Poesia: Natal, e não Dezembro, de David Mourão Ferreira



Natal, e não Dezembro



Entremos, apressados, friorentos,

numa gruta, no bojo de um navio,

num presépio, num prédio, num presídio

no prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.

Entremos e depressa, em qualquer sítio,

porque esta noite chama-se Dezembro,

porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,

duzentos mil, doze milhões de nada.

Procuremos o rastro de uma casa,

a cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.

De mãos dadas talvez o fogo nasça,

talvez seja Natal e não Dezembro,

talvez universal a consoada.


David Mourão-Ferreira, Cancioneiro de Natal

Comentários

Clara Fernandes disse…
Adoro este poema! É absoluto, realista e deixa espaço para sonhar.
ótima escolha!