Opiniões sobre o projecto Es.col.a da Fontinha e o seu despejo no dia 19 de Abril
A Escola depois da intervenção policial.
Foto de António Serginho (Facebook)
Porque fiz questão de marcar presença na concentração de apoio ao Es.col.a da Fontinha, em Coimbra, ontem, dia 20? Porque em Junho de 2011 tive oportunidade para passar alguns momentos na Fontinha e informar-me da acção em curso e reconheço o mérito do que ali está a ser feito. Por isso apenas posso manifestar repúdio e vergonha por situações como esta, sempre, em que uma CM cheia de técnicos supostamente bem preparados academicamente em matérias sociais de toda a ordem não sabe lidar com a população sem ser pelo uso da força e da destruição.
O despejo violento que aconteceu na Fontinha espelha a incompetência camararária mais do que a impertinência de um grupo de pessoas que se tem preocupado em servir os que mais precisam desinteressadamente, resgatando e devolvendo teimosamente à comunidade o que a CM tinha desleixado e mantido ao abandono durante cinco anos, e sem nunca pedir nada em troca! Estas pessoas do Es.col.a da Fontinha não são marginais, são parceiros do desenvolvimento comunitário. Mereciam ser tratadas de igual para igual e não como escumalha prevaricadora. Lembremo-nos que criminosos há neste país que são tratados com bem mais deferência. Condeno, pois, aquilo que me parece não ter passado de um tosco ensaio de negociação por parte da Câmara, orgão que não esgotou todas as possibilidades de diálogo antes de encetar pelo uso da força, não visando nunca verdadeiramente a obtenção de uma solução e antes dar aso a mais um pretexto para proceder ao despejo do Es.col.a, e a consequente destruição, desnecessária e vândala, de bens que tinham por objectivo apoiar uma população carenciada de uma forma criativa e autónoma, com a sua participação empenhada. Perdeu-se mais do que aquilo que se ganhou.
Em tempos difíceis para tantos poderemos mesmo dar-nos ao luxo de desbaratar de forma arrogante esforços e acções que visam atenuar carências sociais de vária ordem, mesmo se não devidamente enquadradas legalmente ou incompreendidas pelos tecnocratas do planeamento social, que, na verdade, se econtram de mão atadas, falidos, e a pensar que a população pode esperar eternamente? Não deveríamos todos concentrar o pensamento e a acção num sentido único, comum, capaz de potenciar o melhor resultado junto daquela população? O que é mais importante? Colmatar as necessidades da população carenciada, incentivar a iniciativa juvenil, solidária, útil, ou esmagar a acção deste grupo? Eram uma ameaça imediata? Em que moldes? Para quem? Expliquem-me e expliquem a uma pessoa que já tem pouco que vai ficar sem nada porque é legal fazê-lo e têm o poder para tanto. Se ela for do Porto não esperem uma reação numa linguagem asséptica e contida como esta em que escrevo e vos convido à leitura do que se segue. Depois detenham-na por injúrias e apresentem-na à autoridade. Desculpem-me se penso mais uma vez em quem não tem tempo para esperar que a batalha se trave. Porque não sentarem-se à mesa de forma civilizada e em conjunto elaborarem um plano de acção útil, sustentável, com futuro para a Fontinha, num verdadeiro espírito de entreajuda? Afinal uma coisa o Es.Col.A da Fontinha e a CM do Porto, apartados que estão ideológica e políticamente, têm em comum - o objectivo de servir os cidadãos embora a câmara pareça exigir a sua vassalagem, o que está muito errado, e não se coaduna com o que ela devia estar a promover: a emancipação dos habitantes da cidade. Em rota de colisão nem um nem outro o conseguirão fazer, o primeiro irá desgastar-se em reações, ainda que não se agaste, e o segundo fará o que for preciso para se auto-preservar enquanto sistema. Não é o princípio, nem foi o fim. Resta saber o que foi, incompetência, medo, cegueira, desnorte.
O despejo, não é o princípio, nem foi o fim deste projecto.
As primeiras pessoas a chegarem ao local da concentração em Coimbra
Dia 20, 18:00 horas, em frente à CM de Coimbra - Solidariedade com a Fontinha.
Alguns dos cartazes expostos
O texto do panfleto que estava a ser distribuido no local:
"Há 5 anos que existia uma escola abandonada e degradada no Bairro da Fontinha no Porto que já só era frequentada por ratos. Um grupo de cidadãos ocupou esse espaço, restaurou-o e fez dele uma zona de liberdade e democracia em perfeita colaboração e partilha com as populações desse bairro. Naquilo a que se chama Es.col.a ( Espaço Colectivo Autogestionado do Alto da Fontinha) ajudam-se as crianças nos estudos, criam-se actividades para os jovens do bairro e apoio para os mais idosos de uma forma solidária e desprendida. Xadrez, Yoga, Capoeira, Música, Dança, Bibliotecas, um sem número de actividades que seram vida e criaram esperança num espaço construido em democracia e liberdade. Num só ano o Es.col.a passou a ser o centro daquele bairro e o único apoio de muitos que passam por dificuldades devido às desumanas políticas de austeridade e roubo a que este país tem sido sujeito. Aí se partilham refeições confecionadas com produtos das hortas comunitárias que têm surgido na zona e se reforça a solidariedade e a cidadania. Não a solidariedade da esmola ou da caridadezinha, mas uma solidariedade feita da partilha e da união de todos. Isso parece assustar o sistema receoso que os cidadãos compreendam que existem alternativas possíveis ao mercantilismo e à subjugação aos grandes poderes económicos e que as leis só devem ser válidas e obedecidas quando forem justas. Ver nas televisões ministros a saírem sorridentes de carros de alta cilindrada pagos por todos nós e depois polícias a violentarem cidadãos para lhes retirar aquilo que construiram com as suas próprias mãos é uma imagem que só nos pode causar repulsa e indignação. Exigimos por isso que o poder aceite a soberania dos cidadãos sobre as suas terras, bairros e cidades e que, se não são capazes ou não têm a vontade de os apoiar, pleo menos não envie os seus cães de guerra para impedir a sua organização. Exigimos que o Es.Col.a da Fontinha seja devolvido ao bairro e aos seus habitantes. O Es.col.a não será nunca despejado, porque não se pode despejar uma ideia."
Antes de continuar a ler esta postagem, se nunca leu nada sobre o que é o Projecto Es.col.a, Espaço Colectivo Autogestionado, sugiro a leitura do blogue da Es.col.a da Fontinha.
Alguns textos de opinião - listagem em actualização
Ódio à diferença, diz António Pina, do JN, "No edifício da antiga Escola da Fontinha, há cinco anos ao abandono, nascera espontaneamente, por iniciativa dos moradores e outras pessoas, um projecto cívico autónomo que, durante um ano, sem mendigar subsídios, fez a "diferença", infeccionando de vida comunitária e, sobretudo, de esperança, o resignado quotidiano de uma das inúmeras zonas degradadas que, longe do olhar dos turistas, persistem no coração da cidade."
A falência de uma Câmara Municipal, por Jorge Palinhos, no blogue Quarta Parede, que diz que "quando a máquina propagandística da câmara se calar, a cidade verá Rui Rio como o mais falhado dos seus presidentes, que precisou de mobilizar centenas de polícias para destruir o espaço comum dos habitantes pobres de um bairro social e tentar afirmar a sua influência sobre uma cidade, cidade essa que há muito escapou ao seu poder."
Maria de Deus Botelho, diz que no bairro da Fontinha aconteceu o despejo de Rui Rio. "Retive, no longo pedaço em que lá estive, (na Assembleia Popular) a organização espantosa de todo aquele movimento, ainda que sem uma liderança assumida. Impressionou-me o pacifismo de todos os presentes — sem que isso significasse, em momento algum, passividade — e a seriedade de propósitos que transpareceu. Tocou-me a coragem e a firmeza daquela gente, que continua a acreditar que este projecto é possível, apesar de todas as contrariedades e obstáculos. Guardei, como exemplo, a resiliência de tantos na prossecução do objectivo."
Armando Pera, no blogue Artérias cruzadas, sobre a arte de problematizar soluções, escreve que "um espaço público fechado não tem muito de público, enquanto que aberto à comunidade local e ao público em geral já serve bem mais o seu propósito. Mas ao que parece, as gentes do poder parecem discordar deste facto, pois o seu propósito não servia adequadamente os seus interesses económico-burocráticos."
Governo Sombra e Ricardo Araújo Pereira no podacast , na sua habitual ironia, "Ufa, durmo mais descansado, até que enfim, finalmente eliminou-se ali aquele enclave perigoso de actividades culturais no Porto e a escola pode agora voltar ao abandono em que estava antes daquilo... muitos dos okupas chegavam a ter cabelo comprido... e brinco, alguns." ao min 34:30'
Pedro Figueiredo, sobre a Fontinha e um presidente que não faz, não deixa fazer e bate em quem faz. O que ele escreve:" Na semana passada pude muito simplesmente passar por lá e ajudar aqueles “perigosos anarquistas” e Fontinhenses a arquitectar um magnífico pano amarelo que foi depois colocado ao inicio da rua. Ficou bonito. Foi uma obra colectiva e colectivista. Foi só chegar, voluntariar-me e participar. Nada mais. Simples. Ninguém me perguntou quem eu era, se tinha interesses ou opiniões “políticas”… Eficaz portanto… "
O dr. Rui Rio não é fascista...escrito por Joe Médicis, no blogue Merditações. "Durante 5 anos, o abandonado edifício foi ocupado para fins de “casa de chuto” não supervisionada, sem que o impacto de tal actividade económico-social (ilegal em Portugal) preocupasse as autoridades policiais e camarárias. No entanto, bem mais perigoso do que uma pandilha dezombies adormecidos pela heroína, é um grupo de gente inteligente, activa, empreendedora, criadora de sonhos, fabricante de asas que fazem as crianças voar."
O centauro e os okupas, de Carlos Carujo, no Facebook. "Eu até gosto da expressão “okupas” e penso que seria um bom dia para passar o documentário do João Romão. Só que a expressão, neste contexto, parece procurar ter como efeito a estigmatização e a marginalização do projecto da Fontinha. Parece desta forma legitimar a violência por outra forma já que ela não foi feita contra nós, pessoas normais, cidadãos honrados, mas contra os outros, umas pessoas esquisitas que sabe-se lá que interesses escondem e o que querem verdadeiramente fazer com aquilo…"
Fontinha, por Fábio Duarte Martins, no Facebook."Quando falei com um dos voluntários do Es.Col.A, que ajudava os miúdos no estudo acompanhado e a aprenderem o que quisessem, senti-me num funeral a tentar, desajeitadamente, consolar os vivos da perda do morto; naquele olhar, vi a meiguice que se tem por um fantasma demasiado querido.(...) O que é triste é este desperdício de solidariedade humana que a política insiste em desaproveitar.
A lei foi cumprida, a escola da Fontinha está em ruinas e entaipada, é o título de uma reportagem do IOnline. "Livros, trabalhos realizados por crianças, electrodomésticos que nos custaram a conseguir…O material vai todo para o lixo ?!” Marco juntou-se ao colectivo aquando do primeiro despejo; dá apoio escolar às crianças do bairro. “Eu dou aulas de guitarra”, diz um outro elemento do colectivo que não se quis identificar. Cristiana, a voz intensa, afoita, que se ouviu durante todo o protesto de resistência, “não ensinava nada, mas doei um frigorífico”. De facto, o frigorífico estava lá na carrinha dos serviços de limpeza da Câmara Municipal do Porto. O frigorífico, um fogão, bicicletas e mais um monte de haveres reunidos ao longo de um ano, atirados pelas janelas da escola como se de lixo se tratasse."
Anestesia, por TAF, "Aqui na Fontinha o problema não é a eventual violência policial, insistir nisso é desviar o foco do essencial: a atitude consciente e amadurecida da CMP entrar em confronto com os ocupantes e com a população local. Isso sim é que é grave, incomparavelmente pior do que uma chapada ou uma bastonada forte de mais (embora sempre lamentáveis e inaceitáveis) no calor do momento."
Comunicado, por Gui Castro Felga, em O blogue ou a vida. "Acho que nunca tive tanto medo na vida como quando vi, para lá do muro baixinho do es.col.a e através do gradeamento, os capacetes do corpo de intervenção a aparecer da rua inclinada. Traziam escadas: alguns passaram a vedação e começaram a desmontar a barricada, outros a cercar-nos e a tentar separar-nos. Ao ouvido, um dos polícias sussurou-me: «irra que as gajas são sempre as mais difíceis», quando eu e outra tentávamos, como possível, agarrarmo-nos para não sermos levadas. Arrastaram-nos para a sala ao lado da cozinha, guardados por vários polícias. Lá de cima, no pátio sobre a cozinha, ouvíamos as rebarbadeiras a cortar a porta de acesso à caixa de escadas."
Uma questão de credibilidade, por Vítor Silva, opina que "A Câmara Municipal do Porto diz que a es.col.a da Fontinha sofreu uma ocupação abusiva e "selvagem". O que eu vi quando lá fui (não foram muitas é certo, 2 vezes apenas) foi uma escola que estava abandonada e que passou a ser utilizada. Vi uma pequena biblioteca, uma sala de computadores e uma sala para as crianças brincarem. Quantas vezes é que Rui Rio ou a vereadora Gulhermina Rego viram isto? Acho que nenhuma."
No blogue Ladrões de bicicletas, Nuno Serra escreve" Imagine-se também que um grupo de cidadãos, interessados pela cidade em que vivem, pretende fazer trabalho comunitário, junto de pessoas que podem beneficiar do seu apoio. Alguns são empregados dos serviços, outros são professores e outros são gestores. O grupo é ainda composto por reformados, que decidiram preencher o tempo de que agora dispõem ao serviço da comunidade. Tencionam ajudar as crianças nos trabalhos escolares e promover diversas actividades com os moradores do bairro."
Petição pública
TOD@S pela FONTINHA! para Rui Rio, Presidente da CM do Porto
Petição O Es.Col.A não será nunca despejado, porque não se podem despejar uma ideia.O projecto Es.Col.A no Alto da Fontinha (Porto) está a ser despejado neste momento pela polícia. A Câmara Municipal do Porto, ao não ter cumprido com o acordado, está a tentar matar algo que reabilita a zona do centro do Porto e que tem o apoio da população. O Es.Col.A não será nunca despejado, porque não se podem despejar uma ideia.
Para assinar a Petição, clicar aqui.
(2738 assinaturas até ao momento em que eu assinei.)
E para terminar, um texto de um dos membros do colectivo, Pedro Lima, Ocupar é urbanizar, onde ele nos relata que " é possível agir sem estar à espera do paternalismo do poder instituído, que a desobediência civil é um caminho, uma via consagrada na Constituição da República para defender os bens do Estado, num país onde o património arquitectónico dos principais centros urbanos está votado ao abandono e em particular numa cidade onde os valores culturais são ultrapassados por carros de corrida."
A text I wrote about Es.Col.A written in English language can be found here.
Comentários
Esta iniciativa é louvável.
A C.M.P. teve oportunidade de sentar-se à mesa de forma civilizada, mas suponho que isso iria contra os seus princípios.