Cinema: Uncanny - uma pequena crítica do filme
"Nos tempos em que a tecnologia vai um passo à frente de nós, o que significa ser humano?"
Este ano talvez ainda não tenha visto filme mais interessante do que Ex Machina. Não tenho visto muitos, essa é a verdade. Mas é agradável para uma entusiasta da ficção científica fazer esta constatação. Vem isto a propósito de Uncanny, um filme que vi ontem à noite. O “vale da estranheza”, em inglês, “uncanny valley”, é uma hipótese no campo da robótica e da animação 3D segundo a qual quando réplicas humanas se comportam de forma muito parecida — mas não idêntica — a seres humanos reais, elas provocam repulsa entre observadores humanos. A expressão deve-se a um professor japonês de robótica, Masahiro Mori, e data de 1970.(Wikipedia) O "vale" refere-se à profundidade no gráfico que mede o nível de à-vontade dos humanos em relação a uma semelhança sã e natural com o ser humano em função da estética.
Li no site oficial que o dinheiro para fazer Uncanny foi reunido entre amigos, família e investidores e que tudo estava começado e acabado em 4 meses! O realizador filmou no apartamento de um amigo, em Los Angeles. Consideradas as limitações orçamentais há que reconhecer que o resultado é bastante bom. O filme é de 2014, não deve nada do seu argumento a Ex Machina. Mas o facto de ter saído depois de Ex Machina não o beneficia já que são evidentes algumas semelhanças e muita da discussão em torno dele vai reduzir-se à sua comparação com aquele. Quer num quer noutro a acção desenvolve-se num espaço fechado ao mundo exterior, no segredo e na solidão que parecem ser necessários ao desenvolvimento de resultados científicos de topo, e no inerente sacrifício da vida mundana pelos que perseguem objectivos elevados; também temos três personagens em jogo durante um período temporal pré-determinado, um cientista genial fechado em si mesmo e na sua entrega à ciência, uma vistosa jornalista com formação científica com a missão de revelar ao mundo o milagre da ciência que vai descobrir e um robot AI que assiste o génio que o criou e cujo desempenho alterna entre o adolescente tímido e o revoltado; temos uma personagem que comanda o trio de títeres que mal chegamos a conhecer, Castle, o recrutador de talentos científicos, o patrono bilionário sem escrúpulos, temos o teste de Turing e outras questões ligadas à robótica, envolvimentos emocionais em triângulo, ciúmes, conquista e um desfecho-choque. Mas em Ex Machina tudo é mais refinado e até poético, o ritmo é melhor, a estética é melhor. Uncanny não passa de um laboratório de experimentação e não respira. Há, todavia, uma boa qualidade visual, o realizador conseguiu ultrapassar o limite do orçamento, fez uma boa exploração dos ambientes assente numa tensa fotografia, por exemplo e tem uma mão segura na direcção. O argumento é satisfatório. Mas há uma ambição na história de Ex Machina que Uncanny não possui ao evidenciar basicamente um triângulo onde duas entidades masculinas se batem pelos afectos de uma mulher. No entanto e ao contrário do que sucede em Ex Machina – onde a AI e o jovem estabelecem uma subtil e magnética relação - eu tive dificuldade em aceitar o impacto produzido por Joy – a jornalista – quer em Adam(o AI) que desenvolve uma atração por ela, afastando-se da relação companheira que possuía com o seu criador, quer em David, que também desenvolve uma atração por Joy, que o leva a colocar em causa a sua dedicação aos objectivos científicos. Também Joy é afectada pelo contacto com este universo, convencida e vencida no seu cepticismo inicial, ela rende-se ao fascinante trabalho do engenheiro, ao mesmo tempo que é forçada a examinar a sua escolha profissional, e, acabando apaixonada pelo inicialmente arrogante e convencido geek. Do jogo sentimental deste triângulo emergem as questões previsíveis, embora as mais fascinantes – Adam, ao exibir emoções típicas dos humanos e não dos robots, estará a registar uma evolução positiva e assombrosa na sua programação? Ou antes uma abertura para imprevisíveis ameaças aos seres humanos que o rodeiam e ao futuro dos AI? Em último caso o filme deixa-nos com uma questão primordial: nos tempos em que a tecnologia vai um passo à frente de nós, o que significa ser humano?
Uncanny tem um trunfo inequívoco na interpretação Adam (David Clayton Rogers) cuja expressividade é em certos momentos desconcertante, levando-nos a acreditar que se trata de um verdadeiro AI. A reviravolta final, que já se anunciava, foi para mim menos gratificante do que a tensão que se desenvolve ao longo da fita e que quase a transforma num subtil thriller. Não é um mau filme de ficção científica mas há um excessivo peso dos diálogos, explicativos, que não sendo redundantes tornarão o seu visionamento enfadonho para alguns. Aguardem até ao final dos créditos pois eles escondem uma última cena que envolve o destino de Joy!
Este ano talvez ainda não tenha visto filme mais interessante do que Ex Machina. Não tenho visto muitos, essa é a verdade. Mas é agradável para uma entusiasta da ficção científica fazer esta constatação. Vem isto a propósito de Uncanny, um filme que vi ontem à noite. O “vale da estranheza”, em inglês, “uncanny valley”, é uma hipótese no campo da robótica e da animação 3D segundo a qual quando réplicas humanas se comportam de forma muito parecida — mas não idêntica — a seres humanos reais, elas provocam repulsa entre observadores humanos. A expressão deve-se a um professor japonês de robótica, Masahiro Mori, e data de 1970.(Wikipedia) O "vale" refere-se à profundidade no gráfico que mede o nível de à-vontade dos humanos em relação a uma semelhança sã e natural com o ser humano em função da estética.
Wikipedia
Li no site oficial que o dinheiro para fazer Uncanny foi reunido entre amigos, família e investidores e que tudo estava começado e acabado em 4 meses! O realizador filmou no apartamento de um amigo, em Los Angeles. Consideradas as limitações orçamentais há que reconhecer que o resultado é bastante bom. O filme é de 2014, não deve nada do seu argumento a Ex Machina. Mas o facto de ter saído depois de Ex Machina não o beneficia já que são evidentes algumas semelhanças e muita da discussão em torno dele vai reduzir-se à sua comparação com aquele. Quer num quer noutro a acção desenvolve-se num espaço fechado ao mundo exterior, no segredo e na solidão que parecem ser necessários ao desenvolvimento de resultados científicos de topo, e no inerente sacrifício da vida mundana pelos que perseguem objectivos elevados; também temos três personagens em jogo durante um período temporal pré-determinado, um cientista genial fechado em si mesmo e na sua entrega à ciência, uma vistosa jornalista com formação científica com a missão de revelar ao mundo o milagre da ciência que vai descobrir e um robot AI que assiste o génio que o criou e cujo desempenho alterna entre o adolescente tímido e o revoltado; temos uma personagem que comanda o trio de títeres que mal chegamos a conhecer, Castle, o recrutador de talentos científicos, o patrono bilionário sem escrúpulos, temos o teste de Turing e outras questões ligadas à robótica, envolvimentos emocionais em triângulo, ciúmes, conquista e um desfecho-choque. Mas em Ex Machina tudo é mais refinado e até poético, o ritmo é melhor, a estética é melhor. Uncanny não passa de um laboratório de experimentação e não respira. Há, todavia, uma boa qualidade visual, o realizador conseguiu ultrapassar o limite do orçamento, fez uma boa exploração dos ambientes assente numa tensa fotografia, por exemplo e tem uma mão segura na direcção. O argumento é satisfatório. Mas há uma ambição na história de Ex Machina que Uncanny não possui ao evidenciar basicamente um triângulo onde duas entidades masculinas se batem pelos afectos de uma mulher. No entanto e ao contrário do que sucede em Ex Machina – onde a AI e o jovem estabelecem uma subtil e magnética relação - eu tive dificuldade em aceitar o impacto produzido por Joy – a jornalista – quer em Adam(o AI) que desenvolve uma atração por ela, afastando-se da relação companheira que possuía com o seu criador, quer em David, que também desenvolve uma atração por Joy, que o leva a colocar em causa a sua dedicação aos objectivos científicos. Também Joy é afectada pelo contacto com este universo, convencida e vencida no seu cepticismo inicial, ela rende-se ao fascinante trabalho do engenheiro, ao mesmo tempo que é forçada a examinar a sua escolha profissional, e, acabando apaixonada pelo inicialmente arrogante e convencido geek. Do jogo sentimental deste triângulo emergem as questões previsíveis, embora as mais fascinantes – Adam, ao exibir emoções típicas dos humanos e não dos robots, estará a registar uma evolução positiva e assombrosa na sua programação? Ou antes uma abertura para imprevisíveis ameaças aos seres humanos que o rodeiam e ao futuro dos AI? Em último caso o filme deixa-nos com uma questão primordial: nos tempos em que a tecnologia vai um passo à frente de nós, o que significa ser humano?
Uncanny tem um trunfo inequívoco na interpretação Adam (David Clayton Rogers) cuja expressividade é em certos momentos desconcertante, levando-nos a acreditar que se trata de um verdadeiro AI. A reviravolta final, que já se anunciava, foi para mim menos gratificante do que a tensão que se desenvolve ao longo da fita e que quase a transforma num subtil thriller. Não é um mau filme de ficção científica mas há um excessivo peso dos diálogos, explicativos, que não sendo redundantes tornarão o seu visionamento enfadonho para alguns. Aguardem até ao final dos créditos pois eles escondem uma última cena que envolve o destino de Joy!
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