Victoire Dauxerre, a história de uma modelo rebelde
São palavras de jovens manequins das passerelles de alta costura e por isso muitas vezes caiem em saco roto. Ainda que se trate de uma denúncia não falta quem fique indiferente a protestos e diga que por lá se fazem, por lá se pagam, que estavam ávidas de fama e dinheiro fácil, que a miséria que atraíram sobre si é uma mera consequência de uma escolha caprichosa. Independentemente dos seus objectivos poderem ser considerados fúteis por quem defende que trabalhar tem de ser mais do que passear o corpo por uma passadeira fora, sincopada e inexpressivamente, estas jovens, que são cada vez recrutadas mais cedo para o mundo da moda, estão a ser sistematicamente usadas, abusadas e descartadas pela indústria da alta costura.
Evidentemente que a maioria não quer saber. A alta costura é um mundo à parte, desenhado por uns quantos para servir outros quantos, uma coisa de elites, feita de ostentação e luxo. Vive-se bem sem isso e nem faltam casos desesperados capazes de comover com mais pungência. Mas um trabalho é um trabalho, não devia ser um salvo-conduto para a exploração e em último caso uma sentença de morte. A moda não tem de ser sinónimo de exploração. Mas das passerelles chiques às fábricas de pronto-a-vestir deslocalizadas no Bangladesh essa é a realidade. Além disso, os padrões da alta costura têm sido absorvidos como norma pela sociedade e geradores dos maiores desconfortos para as mulheres.
"Ditadura da moda" é uma expressão gasta e banalizada, a moda sempre ditou regras. Este código gera um sentido de pertença. Os padrões de beleza variam ao longo do tempo, a existência de padrões que são pura tortura para o corpo e espírito femininos não é coisa nova. Mas este actual padrão ideal de beleza tem um impacto quase epidémico facilitado que é pela ampla difusão mediática. Mais, tem uma carga acrescida de artificialidade. Todos são atingidos, jovens e adultos. Atingidos em quê? Na forma distorcida como constróiem a sua auto-estima e auto-imagem, colocados perante um modelo artificial que os meios de comunicação difundem insistentemente, validando-o como autêntico, não importa se o espectáculo das passerelles é tão falso como o CGI da ficção científica. Sobretudo as mulheres, não apenas as jovens, mas as mulheres de todas as idades, acreditam no que vêem e ao quererem copiar esse ideal são confrontadas pela impotência. O conceito da magreza extrema como padrão de beleza tornou-se um modelo a seguir. Ninguém se sente bem na sua pele. A estética tornou-se assim uma fonte de insatisfação e de doenças nervosas!Valerá a pena?
As revelações são chocantes para quem nunca tenha lido nada sobre o assunto: para conseguir atingir as medidas ideais e vestir a roupa dos costureiros Victoire Dauxerre teve de passar fome. Aos 18 anos, pouco depois de ser recrutada pela agência Elite, ingeria três maçãs por dia, água gazeificada para criar a sensação de estar cheia e um pedaço de peixe ou carne uma vez por semana. Ora isto é um regime que nem aos presidiários se dá! Nem mesmo tendo o peso ideal as suas fotos deixaram de ser retocadas no Photoshop. Ela afirma que as modelos não têm outro valor que o de serem cabides de roupa. Uma rapariga de 18 anos que mede 1,78cm não pode vestir senão tamanho 38, não o 32-34 que lhe foi imposto. Entre a anorexia e a bulimia, perdida e depressiva, ela faz uma tentativa de suicídio 8 meses depois de ter iniciado o seu percurso de sucesso - rapidamente ela tinha-se tornado umas das 20 mais requisitadas na profissão.
A imposição de medidas e peso estritos faz parte desta estética que os criadores de moda elegeram como ideal para as passerelles: corpos andróginos, seres assexuados que apenas sirvam o propósito de mostrar a roupa que envergam sem distrações. O Género deixa de ser importante - o que podia ser mais anti-natural?!! Não deve a roupa servir para vestir os corpos ao invés destes serem formatados para servir na roupa? Não esqueçamos que além da necessidade de proteção existe no vestuário uma função de comunicação. A roupa é a nossa segunda pele. O que estamos a comunicar ao aceitar roupa que exige corpos estéreis e uniformes? Esta escolha está decisivamente a afectar a forma como as mulheres em geral percepcionam o seu corpo e a transmitir a ideia de que a nossa sociedade aceita a diluição do Género e de diversidade. Ou seja, a indústria teve o condão de transformar o que era natural e normal em algo indesejável. É uma conduta laboral castradora e uma preferência estética ridícula e desrespeitadora da dignidade da mulher e dos indivíduos em geral.
A prova de que a percepção do corpo da mulher foi formatada é facilmente verificável no quotidiano e frequentemente. Demonstrativo disso é, por exemplo, o caso de Jessica Atayde. Ela chamou-lhe escravidão da imagem.
Evidentemente que a maioria não quer saber. A alta costura é um mundo à parte, desenhado por uns quantos para servir outros quantos, uma coisa de elites, feita de ostentação e luxo. Vive-se bem sem isso e nem faltam casos desesperados capazes de comover com mais pungência. Mas um trabalho é um trabalho, não devia ser um salvo-conduto para a exploração e em último caso uma sentença de morte. A moda não tem de ser sinónimo de exploração. Mas das passerelles chiques às fábricas de pronto-a-vestir deslocalizadas no Bangladesh essa é a realidade. Além disso, os padrões da alta costura têm sido absorvidos como norma pela sociedade e geradores dos maiores desconfortos para as mulheres.
"Ditadura da moda" é uma expressão gasta e banalizada, a moda sempre ditou regras. Este código gera um sentido de pertença. Os padrões de beleza variam ao longo do tempo, a existência de padrões que são pura tortura para o corpo e espírito femininos não é coisa nova. Mas este actual padrão ideal de beleza tem um impacto quase epidémico facilitado que é pela ampla difusão mediática. Mais, tem uma carga acrescida de artificialidade. Todos são atingidos, jovens e adultos. Atingidos em quê? Na forma distorcida como constróiem a sua auto-estima e auto-imagem, colocados perante um modelo artificial que os meios de comunicação difundem insistentemente, validando-o como autêntico, não importa se o espectáculo das passerelles é tão falso como o CGI da ficção científica. Sobretudo as mulheres, não apenas as jovens, mas as mulheres de todas as idades, acreditam no que vêem e ao quererem copiar esse ideal são confrontadas pela impotência. O conceito da magreza extrema como padrão de beleza tornou-se um modelo a seguir. Ninguém se sente bem na sua pele. A estética tornou-se assim uma fonte de insatisfação e de doenças nervosas!Valerá a pena?
Apesar dos alertas, o sonho de pertencer a este universo de glamour tornou-se uma popular versão do antigo conto de fadas. Poder vestir criações espectaculares, ser fotografado por grandes nomes, sair nas capas das revistas, talvez até dar o salto para o cinema, viajar, ser famoso e rico, é uma miragem que contagia jovens de ambos os sexos de todo o mundo. É por isto que devemos prestar alguma atenção quando alguém como Victoire Maçon Dauguerre escreve um livro a dizer que foi uma vítima da moda. V de Vitória para Victoire, hoje com 23 anos, que teve coragem para denunciar os vícios da indústria num país onde a moda faz parte da identidade nacional, Paris é moda. A tirania a que se viu sujeita é descrita num livro - Jamais assez maigre: Journal d’un top model/Nunca suficientemente magra. Diário de uma top model. No particular caso das manequins, no momento em que as formas femininas começam a manifestar-se a dieta forçada impede o normal desenvolvimento do seu corpo. As sequelas podem ser osteoporose, atraso da maturação sexual, longas dificuldades em regressar a uma relação natural e saudável com a alimentação, problemas psicológicos associados aos distúrbios alimentares, etc. Se isto não configura violência no trabalho, não sei como chamar-lhe.
As revelações são chocantes para quem nunca tenha lido nada sobre o assunto: para conseguir atingir as medidas ideais e vestir a roupa dos costureiros Victoire Dauxerre teve de passar fome. Aos 18 anos, pouco depois de ser recrutada pela agência Elite, ingeria três maçãs por dia, água gazeificada para criar a sensação de estar cheia e um pedaço de peixe ou carne uma vez por semana. Ora isto é um regime que nem aos presidiários se dá! Nem mesmo tendo o peso ideal as suas fotos deixaram de ser retocadas no Photoshop. Ela afirma que as modelos não têm outro valor que o de serem cabides de roupa. Uma rapariga de 18 anos que mede 1,78cm não pode vestir senão tamanho 38, não o 32-34 que lhe foi imposto. Entre a anorexia e a bulimia, perdida e depressiva, ela faz uma tentativa de suicídio 8 meses depois de ter iniciado o seu percurso de sucesso - rapidamente ela tinha-se tornado umas das 20 mais requisitadas na profissão.
A imposição de medidas e peso estritos faz parte desta estética que os criadores de moda elegeram como ideal para as passerelles: corpos andróginos, seres assexuados que apenas sirvam o propósito de mostrar a roupa que envergam sem distrações. O Género deixa de ser importante - o que podia ser mais anti-natural?!! Não deve a roupa servir para vestir os corpos ao invés destes serem formatados para servir na roupa? Não esqueçamos que além da necessidade de proteção existe no vestuário uma função de comunicação. A roupa é a nossa segunda pele. O que estamos a comunicar ao aceitar roupa que exige corpos estéreis e uniformes? Esta escolha está decisivamente a afectar a forma como as mulheres em geral percepcionam o seu corpo e a transmitir a ideia de que a nossa sociedade aceita a diluição do Género e de diversidade. Ou seja, a indústria teve o condão de transformar o que era natural e normal em algo indesejável. É uma conduta laboral castradora e uma preferência estética ridícula e desrespeitadora da dignidade da mulher e dos indivíduos em geral.
A prova de que a percepção do corpo da mulher foi formatada é facilmente verificável no quotidiano e frequentemente. Demonstrativo disso é, por exemplo, o caso de Jessica Atayde. Ela chamou-lhe escravidão da imagem.
(Sou actriz. Não sou modelo. Optei há muito por um estilo de vida saudável, com escolhas que faço todos os dias em relação à minha alimentação e prática de exercício físico. Faço-o porque quero viver muito. Quero viver bem. Quero ser saudável e feliz como tantas outras mulheres. Desfilei na Moda Lisboa como convidada. Desfilei com o corpo que tenho que é o meu e no qual me sinto muito bem.Qual não foi a minha perplexidade quando observo que, a propósito de uma fotografia menos feliz, sou alvo de críticas, comentários desagradáveis e uma série de mimos, próprios deste mundo das redes sociais, em que ainda nos estamos a habituar a viver. Estes comentários foram feitos na maioria por mulheres. Mulheres, vou repetir. Mulheres que são filhas, mulheres que são mães, mulheres que ainda não perceberam que cada vez que cedem à tentação de atacar outra mulher com base nas suas características físicas, estão a enfraquecer a condição feminina, em vez de lhe dar força. Estão a cultivar as inseguranças, as desordens alimentares, a escravidão da imagem.
Jessica Atayde, blogue )
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