Cinema: Prometheus, de Ridley Scott


Neste ano cinematográfico eu queria muito ver Prometheus. Gosto de ficção científica desde sempre e Ridley Scott podia talvez proporcionar-me aquela boa experiência que procuro desde Inception. Ontem consegui finalmente ver o filme e fiquei um pouco desapontada. Lamento ter de dar razão a muitas opiniões negativas ou quase que inundaram sites e blogues depois de Junho a par de outras, elogiosas. Por vezes custa a crer que gente altamente experiente, que tem o queijo - e não qualquer queijo, antes o melhor e mais requintado queijo - e a faca mais afiada na mão, não consiga cortar a direito com os bolores que podem manchar uma boa história e acabam por condenar uma boa ideia a uma sombra de si mesma. Indubitavelmente é uma boa história, ainda que não inteiramente nova, mas contada de forma atabalhoada ou, pelo menos, imperfeita. Estarei a ser demasiado exigente? Não me parece.

Não há forma de negar que Prometheus promete e cumpre enquanto relato visual de uma viagem exploratória aos confins do universo em busca de algo extraordinário. Desde as primeiras imagens se torna claro que temos pela frente uma experiência visualmente poderosa. O fascínio pelo desconhecido, pela grande aventura da descoberta, está lá. Penso que observado por esse prisma a maioria dos que viram o filme concordará que se sentiu bem transportado e até extasiado pelo que o grande ecrã ia desvendando. Adivinham-se prémios para a direcção artística, efeitos visuais e som. É pena que o deleite visual não seja acompanhado por uma escrita mais sagaz e inteligente, é pena que nem todas as personagens se situem no mesmo patamar de desenvolvimento da que Fassbender interpreta - o robot humanóide é possivelmente a personagem mais consistente ao longo de todo o filme. Já não sou tão crítica quanto ao facto do filme propôr mais questões do que respostas, isso eu até considerei uma escolha interessante pensando no assunto abordado, mas não tanto se pensar que foi apenas um esquema deliberado para nos fazer voltar ao cinema daqui a um ano ou dois. A superficialidade com que um assunto tão grandioso como é o da origem da nossa espécie, ou a criação, são tratados em Prometheus não se conjuga com o grau de requinte e densidade da atmosfera visual criada, falta-lhe algum substrato a esse nível, e falta às suas personagens uma certa coerência que parece indesculpável quando se aponta para um objectivo desses. 

É um filme ambicioso e em forma, essa ambição levou-o longe, em termos de conteúdo, parece um diário de bordo escrito à pressa sobre a forma como o homem parte numa jornada para descobrir o seu criador, o encontra e se dá mal. Mas a capa deste diário não podia ser mais elegante, majestosa, e artisticamente executada. Prometheus é alimento para os olhos, não para a mente. E nisso os filmes da saga Alien parecem-me, -apesar de já os ter visto há muito tempo - mais equilibrados, mais autênticos e mais emocionalmente vibrantes. A ponte entre estes e Prometheus existe em alguns pormenores e talvez isso contribua para acentuar uma certa ausência de novidade e de surpresa que teria apreciado. As imagens iniciais do filme são as que mais me intrigam: mostram um dos Engenheiros alienígenas a cometer suicídio através da ingestão de uma substância que o desintegra e, uma vez na água, fica a clara sugestão de que foi o seu ADN que deu origem à vida na terra. A minha leitura deixa-me perplexa. Porquê o sacrifício? Parece uma cena mitológica! Teria sido esse Engenheiro banido? Teria sido a raça humana fruto de um acidente e daí a necessidade de a exterminar por ser um erro do passado? E se não, não teriam os Engenheiros outra forma de dar origem à espécie humana? Seria uma espécie de ritual?! Esses minutos iniciais são tremendos de força e poesia e é pena que não haja mais nada como isso ao longo do filme. 

A par de momentos surpreendentes e perfeitos somos surpreendidos, mas não tão positivamente, por algumas cenas risíveis, algo incompreensíveis. Todos conhecemos a foto de Einstein com a língua de fora, creio que todos percebemos que até os maiores génios podem ter atitudes brincalhonas, que um cientista não é uma máquina, um robot, que pode ser divertido, ter sentido de humor. Mas o que dizer de um biólogo que depois de ter feito uma viagem espacial de dois anos trata vida extra-terrestre como se de um animal de estimação se tratasse?!! Existem mais pormenores deste género, são os tais bolores, a meu ver escusados. Ou o tom é sério ou o tom é de brincadeira, ou se brinca em grande estilo, e Prometheus arranca sério demais para depois se permitir estes disparates! Também é extraordinário que a protagonista, naquela que talvez seja a sequência grotesca do filme, passe por uma inédita cesariana auto-conduzida e totalmente robotizada, e depois de ter visto sair de dentro de si um verme com tentáculos e de ser cosida com agrafos, consiga ainda ter robustez física e psicológica para correr, correr, correr e tornar-se a heroína da história que partirá na demanda espacial dos Engenheiros (com a cabeça do robot humanóide numa saca! ) Benditos sejam os medicamentos anestésicos do século XXI. Os argumentistas devem igualmente ter pensado que estaríamos tão anestesiados pelo poderoso espectáculo que nem atentaríamos nos pormenores. Mas, que diabo, estas arestas não são um pormenor, isto mete-se pelos olhos dos espectadores dentro! 

 Prometheus prometeu bem, mas não cumpriu nas expectativas que foi criando desde que foi anunciado. Ah, segundo Prometheus, além de naves em forma de foguete, disco e charuto, objectos em forma de ferradura também podem voar, parece que não há nada que não consiga voar, pelo menos no ecrã. Não posso dizer que tenha gostado muito da ideia, mas, enfim, se a estrutura mapeada no início do filme fosse em forma de foguete, disco ou charuto, desde o primeiro momento que a víssemos que estaríamos a dizer- oh, não, outra vez não, uma nave enterrada no solo. As ideias originais E BOAS começam a esgotar-se, talvez seja hora de dar arriscar e chamar novos argumentistas, não tão experimentados, com queijo fresco e até talvez faca romba na mão. Quem sabe se não seriam capazes de nos surpreender?

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