Cinema: Desligados é cibersexo, mentiras e internet
Henry Alex Rubin é o realizador de Disconnect que em português tomou o nome de "Desligados". Ele já fez documentários premiados mas este parece ser a sua primeira incursão na ficção. Trata-se de uma história que abrange várias personagens directa ou indirectamente ligadas, um pouco como aconteceu no oscarizado Crash ou noutros filmes menos celebrados.
Disconnect - Desligados é um filme ancorado na cultura das redes sociais, aplicações, computadores, telemóveis, enfim, da tecnologia que hoje nos rodeia, e também de um certo alheamento da realidade em que muitos parecem mergulhados, um estado de "desligamento" global. Para uns a mensagem de que a internet é um papão e de que existe ali uma autêntica cyber-selva digna de um salve-se quem puder poderá até ser risível. Tão risível quanto sabemos que a televisão já foi acusada do mesmo. Para outros poderá ser um alerta. Nem todas as pessoas vivem a era da internet com a mesma intensidade. Mas Disconnect - Desligados é representativo da forma como a internet entrelaça a vida de todos nós, questionando o poder e o papel das relações virtuais que tecemos e também o da forma com comunicamos. Usemos a tecnologia mas saibamos usá-la a nosso favor. A tecnologia faz parte integrante das nossas vidas. Qual a nossa relação com ela? Devemos confiar cegamente nas novas ferramentas ou devemos estar alerta e perceber que, se não soubermos o que estamos a fazer, podemos vir a causar danos, intencionalmente ou não, a nós mesmos e/ou a terceiros?
E qual a qualidade da comunicação assim feita? Nunca tantos estiveram ligados e nunca a comunicação foi tão potencialmente capaz de encerrar erro, mentira, engano, falsa expectativa, humilhação. Em vez de nos tornar mais autênticos a tecnologia veio possibilitar entre nós e o outro uma espécie de pano onde projectamos o que queremos ser, como queremos ser. Vivemos existências veladas e quando somos forçados a revelar-nos acontece o choque de percebermos a enorme pobreza emocional que tudo isso encerra, confrontados que somos com a nossa derradeira descaracterização como seres verdadeiramente humanos. Desligados. A culpa é nossa, não da tecnologia.
Henry Alex Rubin oferece-nos uma tapeçaria feita de histórias de vida e tecnologia, a tecnologia é o fio onde a trama se vai entrelaçando, ou seja, a vida mudando de côr e de textura à medida que acontece. E, tomem nota, as cores deste filme não são nada alegres. Rubin mostra-nos o lado negro da internet, o seu lado mais perverso. Todas as personagens vão experimentar provações ao longo da história. Há adolescentes a serem recrutados para oferecerem cybersexo em salas de chat na internet. Não têm a noção exacta da gravidade do que lhes aconteceu, não percebem que estão a ser explorados, vivem o dia-a-dia numa ilusão sem se interrogarem acerca do futuro. Há teenagers que se entretêm a fazer bullying usando a internet sem consciência do perigo, possivelmente encarando isso como apenas mais uma partida, uma brincadeira igual às que faziam no "mundo real". Há miúdos tímidos e talentosos que desejam a morte por terem sido humilhados através do bullying cibernético.
O mundo dos adultos não é mais nem menos negro. Um casal é vítima de roubo de identidade, perde os seus bens e acaba a embarcar numa imprevisível caça ao homem, em busca de uma justiça que a polícia tarda em realizar. Uma jornalista insatisfeita e ambiciosa procura destaque profissional através da realização de uma peça choque sobre cybersexo de menores e vê a sua vida desmoronar quando percebe que se envolveu demais e tudo lhe escapou ao controle.
As famílias retratadas em Disconnect - Desligados são células de pessoas que se juntam à refeição mas que nem nesse momento se desligam dos seus aparelhos móveis. Cada adulto vive os seus problemas individualmente, a perda de um cônjuge e uma mudança de carreira, os dilemas financeiros, a obsessão pelo trabalho, sem se ligarem mais que superficialmente uns aos outros. O diálogo morreu. A opção é ligarem-se à internet para compensar o vazio. O consolo perante o luto de um bebé que se perdeu ou perante a angústia de estar só num casamento em crise, é encontrado, num site na internet destinado a apoiar emocionalmente pessoas que atravessam momentos de crise. E são as palavras de gente anónima, estranha, virtual, que tornam a vida mais suportável. É ainda num site de jogo online que se encontra a o escape para a vida real com que não se consegue lidar. Um ex-polícia é agora um cyber-detetive e quando um pai se vê confrontado pelo mistério do suicídio do seu filho é ainda para a internet que se volta, para o Facebook, onde busca avidamente o apaziguamento para a sua perplexidade, a resposta às suas questões. Como se não fossem capazes de comunicarem entre si de forma natural, ou não soubessem como, é sempre através da intermediação de um aparelho que a realidade parece finalmente fazer sentido. Será que deixámos que a tecnologia nos mudasse de tal modo que vamos todos precisar de mediadores da realidade no futuro?!
Embora não sendo uma obra-prima Disconnect - Desligados não deixa se ser um filme muito interessante de seguir para o que concorrem sobretudo as excelentes interpretações de todos os intervenientes, mesmo os mais jovens. Os jovens actores são admiráveis nos seus papéis, rivalizam à vontade com os adultos, e as suas personagens bem desenvolvidas. Os aspectos técnicos também são de bom nível, em especial a edição e fotografia, e a realização de Henry Alex Rubin é segura. Podem censurar-me a postagem cheia de spoilers. Mas isso não vai retirar-vos o prazer de ver este filme pois não são os diversos fios que desenrolei o mais importante e antes a forma como Rubin tece este filme até chegar ao resultado final. Aconselho, quanto mais não seja para fomentar a discussão. E agora, se me dão licença, vou ali ao Facebook e já volto.
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