Whitney Houston: esta mulher devia ter tido um guarda-vidas


Quando fui ver o filme O guarda-costas, em 1993, no Teatro Avenida em Coimbra, eu fui para ver Whitney Houston e não Kevin Costner, à altura um galã bem cotado no cinema e a gozar os recentes louros da sua Dança com lobos. O filme em questão, se não ficou na história como um dos piores desse ano, pode ter ficado como o melhor dos piores e apenas porque ela estava lá e aquilo era quase a Whitney a interpretar-se a si mesma, uma história de amor com final feliz da rainha da pop, mesmo se o Grammy de melhor vocalista já datava de 1987. Eu gostava dela o suficiente para ir ver o filme embora gostasse das canções de uma forma moderada, aquele tipo de canções não era bem a minha cena.

Por essa altura Whitney emparceirava nas charts com nomes como Michael Jackson, Tears for Fears, Paula Abdul, Deff Lepard, Prince, Madonna, Aerosmith, Mariah Carey, Guns r Roses, Nirvana, George Michael ou Michael Bolton. E eu ouvia tudo isso também. No entanto não havia como escapar ao fascínio duma voz que conseguia fazer de tudo, até os agudos impossíveis me soavam bem, hoje irritam-me um pouco. Por isso, quando hoje me disseram, olha morreu uma cantora famosa, cantava muito bem, chamava-se Houston, cantava mesmo bem, a imagem que tomou conta da minha memória imediatamente foi a do cartaz do filme O guarda-costas, com Kevin Costner a carregar Witney ao colo, enquanto uma canção soava nos meus ouvidos, The Star-Spangled Banner, embora não fizesse parte dessa banda sonora.

Tenho um par de discos de vinil da Whitney, já não sei dizer quais são, penso que um deles seja mesmo a banda sonora do filme. Os vinis eram caros, eu não tinha dinheiro para muitos, eu e a minha irmã negociávamos a decisão da compra, o disco devia agradar às duas, o que seria mais proveitoso. Para quem não sabe, esta canção que referi não é um hit da Whitney, é o hino dos Estados Unidos e se me lembrei dela primeiro foi porque há um par de semanas circulava na internet uma interpretação esganiçada do hino pelo Steven Tyler, vocalista dos Aerosmith, na abertura de um evento desportivo norte-americano. Se até havia quem achasse que o homem se tinha safado, para mim Tyler está a precisar de lições de canto ou de uma transfusão de sangue ou qualquer outro truque pois ele não fez mais do que berrar o hino com quanta força tinha. Não sei como é que depois dessa brilhante demonstração de talento vocal ainda tem coragem para avaliar candidatos a cantores no American Idol!! Quando o ouvi lembrei-me logo da interpretação da Whitney Houston, da sua graciosidade, sentimento e força, a que, mesmo sem ser americana, eu não ficara indiferente há uns anos atrás. Ainda estava fresca na memória pois passei pelo Youtube para rever e comprovar.

Um pouco à semelhança de Michael Jackson, a carreira de Whitney interrompeu-se há muito tempo. As notícias sobre os seus hits foram sendo substituídas por notícias sobre a sua dependência das drogas, do álcool e fármacos, acompanhadas por fotografias que nada tinham a ver com a imagem da vedeta glamourosa, elegante e saudável dos anos 80-90. Houston hibernou musicalmente mas em 2009 lançou um novo CD e parecia estar em forma nos videos. No próximo mês de Agosto, vinte anos depois de O guarda-costas, vai estrear mais um filme onde ela tem um papel, chama-se Sparkle, um remake de uma fita de 1976 vagamente inspirada na história das Supremes.

Whitney Houston teria talvez precisado de um guarda-costas a tempo inteiro na sua vida, melhor, um guarda-vidas, alguém que lhe tivesse explicado que a felicidade não é um destino, é uma viagem contínua, com paragens e retrocessos, labirintos, e que não há soluções mágicas para atalhar caminho, drogas, álcool, o que quer que seja. Regra geral a vida privada das pessoas não me interessa, sejam figuras públicas maiores ou menores, tenha eu livros, discos ou filmes delas na minha prateleira. Não sei nada sobre o que despoletou a crise na vida desta mulher, uma das mais premiadas cantoras de sempre, a que tantas vezes chamaram "um instrumento de Deus". Sei como acabou. Sei também que não foi a primeira pessoa talentosa que se perdeu de forma tão inglória para o mundo das substâncias estupefacientes. E sei ainda que a sua história de fama e declínio não servirá de exemplo suficientemente explícito para demover outras pessoas deste caminho.


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