A desorientação para o cliente do comércio local
Este apontamento podia chamar-se a decepção do comércio local e ser um rol de lamentos sobre a falta de orientação para o cliente de algumas casas que têm porta aberta para as ruas nesta cidade. Há um caso que me traz sempre inquietação, não apenas pelo comportamento do lojista, mas também pelo meu próprio. Pessoa que habitualmente frequenta papelarias concordará comigo que ao ser-lhe entregue uma folha de cartolina esta deverá ser enrolada e envolvida por uma cinta de papel, - de preferência reaproveitado em nome da reutilização dos recursos e poupança, - ajustado e mantido no lugar por fita cola, ou então pelo elástico tradicional. É por ali que pegamos e transportamos o rolinho com as nossas mãos gordurosas ou sujas ou suadas, sabendo que uma pequena mancha pode ser o desastre da nossa folha, obrigando a cortes e desperdício evitáveis. Os empregados mais experientes perguntarão se queremos que enrolem a cartolina, ou se queremos trazer a folha desfraldada, em jeito de bandeira, o que pode servir melhor a futura utilização mas raras vezes o transporte. Há momentos de cuidado picuinhas em que me faço acompanhar de uma pasta plástica e de consideráveis dimensões para que a folha chegue à minha mesa de trabalho em nada beliscada. Mas não na ocasião que se fixou na memória.
Ia a passar, vi a papelaria e aproveitei para fazer a compra no momento. Depois de percorrer os mostruários e de ter escolhido a folha na cor certa, coloquei-a no balcão e aprecei-me a sacar do porta moedas para pagar. Enquanto isso o empregado, que até penso ser o próprio dono do estabelecimento, acercou-se da registadora e executou um breve bailado de dedos sobre as teclas. De algures saiu um papelito ridículo, que ele rasgou e colocou sobre o balcão, enquanto murmurava o valor a cobrar entre dentes. Acto contínuo, e sem me olhar estendeu a mão na qual depositei a moeda de dois euros. Acho que recebi troco sem mais amabilidades gestuais ou verbais, nem um "worte sempre" sequer. Findo este processo o jovem senhor deu dois passos atrás, encostou o rabo ao balcão contíguo, cruzou os braços sobre o peito e fitou o espaço exterior que fica para lá da montra e porta de vidro da loja, olhando por cima do meu ombro direito, perscrutando a movimentação citadina do local, que, quando eu saí, se resumia a uma dama a passear um cão e alguns cachopos de mochila em assembleia. Fui apanhada de surpresa por um invulgar estado catatónico - dei por mim indecisa entre o imóvel e a reação lenta, a olhar a folha muito esticada sobre o balcão como que à espera que ela se enrolasse sózinha para ser transportada. A minha estupefação era tanta que nem consegui articular o que se impunha: pedir uma cinta para a cartolina. Foi a primeira vez que trouxe um canudo nu na minha mão constatada a evidência: eu tinha emudecido e o homem estava ali em corpo mas demasiado distante para se aperceber da minha inquietação e da grave falha cometida. A verdade é que daí ao carro eram uns metros que foram percorridos o mais rapidamente possível com a cartolina segura entre polegar e indicador. Felizmente não havia vento.
Outras lojas que habitualmente frequento são as livrarias. Sou tão viciada em livrarias que entro só para dar uma volta. É assim como quem vai a um parque de diversões e sai sem se divertir nos carros de choque ou na montanha russa porque não tem dinheiro. Vai-se e a própria atmosfera já nos empresta um ar de graça. Quando eu estou entre livros sinto-me logo especial, bem acompanhada. Fico com a impressão que vivo melhor, ou, pelo menos, que vivo a vida que mereço. Mesmo que não compre nenhum faço planos de os comprar e isso acrescenta logo três pontos a algumas das minhas angústias e um ponto de exclamação à minha narrativa existencial. Tenho de dizer que actualmente compro muitos livros em segunda mão. Como tenho as leituras atrasadas um bom par de anos é fácil encontrar o que desejo a metade do preço. Mas desta vez precisava de um livro em particular, bem recente, e com alguma urgência. Depois de procurar na estante estava prestes a dirigir-me ao balcão para pedir ajuda quando ouço junto a mim uma simpática funcionária a oferecê-la. Prestável foi ver o que podia fazer. Eu gostei porque o cliente gosta de ser bem servido. Nem muita nem pouca atenção, a necessária, é essa a chave do êxito do bom atendimento. Mas depois veio a decepção. O livro não estava disponível. Mas para grande mal, grande remédio - podiam mandar vir para mim. A rapariga disse-o sem sequer ter sido eu a perguntar: mais dois pontos para a moça. Só que à resposta seguiu-se a estupefacção. Novamente um momento de transe do cliente, um déjà vu. O livro demoraria 15 dias a chegar à minha mão. QUINZE DIAS? A pergunta trovejou dentro da minha cabeça seguida de uma catadupa de outras:mas o livro vem do outro lado do Atlântico? Acaso o livro virá montado num burro? Acaso eu vivo nos confins da Terra?! Respirei fundo e respondi que assim não me interessava e, de facto, não sendo um caso de vida ou de morte, sendo até um caso de vida sobretudo, impunha-se ainda assim alguma urgência. Saí da loja.
É assim que se perdem clientes. Não voltei à papelaria e já se passaram dois anos. À livraria irei voltar, mas acho incompreensível que não possam fazer melhor. É assim que se perdem alguns clientes.Perdem-se clientes porque existem alternativas mais satisfatórias. Depois os lojistas queixam-se e dizem que a crise deu cabo do negócio - que deu - que não há dinheiro - não há - que os clientes fugiram para as grandes superfícies - pois foi - ou para as lojas mais atraentes das cidades próximas - sim, sim - que não vale a pena investir mais no negócio - pois não - ou que os clientes são uns picuinhas do cara*** - pois somos. Mas a verdade é que quando cheguei a casa abri o computador e liguei-me ao site de uma conhecida livraria online. Promessa de entrega em 24-48 horas e portes grátis acima de certo valor. Deixem-me somente acrescentar que o livro em questão não é nenhuma raridade, é um manual de apoio, a primeira edição é de Agosto de 2013.Quando acabar de escrever esta postagem vou deitar-lhe as unhas. Já chegou.
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