A polémica dos decotes na cerimónia Grammy
Aproxima-se a 55ª Cerimónia dos Grammy. Já lá vai o tempo em que eu via os Grammy Awards na TV mas quando saem as nomeações eu continuo a dar uma vista de olhos pela longa lista de nomes, pois nos media apenas são realçadas as nomeações mais populares ,e por vezes descobrem-se ali pistas para música interessante. O ano passado o modelo dos Grammy foi revisto e agora não há distinção entre vocalista masculino e feminino, e a lista de prémios também foi encurtada, entre outras coisas.
Quase todos os anos se criticam os critérios dos Grammy. Sem querer desdenhar das escolhas dos Grammy, concordo que nem sempre percebi como é que os artistas lá chegam ou são descartados. Mas como não ouço tanta música quanto leio, e não leio tanto como vejo cinema, não serei decerto a melhor juíza neste assunto. Ainda assim, arrisco que os Grammy serão talvez mais uma chique operação de marketing do que um exercício sério para distinguir o talento na área musical. Dizê-los chiques talvez seja exagerado, ano após ano foram-me parecendo sempre um pouco mais achincalhados no seu estilo, sinais dos tempos. Ao escrever isto não me quero armar em pessoa de ouvidos finos e educados, de todo avessa a essas escolhas. Há nomes nos Grammy que ouço com agrado, este ano a Florence and The Machine está na lista, com o Melhor Album Pop, é só um exemplo. No entanto os meus artistas musicais favoritos nunca ganharam um Grammy e são deles os discos que comprei, não dos outros que têm agora os gramofones dourados na estante lá de casa.
Este ano a discussão em torno do tópico Grammy está ainda mais colorida. A CBS pediu para que seja observada a política da rede no que ao guarda-roupa diz respeito. A CBS, qual mãe ciosa da honra das suas filhas, - sim, isto foi um recado maioritariamente dirigido às mulheres - resolveu amandar um sopapo aos talentos musicais do momento! Atenção, pois, mulherio de Hollywood e redondezas artísticas, nádegas e seios, cuidado, tapar bem tapadinhos. Isto inclui as laterais dos seios e a parte inferior também. Não se deixem tentar por esses modelos de roupa desvairada que os costureiros imaginam e que desafiam a todo o momento a força da gravidade! Nada de vestidos tipo tanga. Isto não é a praia de Copacabana, nem sequer está calor por aqui, o ar condicionado funciona perfeitamente, por isso curvas do rabinho e fissura anal, bem enfraldadas por favor. Roupinha transparente que dê para ver mamilos também tem de ficar no guarda-roupa, usem-na nas vossas saídas nocturnas e depois façam como a Rihanna, sempre a colocar os braços por cima das meninas, para irritar os fotógrafos. A zona genital também tem de estar discretamente vestida, nada de relevos por favor, e esqueçam mostrar qualquer milímetro de pele da área. Pergunto-me como é que isto é possível, mas, sim, a gala dos Grammy virou até espectáculo circense, todas as acrobacias são possíveis. Marcas comerciais em t-shirts - mas que foleirada, quem é que leva uma t-shirt destas aos Grammy, esta gente quanto mais dinheiro tem, menos gosto exibe!!! - e se estiver escrita em língua estrangeira, ui, primeiro deve passar pelo crivo do tradutor escolhido da CBS!! Abaixo a obscenidade, total ou parcial, grita a CBS no seu escrito pois usou maiúsculas! E, cuidem-se, membros da audiência também não se podem ficar a rir, também devem ir tapadinhos. Por fim, esquecem por um dia as causas que vos movem o coração e deixem em casa, mais uma vez as T-shirts com nomes de organizações e apelos, e, mais, nada de pins na lapela, laços, lacinhos e pulseiras, ou outros acessórios irreverentes que se lembrem usar na ocasião.
Lembram-se da Beyoncé na tomada de posse do Obama a cantar And the star-spangled banner in triumph shall wave/ O'er the land of the free and the home of the brave? Pois, "Land of the free", my ass! As estrelas da música vão agora ter de meter o rabo entre as pernas e demonstrar respeito pelas famílias americanas e suas criancinhas, dignidade perante os clãs de refastelados no sofá a comer hamburgures e batatas fritas, decoro por todos esses que vibram em frente à TV com letras miseráveis, mas quanto ao conteúdo dessas a CBS nada pode fazer. As letras eu entendo, não posso falar muito sobre a música, já o disse, não sou assim tão experiente para dizer à boca cheia que nos Grammy é tudo uma porcaria. Mas até apetece, não é? Apetece ou as estrelas não precisariam de mostrar tanto do seu corpo para cativar a audiência. A carninha que entretenha os olhos do público que os ouvidos até ficam moucos, e é uma grande festa, ou melhor, um festim...nú. Afinal em que negócio é que elas estão? No do engate ou no de fazer música, escrever e interpretar canções?
Quero só ver o que isto vai dar. À falta de talento maior, alguma estrela mais estrelícia vai decerto furar o protocolo e aparecer de rabo ao léu para assim ficar na história desta 55ª edição. É desta que se acabam os directos na CBS! Mas este recado até pode ser uma forma da CBS garantir afinal mais público em frente à TV. A possibilidade de alguma estrela ser mais marota é atraente, talvez quase tão boa como ver decotes até porque estes já se tornaram a norma. E será que os americanos continuam a ver os Grammy como antigamente? Hoje a internet aproximou tudo de todos, a televisão passou para segundo plano. Mas afinal, estou com a CBS ou estou contra? Bom, um artista que vai ser distinguido pelo seu trabalho, ou melhor qualquer pessoa, devia saber vestir-se para a ocasião. Seria um sinal de bom gosto, educação, segundo, de honra retribuída O que me leva a questionar se estas mulheres encaram aquilo que fazem com seriedade. Se calhar não. Se calhar aquilo para elas é tudo uma grande tanga, um faz-de-conta. Nós é que fomos os culpados, demos-lhes importância em demasia. Eis o que dá idolatrar o que não tem substância! Agora pensam que podem fazer tudo, as estrelas foram por aí fora, espicaçadas pela concorrência feroz dos seus pares, pela pressão de fazer sucesso a qualquer custo no momento breve do seu/nosso tempo. Mas tudo isso não passa de uma forma banal de obter a nossa atenção e se não soubermos distinguir o que é a beleza de um corpo do que estão a tentar fazer connosco, apenas estaremos a ser cúmplices numa estratégia de venda muito primária. Por outro lado, alguns desses vestidos ousados eram, de facto, lindíssimos. Em algumas mulheres a ousadia até caía bem, não parecia vulgar, não parecia indecente como parece agora, em retrospectiva, depois da CBS a ter censurado. No entanto há aqui qualquer coisa que realmente não está bem. Esta imagem da mulher que as estrelas - ou pelo menos algumas - da música vêm cultivando mais não faz do que reduzir a mulher a um objecto de desejo, quando o que seria moderno e desejável era que projectasse a imagem de uma mulher segura e independente, sexualmente esclarecida e poderosa. A forma como estes comportamentos influenciam facilmente as crianças e as jovens pode ser um bom motivo para a CBS ter tomado posição. Todavia, parece ser já tarde demais para tomar este tipo de medidas, face à facilidade no acesso a todos o tipo de imagens, nomeadamente através da internet, e generalização deste tipo de modelos nos mais variados conteúdos televisivos, e, por isso, a posição da CBS parece um pouco ridícula.
Pela minha parte, e concluindo, eu não me sinto muito incomodada pelo guarda-roupa ousado dos talentos. O que me incomoda mesmo é a fraca qualidade de muitas canções. Mais penso que no séc.XXI a igualdade dos sexos devia ditar igual guarda-roupa para os machos. No mínimo, camisas transparentes para os mais atléticos, já. E ainda seria pouco. Para ver mamas, basta-me olhar ao espelho, ora essa. Se calhar foi por isso que deixei de ver os Grammy, eu nem gosto nada de música.
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