Cinema: Battleship - Batalha naval (2012)


Quando eu andava no Liceu costumava jogar à Batalha Naval nas aulas. Era um vício. Eu e a minha colega de carteira tínhamos sempre os papelinhos a postos disfarçados entre os cadernos e livros. Eram uma oferta das pastilhas elásticas Pirata! Depois dessas entusiásticas partidas nas barbas dos professores só este ano voltei a jogar à Batalha Naval com o meu sobrinho, mas com tabuleiros e pinos de plástico, é o popular jogo da Hasbro. O jogo foi desenvolvido em 1943 pela Milton Bradley Company, primeiro em papel e depois como jogo de tabuleiro. É fácil de jogar, depende da sorte e de algumas estratégias simples, sobretudo temos de evitar ser previsíveis, o que dificultará o jogo ao adversário. O par de jogadores arruma a sua frota de 5 barcos na grelha quadrada - porta-aviões, barcos patrulha, couraçado, cruzador e submarinos - e depois, vão dando coordenadas, ou tiros, com o objectivo é afundar os barcos adversários antes de todos os seus próprios barcos serem afundados. O meu sobrinho ganhou o jogo, das duas vezes!

E eis senão quando o cinema resolve transformar o jogo da batalha naval em Battleship! Já sabemos que quando o calor começa a apertar os filmes explodem com maior estampido, em especial os americanos. Todos os anos a competição pelo maior número de explosões e índice de destruição aquece no Verão. Os filmes de acção estoiram que nem pipocas. Com o CGI - Computor Generated Imagery - a garantir cada vez mais que tudo quanto for imaginável se torna viável no grande ecrã, a escalada torna-se ridícula. De filme para filme mais parece um concurso! Nada a opor se a história conseguir aguentar tamanhos cataclismos! O problema é que nem sempre ou quase nunca isso acontece. Repetem-se fórmulas de sucesso em sequelas sem fim, reciclam-se ideias, vão-se buscar carinhas larocas para distrair, publicitam-se os títulos como se fossem o último grito, algo imperdível se quisermos estar em sintonia com a vibração do momento, fabrica-se merchandising de toda a qualidade e assaltam-se as salas de cinema a nível mundial com não sem quantas mil cópias. Caso possível, ainda se inclui um hit musical na banda sonora! Depois faz-se contas ao box office, é o dinheiro que interessa. Ano após ano, isto está-se a tornar cansativo.

Recuso-me a subscrever a ideia de que um filme de acção não possa ser um bom filme. Há um ponto de equilíbrio algures. Mas a maior parte dos filmes de acção não o respeitam e acabam por se resumir a um banquete de cenas de destruição servidas a pretexto de uma pobre história. Muitos espectadores parecem ficar satisfeitos se se sentarem na cadeira do cinema e lhes servirem este cocktail explosivo - contam quantos carros voam, quantos prédios explodem, quantas naves se despenharam, quantos morreram, quantos sobraram. Multiplicam tudo por um copo de pipocas, dividem pelo preço do bilhete e o resultado é uma barrigada de satisfação. Nada tenho contra o cinema de entretenimento, nem sou obrigada a comprar bilhetes para estes filmes crocantes. E admito, eu gosto de ver filmes de acção desde que não me tratem como uma idiota. Já para não falar de ficção científica e adaptações de banda desenhada ao cinema. Gosto mesmo! Mas quando os vou ver não deixo o meu espírito crítico à porta, não fico anestesiada pelo estampido das explosões, logo, por vezes é-me penoso assistir a alguns disparates, umas vezes porque fui ao engano, outras porque estou a fazer o favor a alguém, que gosta de ver cinema mas só se tiver companhia!




E foi assim que assisti ao filme de Peter Berg, Battleship – Batalha Naval. Visualmente irrepreensível, mas, por favor, quanto ao resto, não podiam ter limado as arestas? Quando me falaram do filme eu pensei que era uma adaptação de algum jogo de vídeo e pensei, oh, não, vai ser uma rica bosta, embora eu até goste de Resident Evil - O hóspede maldito ou do mais recente Prince of Persia - As areias do tempo. Afinal Batalha Naval é a adaptação do velhinho e meu conhecido jogo de tabuleiro e papel. Está mais próximo de Jumanji. Hopper é a personagem principal a cargo de Taylor Kitsch, o actor de que ainda se fala por ter protagonizado o filme desastre deste ano, John Carter from Mars , sobre o qual escrevi aqui. Hopper, que até ali tinha andado aos caídos e a dormir no sofá do irmão mais velho, é preso por roubar um burrito para impressionar uma jovem loura acabadinha de conhecer num bar, de nome Sam, uma fisioterapeuta, muito decorativa ou não fosse Brooklyn Decker, que a revista Esquire considerou ser a mais sexy mulher do planeta, do universo ou seja lá do que for! Após este momento de comédia, o tom muda rapidamente fruto da disciplina fraternal imposta e é sempre a abrir. Obrigado que é a ingressar na Marinha pelo irmão, experiente oficial da Marinha, Hopper acaba destacado para o USS John Paul Jones, e vê o irmão, interpretado por Alexander Skarsgård, o vampiro Eric de True Blood, morrer após o primeiro contacto com os alienígenas. A partir daqui o homem não acredita na sua sorte! Acabaram de chegar à Terra uns filhos da puta de uns extra-terrestres enfiados numas armaduras blindadas, tipo escafandro com visores de vidro, para nos exterminar e ele tem de tomar o comando do navio!! Vieram em resposta a um "convite" de uns cientistas malucos que enviaram um sinal para o espaço. Como não se dão com a luz do sol fiquei sem perceber se não estariam mais bem servidos noutro planeta, enfim, conveniência de guião, mais uma fraqueza estratégica, à semelhança dos ET da Guerra dos Mundos. Vieram em naves horrendas que caiem dos céus aos trambolhões, arrasando Tóquio e matando gente a rodos, e, pasme-se, estes portentos anfíbios saltam sobre a água do mar como se fossem rãs, têm um aspecto à la Transformers, são máquinas de destruição capazes de lançar engenhos que retalham cimento e ferro e umas bombas com o formato dos pinos do jogo de tabuleiro da batalha naval que partem um navio de guerra aos bocadinhos enquanto o diabo esfrega um olho. Mas sabiam que vão ser derrotadas com tiros convencionais de metralhadora para o vidro do cockpit, sala de comando ou algo assim?! É verdade. Mais uma conveniente fraqueza estratégica do guião, afinal eles tinham de ser aniquilados e não valia a pena estar a encanar a perna à rã por muito tempo. Assim que Hopper aparece vestido de branco aparece também, tcharan, a ninfeta da pop, Rihanna, muito arrapazada e com o pior corte de cabelo que jamais ostentou em público, e, pior ainda, encarregada de meia dúzia de falas deprimentes, dir-se-iam retiradas das piores letras pop!! Ela é a Ten. Raikes, parceira de Hopper, especialista em armas no USS John Paul Jones!! Para fingir que o filme é mesmo muito sério, chamaram o reconhecido Liam Neeson para interpretar o papel do Almirante Shane e pai de Sam, que primeiro estranha o falhado namorado da filha, não vê o que ela viu nele, embora reconheça que ele tem potencial, mas que depois entranha, ou não tivesse ele acabado de salvar o mundo, passados uns 90 minutos mais ou menos.

A acção desenrola-se ao largo do Hawai e de Pearl Harbour, só que desta vez os Estados Unidos e o Japão unem forças contra os maus da fita, os pobres extra-terrestres, uma das entidades mais desprezadas pelos recentes argumentistas da 7ª arte. Coitados deles, cada vez mais são meros inimigos que urge abater. Estes invasores de Battleship não têm qualquer protagonismo, qualquer interesse, não encerram qualquer mistério, não despertam sequer a nossa curiosidade em relação a esse mistério insondável - haverá vida inteligente no universo? Estamos ou não estamos sós? Estão ali para pressionarem o gatilho, serem derrotados e nada mais. Há pouco tempo vi Invasion of the body snatchers - e até esses extra-terrestres mereceram mais meu respeito como espectadora de cinema! Outro filme, por sinal bem conseguido, onde o ET também não tem pés nem cabeça é Super 8. Ou seja,o futuro do cinema não nos está a trazer nada de bom em matéria de ET's, volta Spielberg, volta Alien!!

Por outro lado, o filme parece querer homenagear a Marinha e os seus protagonistas, os soldados que servem os Estados Unidos de corpo e alma. Li depois que uma das personagens é realmente um Tenente Coronel do Exército americano de nome Greg Gradson, que perdeu ambas as pernas no Iraque, em 2007. Infelizmente ele acaba a aniquilar ET's - étês - ao murro. Como Will Smith, recordam-se?! Aparecem ainda reais veteranos da Marinha, que serviram no USS Missouri, é bonito, mas fazê-los aparecer a caminhar no deck do navio em slow motion...?!! O melhor está guardado para o fim, quando Hopper recorre ao único navio existente na área para conseguir continuar a batalha, nada mais nada menos que o museu flutuante Battleship Missouri Memorial, o Mighty Mo, que se encontra em Pearl Harbour!!

Battleship pareceu-me uma gigantesca e estrondosa colagem de filmes de acção - Armageddon, Transformers, Independance day, Pearl Harbour! Quase se torna difícil detectar que na origem do filme esteve o simples mas eficaz jogo da batalha naval. Uma única cena do filme consegue evocar o jogo da batalha naval quase na perfeição - é a de um ataque no mar às naves extraterrestres através da utilização de uma grelha no radar e fazendo uso de um sistema de bóias que medem a oscilação da água do mar. Nesses breves minutos o jogo de tabuleiro saltou efetivamente para o grande ecrã. Dito isto, posso dizer que tinha mais saudades do jogo verdadeiro do que vou ter deste filme.

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