Uma grande manifestação e Grândola Vila Morena




Estou trabalhando num sonho 
Embora às vezes o sinta tão distante
Eu estou trabalhando num sonho
e eu sei que vai ser meu um dia.

Bruce Springsteen (Working on a dream)

Tenho uma lista de canções no meu computador que ouço sempre que preciso de uma dose extra de animação. Working on a dream, do Bruce Springsteen, faz parte dessa lista. Há quem tome fluoxetina (mais conhecida por Prozac) para combater o desânimo, eu tomo canções no inverno, no verão a receita é uma hora de praia diária. É assim que afasto o mau humor e que carrego as baterias! Não fiquem com a ideia de que estou a brincar com quem precisa e toma Prozac pois eu mesma tomei um parente do Prozac durante uns meses! Sei que essas pessoas não se bastariam com algumas canções do Boss ou uns raios de sol, embora, quer a música quer o sol, também estejam certamente indicados como co-adjuvantes do tratamento dos estados depressivos!

(Um aparte importante! Combata o estigma: depressão é doença, sim, encare-a como uma pneumonia! Se tem, trate, se sabe de quem tenha, ajude a pessoa a procurar tratamento. Não perca tempo, não se iluda, não faça de conta, enfrente o bicho e dê a volta por cima!)

Todos gostamos de canções, mesmo quando não conseguimos cantar. A música faz parte das nossas vidas em muitos momentos. Encontramos alento nela, faz-nos refletir, faz-nos sonhar. Pensem nos cantares de trabalho, que surgiram da natureza colectiva das tarefas agrícolas há muitos anos, imaginem os grupos durante a lavoura, amenizando a dureza da vida rural com uma canção cantada em grupo! Pensem nas canções de denúncia, caso da música de intervenção dos anos 60-70. No nosso país as canções de intervenção deram voz ao povo oprimido e à sua ânsia de liberdade. Noutros países envolvidos em guerras de anos, essas canções apelam à paz, como o folk-rock dos EUA, lembro Joan Baez ou Bob Dylan. Por fim, quem não gosta de se perder em pensamentos enquanto escuta uma bela melodia!

Bruce Springsteen, norte-americano de Nova Jersey, escreve e canta frequentemente sobre problemas sociais da classe média, os conflitos entre os poderosos e os fracos, as injustiças e desigualdades que se repetem ao longo da história, afinal, tão presentes na América como em Portugal. Hoje, talvez fruto do que aconteceu ontem em Portugal, eu reparei na letra de Working on a dream com mais atenção. É uma canção sobre a realidade e o sonho americano, e apesar da sua melodia contagiante e esperançosa, é sobre a situação de todos aqueles que tiveram de deixar a família ou até o país para conseguirem arranjar trabalho. Seja porque as empresas faliram, seja porque foram deslocalizadas para países onde a mão de obra é mais barata, o que esta canção descreve está a acontecer todos os dias, em algum país desenvolvido do mundo, em Portugal também: "Quase 44 mil pessoas residentes em Portugal emigraram em 2011 para outro país, um aumento de 85% face às 23.760 pessoas que partiram para o estrangeiro em 2010, revelam os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre estimativas anuais de emigração."(Fonte)

Mas algumas canções têm um simbolismo especial e colectivo. Ontem ouviu-se uma dessas canções nas ruas de Portugal, foi Grândola Vila Morena. A população portuguesa manifestou-se em peso contra a quebra do nível de vida devido às medidas de austeridade exigidas pelos credores internacionais do FMI (Fundo Monetário Internacional) e adoptadas pelo Governo. Nos anos 80, também se verificaram manifestações de descontentamento social, Portugal também vivia sob a influência de programas de ajustamento do FMI. 1983 e 1984, foram dois anos que ficaram marcados pelos acordos com o FMI e pelo agravamento extraordinário das condições de vida dos trabalhadores portugueses. Depois, a entrada na CEE - Comunidade Económica Europeia - traria ânimo e um projecto de esperança num futuro melhor para Portugal. Desde 1986 e até 1991 Portugal recebeu fundos estruturais da CEE destinados a modernizar o sector produtivo e assim combater a sua desigualdade face aos restantes membros europeus. É certo que a economia se desenvolveu, todavia o país nunca alcançou o desejável nivelamento com os seus congéneres, seja porque os fundos não foram aproveitados em pleno, seja porque temos estado entregues à má governação recorrente. Hoje, todavia, ter esperança na União Europeia transformou-se uma piada e embora muitos continuem a trabalhar no sonho europeu, outros sentem que a Europa se tornou uma madrasta, um monstro, a Europa mete medo.

Não há português de 50 anos que não saiba a história da Grândola Vila Morena, um símbolo da Revolução dos Cravos e da abertura de Portugal à democracia em 1974. Houve duas senhas na Revolução. A primeira, às 23h, foi a música "E depois do adeus", de Paulo de Carvalho. Grândola, que foi a segunda, passou no programa "Limite" da Rádio Renascença às 0.20h do dia 25, e foi o sinal para o arranque das tropas mais afastadas de Lisboa e a confirmação de que a revolução estava em marcha. No último mês a conhecida canção de Zeca Afonso ganhou uma nova vida. Em Fevereiro de 2013, enquanto o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho falava no debate quinzenal com os deputados, foi interrompido pelo movimento "Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!" que cantou a Grândola como forma de protesto contra as políticas económicas deste Governo e da troika. Se para uns a cantoria na Assembleia da República foi um protesto cívico, criativo e justificável, próprio dos regimes democráticos, para outros não passou de um insulto à liberdade de expressão, uma forma indigna de usar esta canção. Mas desde então outros ministros têm sido alvo desta criativa manifestação de protesto e agora a canção foi cantada pela multidão, com grande emoção, no encerramento das manifestações do dia de ontem. O video é o desse momento na cidade do Porto, nos Aliados. Assistam, porque é esmagador. Também no portal norte-americano The World a Grândola Vila Morena é notícia por estar a ser pedida pelos ouvintes lusos residentes no Connecticut!! É caso para dizer, Viva a Grândola Vila Morena, viva o sonho! Não acham?







Comentários

Unknown disse…
Adorei seu blog. Parabéns!!!!
Vi seu banner no Siga-me e passei para conhecer. Agora já estou te acompanhando. Seguindo* :)

Se puder me segue também.
Desde já Muito obrigado!

Um abraço,
Lucas Farias
http://apanhadordelivros.blogspot.com.br/