Parque jurássico da Figueira da Foz




Esta semana decidi retomar as minhas caminhadas como se não soubesse que nada irá impedir as danadas das calorias de fazerem um autêntico réveillon à volta da minha cintura durante a última semana do ano. Pensando no festim até promovi o passo rápido a corrida lenta. Troquei a estrada rente ao azul do mar pelo caminho verde do parque porque o verde é sinónimo de esperança, esperança de que uma pessoa consiga evoluir no terreno sem lhe saírem os pulmões pela boca ou lhe caírem as panturrilhas ao chão. Comecei por fazer os tradicionais alongamentos, bebi água, pluguei-me num som do telemóvel. O plano não estava a correr mal. A manhã desfolhava-se ao sol e eu ganhava terreno. Um homem apontava em pose de Storm-Trooper uma ruidosa máquina de soprar às folhas secas que o desafiavam em volteios no ar à sua frente. Uma mulher ajuntava as insolentes para dentro de sacos pretos. Suspendi a respiração para atravessar este intervalo de ar outonal perfumado a fumos de gasóleo emanados do motor do soprador de folhas. Para trás de mim tinha ficado lixo espalhado à volta de um contentor e pássaros a banquetearem-se nos restos aromáticos. Sentia que o meu coração poderia estourar a qualquer instante enquanto me focava no controlo da respiração repetindo, como se de um mantra poderoso se tratasse, que correr era bom, bom, era mesmo bom, era isso e cinema, vinho e sexo, era, era bom de morrer por mais.Tudo corria bem, quase se podia dizer que tudo corria sobre rodas. Ali estava eu a trucidar calorias como se o mundo não fosse acabar amanhã e ainda houvesse muito mundo para gastar e troco para receber. Foi depois de ter atravessado a estrada que avistei na relva o que me pareceram dejectos de ave. Só podia ser isso: caca de passarinho. Cocó de passarinho é facilmente identificável. É uma matéria sobre a qual tive de me debruçar quando o meu canário adoeceu há um anito atrás. As aves não fazem xixi, não possuem bexiga, sai tudo pela cloaca e as impurezas são transformadas em ácido úrico e surgem nas fezes como uma pasta branca muito característica. Caca de passarinho na relva do parque, pois, mas não de um passarinho qualquer, um vorompatras, um Man Friday! (Enquanto observava a relva eu continuava a correr, sem sair do lugar, como faço quando os semáforos estão vermelhos e não posso avançar, bem vistas as coisas, aquela visão era de parar o trânsito.) Os vorompatras não sabem voar, mas sabem correr. Medi as alturas a uma palmeira tal como na história de H. G. Wells, Butcher, o coleccionador de ovos de Aepyornis, terá feito. Era evidente que correr pela vida, na triste eventualidade de ser perseguida por um vorompatras, não me levaria a lado algum. Butcher, surpreendido por um milagre numa das suas expedições, um ovo chocado mercê de conjugações extraordinárias, acabaria a partilhar a sua vida numa ilha deserta com um desses vorompatras, o equivalente do Wilson para o Chuck Noland, do filme Náufeago, mas com imensas penas e três metros de altura. Baptizado de Man Friday, em homenagem ao célebre personagem do livro do Daniel Defoe, o pássaro revelou-se um companheirão. Mas o pássaro Homem Sexta-Feira cresceu em tamanho e feitio, e, aos três metros, todos os dias de Butcher passaram a ser Sexta-feira 13. Perscrutei o parque verde até aos seus limites. Não se avistava nenhuma criatura extinta mas também podia estar dissimulada entre o arvoredo, facilmente confundiria as suas pernas com duas árvores. Apreensiva mas não tanto que não tivesse conseguido tirar esta fotografia para vos mostrar a prova do segredo mais bem guardado de Portugal- temos, na Figueira da Foz, um Parque Jurássico, -afastei-me em vertiginoso sprint para longe do guano branco com receio de acabar os meus dias ingloriamente confundida com uma minhoca. O que a gente afinal precisa para voar é tão só de uma motivação extra.


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