca de amparo para a minha convicção. Rapidamente a teoria da solidariedade entre espécies vôa para longe. Era verdade. Os corvos têm por hábito armazenar comida. Não se limitam a enterrar a comida como é habitual para muitas aves. Os corvos escolhem uma área para o efeito e usam uma folha, um pequeno ramo, ervas como marcador. Inclinam a cabeça e observam atentamente o marcador com um só olho para obterem uma imagem mental do mesmo e poderem mais tarde regressar ao local. A técnica não é infalível e por vezes nunca mais encontram a comida. O corvo do video devia ter a percepção da quantidade enorme de pão que tinha encontrado e não estava senão a armazenar para mais tarde poder aproveitar. O espertalhão do rato estragou-lhe os planos. Desapontados? Não estejam. Podem perfeitamente defender que este corvo era um corvo particular, um corvo empático e generoso, mais humano que muitos humanos, um com quem podemos aprender qualquer coisa, e que naquele video se escreveu mais uma fábula ao jeito de Esopo. Qualquer das teorias funciona para dar realce às muitas habilidades das aves, aproximando-nos seu mundo particular. Foi então que me lembrei de um texto que a minha amiga Elsa Ferreira me enviou por altura dos incêndios de Outubro sobre o comportamento do gaio. No Outono amadurecem as bolotas dos carvalhos e de outras árvores da espécie Quercus, como sobreiros e azinheiras. Os gaios armazenam-nas debaixo de folhas e de vegetação rasteira, enterrando-as, assim as escondendo dos outros animais, e no Inverno são o seu repasto. As bolotas esquecidas podem dar origem a árvores o que faz dos gaios autênticos semeadores. Existem até projectos ambientais que colocam depósitos de bolotas para os gaios em áreas ardidas transformando-os em auxiliares da reflorestação. As cabeças do MAI é que não sabem disto ou o Fisco já teria enviado um email aos gaios para eles enterrarem todas as bolotas até Março! Senão...multa!
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