Pinos de metal impedem sem-abrigo de pernoitar em portas londrinas





O escândalo do dia de ontem, Domingo, nas redes sociais e media, foram umas fotografias publicadas por Andrew Horton. Um coro de protestos varreu o Twitter, rede onde foram subidas, e continua. Ele encontrou à porta de uma urbanização londrina de luxo (Southwark Bridge Road) um conjunto de pinos evidentemente destinados a manter o espaço desocupado. A primeira notícia que li denunciava-os como um estratagema para evitar a pernoita dos sem-abrigo naquele vão. A vexatória razão de ser dos mesmos parecia ser essa, mas depois pensei que também pudessem servir para manter afastados dali os cães vadios - embora nem assim o achasse justificado - ou mesmo dissuadir o parqueamento de bicicletas, motinhas, enfim, na minha boa fé tentei encontrar outra justificação para os pinos metálicos. Os pinos foram novidade para mim, mas li depois que há quase uma década que são colocados na cidade de Londres. Apenas ainda não tinham gozado de tão ampla visibilidade.

A notícia do Independent refere que nos três primeiros meses do ano havia 2000 pessoas a dormir nas ruas de Londres e que a taxa de pessoas sem abrigo não pára de subir desde 2010. Refere ainda o grande número de pessoas que entregaram os seus tectos por motivo de força maior, sendo empurradas, as mais sortudas, para casa de familiares e amigos, outras para locais bastante perigosos. As razões apontadas para o aumento dos números são, por um lado, as rendas elevadas e o corte de benefícios diversos, por outro, os cortes impostos às instituições que trabalhavam para minorar o problema.

Muitos factores determinam o fenómeno dos sem-abrigo, sendo a ruptura familiar ou relacional e a perda de um emprego os mais comuns. Imagine-se o que se quiser para nosso conforto social ou moral, mas estas pessoas são, regra geral, um grupo vulnerável, física, psíquica e emocionalmente, que precisa de ser apoiado e não despachado para o prédio mais à frente por uma dúzia de pinos. Estamos a enxotar seres humanos que foram empurrados para aquela situação por circunstâncias menos boas de vida e não porque fizeram aquela escolha de forma deliberada, como se viver na rua fosse ir dar a volta ao mundo em bicicleta ou ser vegetariano. É um mito pensar que alguém prefere viver na rua do que numa casa. É uma necessidade vital, ter um abrigo. Mas muito boa gente acredita nisso, como se os sem-abrigo fossem uma espécie de rebeldes sociais que se regozijam por viver a liberdade no limite, ou então uma espécie particular de ascetas! Ou então ainda, super-heróis, como se a maior probabilidade de morrer na rua de morte violenta fosse para eles apenas uma ameaça ingénua facilmente ultrapassada por super-poderes misteriosos adquiridos a viver entre caixotes de cartão, a estender a mão aos que passam e a vasculhar nos restos.

Sem dúvida que é preciso compreender a pessoa que se habituou a viver na rua e que tem relutância em retomar a vivência social, - partilhar espaços comuns, obedecer a horários, praticar rituais de higiene, reassumir responsabilidades, o sentido de utilidade na comunidade - o que tem de ser visto como uma consequência da desintegração por que passou e de um processo de adaptação que, em última instância, lhe terá permitido sobreviver.

Tal como Andrew disse num video, os autores da façanha podiam ter alcançado o mesmo fim de uma forma mais dissimulada e pacífica, bastava que ali colocassem uma floreira. A mensagem implícita nos pinos é mais brutal do que qualquer "keep off", "stay away" ou "sleeping not allowed" explícitos. Lê-se nos pequenos cones alinhados um sentimento de profundo desprezo pelo próximo, de sofrimento que se quer infligir e não minorar, de agressão, é realmente um achado em termos de comunicação não verbal, um exemplo da refinada maldade que pode existir no coração dos homens que dividem o mundo entre dominadores e acossados. Evidentemente que ninguém gosta de ter uma pessoa a dormir no tapete da rua de sua casa. Mas enquanto uns se comovem outros movem o problema para a porta a seguir não vão tropeçar na miséria e estragar mais um dia de luxo. É vergonhoso, mais, é indigno.

Foi interessante, sim senhora, assistir ao repúdio nas redes, mas não consegui evitar fazer o paralelo com aquela experiência social em que um homem foi para as ruas com um cartaz onde se lia "Fuck the poor", o que fez com que tivesse sido abordado por inúmeras pessoas chocadas com a mensagem. Num momento seguinte ele substituiu a mensagem por "Help the poor" e verificou que já ninguém se acercava dele para perguntar como. Não se esqueçam de que há vida além dos "Likes." O que vamos fazer? Podemos fazer alguma coisa?

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