Conta-me como foi: a minha avó e a reciclagem
Enviaram-me um email, que outros já devem ter recebido, e que começa assim: Na fila do supermercado, o rapaz da caixa diz a uma senhora idosa que deveria trazer os seus próprios sacos para as compras uma vez que sacos de plástico não são amigos do meio ambiente. A senhora pediu desculpas e disse: "Não havia essa onda verde no meu tempo." Então o empregado respondeu: "Esse é exactamente o nosso problema hoje, minha senhora. A sua geração não se preocupou o suficiente com o meio ambiente."
Este email fez-me lembrar a minha avó materna, que se chamava Maria da Luz. A minha avó faleceu com 93 anos de idade, em 2007. Ela nasceu num ano histórico pela negativa, ano da morte do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono Austro-Húngaro, e sua esposa Sofia, facto que esteve depois na origem da Primeira Guerra Mundial. Por cá, havia grande instabilidade governativa, com os governos a sucederem-se uns aos outros. A 1ª Guerra Mundial na qual Portugal participou, agravou a vida difícil dos trabalhadores portugueses. As consequências da guerra foram desastrosas - desorganização geral, subida de preços, falta de alimentos, greves, desemprego. Morria-se de tuberculose, ainda não havia sido descoberto qualquer antibiótico para a tratar.
A minha avó foi trabalhadora rural, conviveu de perto com a Natureza e conhecia os ciclos das colheitas e toda a cultura tradicional ligada ao amanho da terra. A transição para a vida na cidade levou-a adoptar novos hábitos mas nunca deixou de ter a companhia de plantas, de que gostava de cuidar. A minha avó viveu o suficiente para conhecer a urgência de cuidar do meio ambiente, algo que para ela surgiu como uma novidade mas que respeitava em absoluto. Ela fazia a completa escolha e selecção de lixos e se eu não os separava convenientemente tinha direito a repreenda. Não precisou de grandes campanhas na TV para se convencer de que essa era a atitude certa. Durante toda a vida ela reparou e reutilizou tudo o que pode.
A vida tem mudado ao longo do tempo e com que rapidez. Eu já vivi metade do tempo que a minha avó viveu e já assistir a modificações enormes. A avó hipotética do email que recebi talvez não fosse tão idosa quanto a minha. A minha avó usou petróleo em candeeiros para ter luz em casa, cozinhou em lume de lenha, ia ao rio lavar a roupa que corava ao sol. Façam comigo este exercício. O texto do email permite reflectir na vida como a conhecemos e a vida de certos outros tempos anteriores aos nossos em que:
- garrafas eram devolvidas à loja onde eram compradas e o seu dinheiro devolvido ao cliente. Voltavam à fábrica, não eram descartadas no lixo. Eu ainda testemunhei isso com garrafas de cerveja e refrigerante. O preço incluía a “tara”. Eu ia ao supermercado entregar as garrafas e recebia-a.
- não havia escadas rolantes nem passadeiras rolantes nem elevadores aos pares em cada prédio. As pessoas subiam as escadas em lojas, escritórios e nos blocos de apartamentos onde viviam. Os prédios cresceram em altura e inquilinos e também o número de elevadores.
- as fraldas dos bebés eram de pano. Tanto eu como a minha irmã usámos fraldas de pano. O meu sobrinho já usou fraldas descartáveis. As fraldas que eu e a minha irmã usámos ainda existem. Eram lavadas passadas a ferro e reutilizadas.
- as máquinas de lavar roupa não secavam a roupa. Durante toda a vida vi a minha mãe tirar a roupa da máquina e secar a roupa ao sol. Hoje muitas dessas máquinas trazem a função de secar e as pessoas usam a função, mesmo se têm onde estender a roupa – poupam tempo, trabalho, mas gastam dinheiro e mais energia.
- as camisolas e casacos de lã das crianças mais novas passavam para as mais velhas. Por vezes eram desmanchadas, alteradas e tricotadas de novo. Isso aconteceu comigo e com a minha irmã, muitas vezes, achávamos giro que a nossa mãe tivesse essa habilidade, e ninguém parecia mal vestido.
- havia somente uma televisão e um rádio por habitação. Isso foi assim durante toda a minha infância e parte da minha adolescência. Quando passou a haver duas televisões? Não me recordo bem mas acho que foi quando chegou a TV a cores. Ficaram duas, uma a cores e outra a preto e branco. Eu passei a ter essa TV no meu quarto e via lá todas as fitas de cinema clássico norte-americano que conseguia! Sem telecomandos, sem complicações. Ligada a uma antena no telhado. Adorava essa TV, usei-a até ao fim! (Verdade, um dia deu um estalo e morreu e eu fiquei triste.)
- havia uma só tomada em cada divisão. Era verdade! As casas onde vivi em criança não tinham muitas tomadas e possivelmente nós também não teríamos electrodomésticos suficientes para esgotar as disponíveis ao mesmo tempo!
- a cozinha não estava enxameada de electrodomésticos. Um espremedor de citrinos eléctrico, um picador de gelo eléctrico, uma varinha mágica, uma centrifugadora, uma máquina de picar, uma batedora eléctrica, um saca-rolhas eléctrico, um abre latas eléctrico - para que não tenhamos de fazer qualquer tipo de esforço manual – e ainda uma máquina de café eléctrica, uma torradeira, um jarro eléctrico, um micro-ondas, uma máquina para fritar batatas fritas, outra para fazer pão, iogurtes!!! Os pequenos electrodomésticos multiplicam-se, são uma praga! Nunca tinha pensado nisso!
- as encomendas seguiam pelo correio em embalagens improvisadas. Não se vendiam embalagens nos CTT nem se usava isoladores plásticos, era cartão, jornal e palha, tudo bem embrulhado em papel acastanhado e forte, próprio para encomendas (kraft).
- ia-se buscar a água à fonte e não às prateleiras do supermercado, onde hoje encontramos imensas marcas de água e embalagens de plástico de formatos e cores diferentes. A minha avó ainda viveu a experiência de ir buscar a água à fonte: não teve água canalizada durante grande parte da sua vida.
- recarregavam-se canetas com tinta e máquinas de barbear com nova lâmina. O meu avô só conheceu as canetas, nada de BIC descartável, de plástico. Deve ter feito a sua barba sempre com navalha. Possivelmente acharia todas essas gilletes descartáveis que hoje existem uma grande mariquice, que me desculpem os homossexuais, não tenho nada contra, mas ele acharia isso, sim! Mas talvez apreciasse as máquinas de barbear com cabeça oscilante pois ele era amante do progresso.
- não havia dois ou três carros por habitação. Era um tempo em que muitas mulheres não trabalhavam fora de casa. Hoje o casal trabalha e por vezes bem longe de casa e sem transporte público eficaz que sirva como alternativa, o que pode bem justificar duas viaturas! A avó do email tinha, todavia, razão numa coisa: os carros são imensamente potentes, desajustados às necessidades mais simples, poluentes, e quem tem desabitua-se de caminhar nem que seja para ir ao quiosque de esquina buscar o jornal! Toda a minha infância eu fui a pé para a escola e regressei a casa da mesma forma. Hoje todas as crianças vão de carro para a escola até terem idade para tirar a carta. A insegurança nas ruas também fomentou esse comportamento por parte dos pais e o facto de as pessoas viverem longe do centro urbano, onde se encontram as infraestruturas educativas.
Tenho a certeza de que se pensar ainda encontro mais pontos para acrescentar à lista. Por exemplo, recordo-me de na mercearia usarem cartuchos de papel crespo para aviarem café moído na altura: não havia sacos de plástico. Lembro-me muito bem disso pois a embalagem era muito engraçada - as cores do cartucho de papel grosso variavam - e o empregado usava um cordão no topo para que ficasse completamente fechado.
Os pontos focados foram os que estavam elencados no texto do email. Lembram-se de mais alguns? Deixem nos comentários.
(Esta postagem faz parte do Desafio 21 Dias, Tarefa #8, Postagens para futuro)
Comentários
Em tempos também escrevi um post sobre o hábitos ecológicos da minha avó, o que me leva a pensar que realmente, temos muito a aprender com as anteriores gerações.
P.S. Também recebi esse e-mail