Os navios de cruzeiro são mais do que hotéis flutuantes
Quando estive na praia da Rocha, bem mar adentro, via passar ao longe os navios de cruzeiro, brancos e brilhantes sob a luz do sol. Há quem possa escarnecer do seu luxo, insurgir-se contra a sua pegada ecológica, as multidões que largam em terra. Outros são conquistados pelos números incríveis envolvidos e pela evidente demonstração de tecnologia. Outros ainda pelo que estes navios simbolizam, evasão e luxo. Com a sua aura de sonho, não obstante a crescente onda de contestação, antevejo que continuarão a navegar na nossa imaginação com um carisma muito singular. Grande entusiasta de viagens, nunca me senti, todavia, atraída pela modalidade “cruzeiros”. Até hoje apenas fiz um pequeno “cruzeiro” no mar do Bósforo, uma brincadeira de todo incomparável com estas aventuras de longo curso. Eu e a minha aversão ininteligível pelos barcos, lá subi a bordo, algo contrafeita: teria preferido continuar a calcorrear Istambul. Uma vez a bordo do pequeno catamarã não estrebuchei nem fiz fitas de nenhuma ordem. Mas também nunca deixamos de avistar terra! E é por aí que este fenómeno dos cruzeiros, um negócio em expansão, me intriga. Estes navios da Royal Caribeean são mais do que hotéis flutuantes e ambulantes. Navios como o Allure of the Seas ou o Oasis of the Seas, têm 16 andares e oferecem num espaço limitado uma variedade de estruturas e diversões que muitas pequenas cidades não chegam sequer a possuir. Se me fizesse ao mar eu preferia viajar num pequeno navio onde me fosse dado perceber como é a vida a bordo, um veleiro como nosso Sagres, por exemplo; um navio onde eu não perdesse a noção de que estava no mar. Nestes enormes navios a diferença entre estar no mar ou em terra desapareceu! Para viver uma experiência destas eu talvez preferisse fazê-lo em terra.
Penso que viajar num destes navios poderá ser uma experiência fantástica, tudo depende do que as pessoas já viveram, querem e gostam. Lembro um colega de projeto, açoreano, na sua primeira visita a Lisboa. Um passeio pelas ruas da capital foi uma novidade imensa, dizia ele que os edifícios eram altíssimos e apenas estávamos em pleno Chiado. Estes navios têm um jardim chamado Central Park cheio de árvores exóticas provenientes de todo o mundo, uma centena de espécies diferentes de plantas, dir-se-ia uma espécie de arca-de-noé do mundo vegetal! Entre a vegetação ouvem-se as aves a cantar! Um passageiro pode levantar-se pela manhã, tomar um opíparo pequeno-almoço, dar uma volta por entre as árvores e planear um dia de compras, tal e qual como se estivesse em terra, não faltam lojas com as marcas mais populares e souvenires para todas as idades. Mar, nem vê-lo. Depois das compras pode ir comer num qualquer restaurante, o problema será escolher entre a vintena disponível, e antes disso tomar uma bebida num dos bares. Durante a tarde, as crianças podem ser deixadas no cinema a ver um filme em 3D enquanto os adultos vão descontraidamente até às piscinas, ou fazer uma terapia relaxante no spa, ou participar em dezenas de actividades lúdicas ou desportivas, exercitar-se no centro de fitness, escalar uma parede, jogar mini-golfe, fazer rappel!Também existem parques infantis em profusão, até com carroceis, o número de crianças a bordo pode facilmente ultrapassar as 1500. À hora do jantar, mais experiências gastronómicas diversificadas à escolha, e, para fazer a digestão, que tal assistir a um espectáculo da Broadway, ou qualquer outro, por exemplo um show de acrobacias aquáticas? O número de artistas a trabalhar nestes navios pode até exceder o da tripulação. Se ainda houver energia depois de toda esta agitação, uma das pistas de dança das várias discotecas aguarda, se não houver energia mas ainda houver dinheiro para gastar, o casino está ali. Lounges diversos permitem também ver o sol descer no oceano num ambiente mais recatado.
Uma das minhas cismas com estes navios prende-se com a quantidade de pessoas a bordo. Cerca de 6000 passageiros e 2300 tripulantes a entrar a bordo, quanto tempo para fazer o check-in, quanto tempo para sair nos portos abordados ao longo do percurso? Os maiores navios, Oasis of the Seas e Allure of the Seas, garantem que em 15 minutos as pessoas estão lá dentro o que não deixa de ser espantoso. Até para entrar num avião eu levo mais tempo do que isso! Depois, imagino sempre que estes navios sejam como o Algarve em Agosto, uma multidão de gente colorida e linguajares vários, não que isso seja mau, má é a concentração por metro quadrado! Mas se no Algarve eu posso sempre escapar, num navio restar-me-ia recolher à cabine para obter sossego. Parece que esta é a realidade em navios de cruzeiro mais pequenos. Nestes gigantes topo de gama o espaço é suficiente para todos se sentirem bem, é o que dizem E na hora de dormir? Será que se é embalado pelas ondas? Parece que não. Parece que nada mexe dentro do navio, uma estabilidade que, mais uma vez, faz esquecer tudo acerca da vida no mar. Temos de concordar com a menina no spot publicitário, na Royal Caribbean, eles não constroem apenas navios, eles constroem o incrível.
Vem toda esta ladainha a propósito, claro, do recente acidente do Costa Concordia, em Itália, uma perfeita lástima a perda de vidas e grande prejuízo para a empresa, mais o eventual desastre ecológico que pode sobrevir se não retirarem o combustível a tempo. E um comandante perfeitamente atordoado que vai ficar para a história como um covarde sem carácter. Ainda assim não me parece que alguém que tenha nos seus planos fazer um cruzeiro vá, perante o sucedido, ficar em terra a ver navios. Eu não ficaria, se estivesse pronta para partir a bordo de um destes monstros dos mares.
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