Nuvens negras
Esta noite sonhei com nuvens enormes e negras como essas da fotografia do Eduardo Affonso. Tinham dedos gordos nas extremidades e aproximavam-se dos poucos edifícios altos aqui da cidade em pezinhos de lã. Movidas a ventos vários pareciam grandes embarcações pirata a vogar num mar azul. Quando estacionavam sobre as torres, agarravam-nas pelo topo com as pontas dos dedos, abanavam-nos com preguiça de uma forma quase carinhosa e intrigante e derrubavam-nas. Eu tinha ido ao cinema à sala do Casino - que já não há - com uma amiga - que já não é - e quando saímos para a rua e para esta guerra dos mundos ficámos perplexas porque devia ser de noite - e não era - e as nuvens deviam ser brancas - e não eram - e o tempo tinha parado de correr nos nossos relógios de pulso. Corremos para casa em busca de refúgio e eu queria contar o que tinha acabado de presenciar ao meu marido mas as palavras enrolavam-se-me na respiração ofegante e ele, sentado no seu sofá habitual, obviamente nas nuvens, acomodando substâncias ilícitas num papel, limitou-se a comentar na sua voz arrastada que eu estava a fazer filmes. Porque não filmaste? - perguntou ele. Ora, já sabes que não me entendo com o telemóvel, - respondi eu.(Nota: o sonho aconteceu e a foto do Eduardo acontece. Imaginem abrir o Facebook, de manhã, e essa ser a primeira postagem que aparece.)
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