Televisão: Sherlock, uma das melhores séries do momento




"I'm a high functioning sociopath! Do your research."

Mais televisão. No fim do jantar, ontem, aí pelas 21.30 horas, voltei a espreitar a TV. E desta vez apanhei um "episódio especial", era o que se lia, da série britânica Sherlock. Foi no AXN. Pensei que o "especial" fosse "reposição" ou qualquer coisa assim. (Espreitei o site na internet e fiquei na mesma. Não sei se sou a única que não gosta dos sites destes canais, AXN, FOX e companhia. São confusos. Nunca encontro as respostas às minhas dúvidas.) 

Eu já tinha visto o teaser desta série há muito tempo e francamente torci o nariz. Não gostei do que vi, já mal me lembro. É normal. Pior do que os sites, só os teasers e os separadores que eles engendram! O copy é péssimo. (Hoje estou para malhar nos canais de TV!!) Lembro-me de ter pensado: mas o que é isto?! Mais Sherlock?!! Não sei quantos actores, quantas séries, quantos filmes existirão baseados nos contos do detective de Baker Street, mas mais que muitos. E, além do mais, confesso, não gostei do ar do Benedict Cumberbatch!! Aquela caracolada toda, o nariz impertinente, a boca em rasgo e os olhos de águia formam um conjunto estranho mesmo para o peculiar Sherlock Holmes. Dizem que tem um natural ar de "nerd", um ar de "geek", o que quiserem, para mim Cumberbatch deve ter ADN alienígena! Eu já o tinha visto, - e que bem - num papel secundário no filme A toupeira, ao lado de Gary Oldman. E também em Cavalo de guerra, de Spielberg. Mas só me impressionou MESMO no filme seguinte onde o fui encontrar, Star Treck, Além da escuridão, quando encarnou Khan Noonien Singh, um vilão de arrepiar. Cumberbatch é o que se recorda depois de sair do cinema. A sua interpretação tem de figurar no top das melhores na categoria vilões de sempre! Pena é que o filme não esteja ao nível do seu desempenho. A partir daí eu agendei mentalmente ver mais filmes com ele - e vêm aí bastantes - e lembrei-me que talvez devesse dar uma segunda oportunidade a Sherlock. Fiquei, pois, contente, quando descobri o "episódio especial", seja lá o que isso for.

Pesquisei na net, agorinha mesmo, e já percebi que existem duas temporadas de Sherlock e que a terceira já mexe. Pois bem, adorei o episódio especial de ontem, o AXN deve estar a recapitular antes de mostrar a terceira temporada, gostava era de saber quando. Este "episódio especial"é da segunda temporada e inspirado no livro Um escândalo na Boémia."Para Sherlock Holmes, ela é sempre a mulher. Raras vezes o ouvi mencioná-la sob qualquer outro nome. A seus olhos, ela eclipsa e domina todo o sexo feminino. Não que ele sentisse por Irene Adler qualquer emoção do gênero do amor. Todas as emoções, e essa em particular, eram detestáveis à sua mente fria, precisa, mas admiravelmente equilibrada." (Connan Doyle) Reconheci claramente a personagem, Irene Adler, que se envolveu num escândalo com o Rei da Boémia. Em seu poder ela tinha uma foto comprometedora e então Sherlock é chamado a recuperá-la, encontrando em Irene Adler uma oponente quase à altura. Se este episódio for uma amostra da série só posso afirmar que Sherlock é sublime. Eu não sigo mais que uma série ou duas por ano, mas vou vendo episódios desta e daquela, que apanho à socapa, no zapping. É raro ficar tão deslumbrada com apenas um episódio.

Esta série adapta os livros de Doyle aos nossos tempos o que só por si é uma aventura arriscada. Sempre que se mexe um bocadinho com a personagem Sherlock Holmes as reações disparam. Lembram-se da discussão em torno do filme Sherlock Holmes de Guy Rytchie ? Nem mesmo a presença de Robert Downey Jr. sossegou o pessoal, em especial o mais purista. Eu gostei dos filmes mas aquilo não é Sherlock, não é Holmes, não é Doyle. Façam o teste: dêem outros nomes às personagens, por exemplo, Elias e Ziegfried, e rebobinem os filmes nas vossas memórias. Onde está Doyle? Ainda assim são grande espectáculo e muito divertidos, eu gostei. Mas facto é que todos os grandes apreciadores de literatura de mistério são particularmente sensíveis a esta matéria da adaptação dos livros de Arthur Connan Doyle ao cinema ou à TV. E além disso Jeremy Brett fez um tal bom trabalho que ninguém admite que se belisque a sua criação! Mas eu só tenho uma palavra para descrever este Sherlock contemporâneo: brilhante. Ou duas: brilhante, brilhante!

É surpreendente, de facto, que na minha anterior postagem sobre Crossing Lines eu me confesse enfadada com o crime e os seus detectives, e agora tenha tido este coup de coeur por uma série que, dirão vocês, não traz nada de novo. Histórias e personagens velhas de dois séculos, de novo as velhas intrigas movidas pela caça ao homem e ainda por cima segundo o método científico e a lógica de um detective vitoriano?!! Bastou vestir Sherlock de contemporaneidade? Bastou isso? Sim! Que golpe de mestre. Se Guy Ritchie se tem lembrado disso teria sido de génio! Têm de ver para crer. É que uma ideia destas podia ter corrido tremendamente mal. Mas, acreditem, a série está fantástica.

Holmes terá sido o percursor da ciência forense. Mas o mundo pós-Doyle evoluiu, a ciência criminal evoluiu. Até os criminosos tiveram de evoluir.Surgiram novas tipologias de crime. Os motivos do crime, tal como no séc. XIX, podem ser os mais diversos, o dinheiro, o ciúme, segredos. Mas o investigador e o seu espírito dedutivo continuam a ser a chave para resolver o problema. No centro da investigação criminal o elemento humano é sempre decisivo na busca da verdade. As personagens vitorianas absorveram a modernidade como se Sherlock e Watson fossem body snatchers, perfeitamente adaptados às novas tecnologias, aos novos procedimentos de investigação e ritmos da vida moderna na cidade londrina. 

A história desenrola-se com uma estonteante naturalidade mas Sherlock não captura a realidade dos nossos dias tout court. A série resulta antes numa encenação que nos transporta ainda para um claro espaço de ficção. A (re) criação permanece guiada pela visão de Connan Doyle, o espírito, a atmosfera dos grandes mistérios continua presente. A equipa não caiu na tentação dos efeitos, especiais ou não, apenas algumas graças, como o texto sobre as imagens, a par de curiosas utilizações da câmera, ângulos pouco usuais, uma edição cuidada, enfim uma direção muito criativa, apoiada por ambientes interiores e exteriores de luxo e música no tom certo. Escutem a banda original de Sherlock (abaixo) e observem como a própria música, mais do que criar atmosferas, parece também ela contar pequenas histórias misteriosas.

And last but not least, Benedict Cumberbatch, porque diabo não deixou ele de parte este horrível nome de família?! Cumberbatch soa a tudo menos a actor de talento! (Mas até lhe fica bem, depois de nos habituarmos.) Não imaginaria, tendo visto aquele teaser idiota há tanto tempo, que Cumberbatch poderia ser tão magnífico. Sherlock Holmes é uma personagem cheia de singularidades. É um detective brilhante, friamente dedutivo, que pratica a observação como arma. Astuto e dono de todas as certezas, egocêntrico, balança entre a admiração de uns e a antipatia de outros. Tenho para mim que Cavaco Silva deve ser fã de Sherlock, daí a célebre "Nunca tenho dívidas e raramente me engano.” Holmes é também anti-social, culto e dono de certos interesses e hábitos particulares, para não lhe chamar manias. Cumberbatch torna-o intenso e imensamente divertido. O seu amigo pragmático, Watson, também está muito bem entregue a Martin Freeman, que tem uma prestação muito mais activa do que em anteriores adaptações. Watson afronta Sherlock com os seus comentários certeiros e sem medo e é também ele uma personagem interessante e não um mero parceiro. Grandes interpretações dos principais, secundários muito afinados também, diálogos muito bem escritos! Humor, insolência, suspense, acção, drama, está tudo lá. E ainda só vi um episódio. Será que é bom de mais para ser verdade?


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