Vamos todos para La La Land


Ontem fui ver o La La Land. Antes de se adentrarem no texto, percebam: eu quando era miúda queria casar com o Gene Kelly. Dito isto, La La Land nunca teve hipóteses. O filme abre com imagens de um engarrafamento numa auto-estrada de Los Angeles e o colorido sonoro de buzinas, vozes e música das diferentes estações de rádio. E depois o mote do que vai desenrolar-se na tela chega na forma de uma canção sobre não desistir de lutar quando se é derrotado porque cada nova manhã trará de novo o sol. A coreografia protagonizada pelos ocupantes dos carros mistura dança e parkour e a câmara segue-os e movimenta-se com a agilidade de uma serpente. Se esta energia inicial tem perdurado o filme teria sido um colosso. O intróito serve também para nos apresentar Mia e Sebastian, cada um em seu automóvel. Surpreendi-me e quase acreditei que estava perante o regresso triunfal do estilo musical. Os dois protagonistas da história iam a caminho de LA, era metáfora da longa estrada do sucesso, uma estrada de duas horas que tardaria em chegar ao fim. Mas os carros avançaram e também o filme, e eu só voltei ao entusiasmo numa das cenas finais quando Mia, numa audição, canta uma canção, apenas o seu rosto iluminado na escuridão da tela.

Quase podia dizer que podia ter visto o trailer e comprado a banda sonora e estava feito. Aguentei-me a identificar cenas dos musicais dos anos 40-50 e a entediar-me de cada vez que o Ryan Gosling abria a boca. O habitual ar seráfico de Gosling que tão bem serviu as personagens de Drive e de Only God forgives faz deste Sebastian o mais enfadonho pianista de jazz que já vi. Já Emma Stone é uma autêntica bambi de olhos pestanudos e grandes que saltita pelo filme com uma graça deliciosa. Mas eu sou esquisita quando se trata de romcoms e La La Land é apenas mais uma comédia romântica com bons valores de produção a que acrescentaram umas canções e uns passitos de dança. E o par não é extraordinário nem a cantar nem a bailar e os diálogos são sofríveis. Concentrei-me quanto pude na música em looping. As canções são contagiosoas mesmo se as vozes não são. Já dei por mim a cantarolar as ditas por várias vezes ao longo do dia!

 La La Land é um carrocel de imagens bonitas à volta de uma historinha mínima sobre um par que se apaixona e que persegue os seus sonhos artísticos, lidando com frustrações comuns. Que saudades de Whiplash, do mesmo realizador, esse sim, um filme com substância. Em Whiplash lutar por um sonho era uma luta, aqui é um chavão repetido vezes em conta porque não há melhores ideias. Poderão dizer-me que Um americano em Paris não é muito mais profundo, que não passa de um punhado de aventuras e desventuras de dois amigos e um aspirante a pintor que se apaixona por uma bailarina. Se calhar não, mas era tão mais superior em conteúdo artístico, digam lá que não era. E por alguma razão os musicais e as comédias românticas se depreciaram: o público quer mais do que La La La. 

Se me perguntarem se devem ir ver, respondo com um dito da minha avó: La La Land é como o Melhoral: se não vos fizer bem, também não vos fará mal. O fenómeno de popularidade justifica-se: o nosso tempo parece ter elegido como sonho recorrente a fuga à realidade e a nostalgia como refúgio: este filme é um bom veículo para isso. La La Land é competente a nível técnico, bonitinho de ver, fácil de compreender e não ofende nada nem ninguém: rapinada a estética dos antigos musicais, junta-lhe uma tonalidade multicultural e os vícios tecnológicos da atualidade; as audições a que Mia comparece parecem evidenciar uma crítica a séries algo estereoptipadas da TV, à dependência dos telemóveis, o glúten também é um grande vilão. Mas se exceptuarmos esses detalhes, a festa anos 80 na piscina e o Jazz apopalhado de Keith (John Legend!), ainda estamos numa história de 1940. 

La La Land é todo ele muito estilo, muita elegância: veste toda a gente com roupa bonita, ilumina o entardecer de Los Angels de azul violeta, eleva as suas estrelas aos céus e a música embala-nos a todos no seu romance. Perfeito, artificial e intoxicante como só a fantasia sabe ser. Nada contra mas prefiro filmes menos perfeitos, menos inócuos e mais originais. Os manos Coen também foram ao passado de Hollywood buscar inspiração mas ofereceram-nos um argumento muito mais inteligente e original em Hail Caesar. Quem viu Strange Things, a bem sucedida série da TV? Eu não vi, mas a estratégia é a mesma: o retorno ao passado como fonte de inspiração e receita certa de sucesso. Em conlusão: o presente é muito arriscado, o futuro uma incógnita e a nossa vida diária tão cheia de contradições e dificuldades. Vamos todos para La La Land e vivamos felizes para sempre. The end.

 
La La Land - Movie References from Sara Preciado on Vimeo.

Comentários