LEITURA DE JORNAL Enrolado pelas nuvens duma eternidade, debruado pelas franjas de catástrofes cósmicas, soletrado numa lentidão de milénios pela voz sintetizada e virtual de Stephen Hawking, podes tu alguma vez imaginar todo o espectro poético da explosão do campo de Higgs? 100 000 milhões de gigaelectrões-volts não são bastantes para tornar metastável o campo desse senhor dos buracos negros, e fazer dele uma bolha de vácuo. Tudo à velocidade da luz, é claro, que a partícula de deus não é um caracol que vá deslizar a sua vegetal e mansa paciência pelas folhas do universo. Mas a criatura irónica, imobilizada, esse génio oráculo que fala através dos músculos da face, esse cérebro de engenhos que desdenham deus, concentra no seu sorriso um fulgor natural, talvez o único, e pretende, diz ele, seduzir as enfermeiras com o sotaque do texas que lhe sai da máquina falante. É um riso de fichas virtuais, e as meninges tremem entre placas, galáxias, anjos meg...