Brincar com a religião é feio

Lembrei-me ontem do reverendo Markus, um alemão que derretia bonequinhos Playmobil para os usar em educativas cenas bíblicas. Imagino que o Patriarca de Lisboa não seria capaz de qualquer clemência para com ele se o visse de vela na mão, ou secador de cabelo, a derreter o plástico para poder esticar os bracinhos de poliuretano e crucificar o boneco na cruz. De Clemente pode dizer-se pelo que se vai lendo e ouvindo que é mais papista que o papa. Cabe dizer que o então Papa Bento XVI até enviou um elogio ao reverendo artista pela didática divulgação das escrituras junto das crianças e adultos mais brincalhões. Não sei se chega para podermos dizer que o Papa era danado para a brincadeira.

Quem efectivamente não achou piada à ideia foi o fabricante dos bonecos: a Playmobil não mais largou o Padre ameaçando-o com a ira da justiça terrena, caso não seguisse as suas indicações, forçando-o ao arrependimento. O problema para a Playmobile era a mutilação dos bonecos não o seu uso educacional propriamente dito pois até vende Noés com as suas Arcas e Meninos Jesus na manjedoura. Não se podia era mutilar Playmobiles, invocava, um mau exemplo para as crianças. Cogito eu que não tardariam em queimar as figuras na fogueira ao jeito da Inquisição, sabe-se lá onde a sua imaginação febril as levaria, com risco para si mesmas. O site de Markus - a que ele deu o nome de Playmo-bible - já não existe mas uma ou outra fotografia ainda circula pela internet, como aquela de Adão e Eva, que publico. 

Brincar com a religião é melindroso, digo eu, quase tanto como deixar entrar gays para o sacerdócio, diz Clemente, mesmo quando se defende a pés juntos e sem clemência o celibato sacerdotal. E esta semana também foi notícia o jovem Cristian, quanta ironia cabe no seu nome, um espanhol de 24 anos que usou uma imagem do Cristo de Burgos, manipulando-a, trocando a cara de Cristo pela sua. Há uns anitos já, e se bem se lembram, a espanhola Cecília Giménez restaurou com grande pinta um Cristo. Deus trabalha de formas misteriosas porque de vergonha nacional Cecília passou a famosa de Aragão e este jovem que subiu a sua arte degenerada no Instagram foi julgado por vergonhosa manipulação. A melindrada Irmandade local sentir-se-ia todavia aplacada na sua ofensa se ele além de remover a manipulação de pixeis do Instagram desembolsasse pouco mais que 2000 euros, depois reduzidos a 480, pois o jovem Cristian bateu em contrição no peito, perante a barra. Não sei se deixou o tribunal a rezar 100 Pai-nossos para purificar o corpo, a mente, os sentidos, o coração e o espírito.

 Pergunto-me se será possível alguma vez que a religião deixe de atormentar a vida das pessoas: dos "recasados", dos artistas, dos livres de espírito. A veneração de imagens é, para mim, uma caricatura da religião e curvar-me perante elas uma servidão vazia que me transportaria ao tempo do paganismo. E este sentir-se melindrado - a confraria referiu o muito desprezo e escárnio que sofreu pela manipulação digital do jovem - para vir depois exigir ressarcimento monetário como se o dinheiro lavasse o pecado, isto para mim é de bradar aos céus, mas lembro que Cecília apenas foi absolvida a partir do momento em que conseguiu colocar o burgo esquecido no mapa, quadruplicando o número de turistas como que por milagre. Mas, lá está, tudo isto sou eu que digo, fruto certamente do meu redutor sentir ateu, graças a deus.

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