Figueira em Agosto é capital do espectáculo animal

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No regresso da praia passei por um cartaz de fundo negro onde a letras vermelhas e amarelas se destaca:"Jorge Cardinali,Tubarões vivos, Aquático Show,Top Class dos Espectáculos." Mesmo em frente à minha casa também estão colados cartazes de fundo azul claro anunciando a 4ª Grande Corrida de Toiros RDP/RTP do próximo sábado. Além destas belezas gráficas também circulam pelas ruas carrinhas com autofalantes que anunciam os dois espectáculos. Em conclusão: a Figueira da Foz é,em Agosto, a capital do entretenimento com animais. Acontece ainda outro cenário de entretenimento: à mesa dos restaurantes o pessoal turista afinfa nos crustáceos, peixes e outros animalejos. Estes estão mortos mas nem por isso deixam de fazer a festa gastronómica. Antes mortos que mais mortos que vivos, como dizem estar muitos dos animais que se exibem nos circos e os nossos toiros após a lide. De modo diferente o anúncio do circo faz questão de realçar que os tubarões estão vivos.( Eu pagaria para ver um show aquático com tubarões mortos, isso é que era um top class!) E se o entretenimento gastronómico é mais ou menos pacífico e consensual, vozes críticas apenas de alguns vegetarianos, crudivoristas e afins, e gente menos esquisita de paladar mas mais estreita de orçamento familiar, já os dois primeiros dão a volta ao estômago e consciências de muito boa gente. 

Há umas semanas recebi por email um conjunto de fotografias da largada de toiros em San Fermín, Pamplona, e enquanto as percorria concluía para comigo que há uma grande dose de loucura à solta neste mundo, loucura normal ou normalizada, consentida e bem acarinhada, doirada em conceitos como"tradição" ou "cultura". Em nuestro país também temos o culto dos toiros. A maior loucura que eu fiz até hoje envolvendo toiros foi assistir ao video "Três(ou cinco?!!,já não me lembro bem...) horas de marradas" numa ida ao Porto na Rede Nacional de Expressos. À noite sonhei com pessoas a correrem pelas ruas e a levarem marradas no cu e a serem projectadas pelo ar que nem panquecas!!Foi um sonho divertido!! 

Apesar de viver numa cidade com um Coliseu de toiros e de todos os anos se fazerem aqui toiradas, nunca me apeteceu ir ver, nem por mera curiosidade. Ver animais ensanguentados e a espernear de dor não me entretém nem um pouco. É tão simples como isso. Se me divertisse?!Sim, se me divertisse seria diferente! Muitos defendem a toirada pelo seu valor cultural. Ora, tretas.Valor cultural?! Diversão da básica, puro espectáculo de domínio, força e sangue. Por isso é que ela está para durar. No nosso íntimo somos ainda filhos de bárbaros, ainda estamos no jardim-escola da não-violência.Ninguém se bate por um espectáculo de ópera na sua vila do interior.Onde é que alguma vez houve um levantamento popular a exigir a Tosca na praça municipal?!!(Mau exemplo, a ópera é património dos italianos, ou dos alemães, nós temos o fado...) Mas querem toiros de morte e por eles até fazem greve de fome se for preciso.

Nós somos a raça superior. Podemos fazer dos toiros o que quisermos. Se também nos divertimos a matar o nosso semelhante,porque não havemos nós de matar os toiros?! Pois se podemos! Matar para comer é a ordem natural das coisas. Matar por diversão é uma invenção da nossa raça superior. Pois se podemos!Um dia a nossa noção de cultura poderá evoluir num sentido tal que não mais seja admissível um conceito de diversão que passa por infligir sofrimento aos animais. Até lá, goze-se o espectáculo. Um dia, e algo similarmente, as corridas de fórmula1 ou as corridas aéreas poderão ser consideradas ecológicamente incorrectas e serem banidas de países "verdes".Pois se podemos!

E agora os tubarões. Tenho medo deles e nunca vi nenhum de perto, e de preferência não quero ver, nem sequer gosto de olhar para os cações!Aos 12 anos vi o Tubarão (mecânico) do Spielberg no cinema e cheguei a casa e vomitei o jantar. Foi um evento cinematográfico traumatizante. Por isso também não vou ver os Tubarões Charuto(vivos!!!) dos Cardinali...Além disso ouvi o domador de tubarões (num video) dizer que só vai nadar no tanque com eles e fazer-lhes umas festas pois com tubarões não dá para mais! Ora, senti-me enganada! E eu a pensar que ele lhes ia abrir a boca e meter a cabeça lá dentro como se faz nos circos com os leões! Os cartazes que ele tem no álbum A nossa publicidade, no Hi5, também são um pouco enganadores já que apresentam pinturas de uns grandessíssimos e ferozes tubarões brancos à la Spielberg. Mas no tanque do circo não há tubarões à la Spielberg e apenas Tubarões Charuto entre 1,25 e 2,50 metros. Mesmo assim, um tubarão é um tubarão, impõe respeito quer seja charuto, cigarro ou cigarrilha.

O pessoal do circo não gosta do pessoal das toiradas. Ambos andam às voltas numa arena (redondel) mas parece que os primeiros se queixam de falta de apoios que dizem ter os segundos. Jorge Cardinali afirma que o circo é o parente pobre da cultura! (Mas, Jorge, é claro que o Governo acha que o circo é só diversão e que a toirada é que é pura cultura!Como é que ele ia dar dinheiro para toiradas se tivesse delas a minha visão redutora de pura diversão?!No entender do Governo, uma pessoa vai ao circo para se divertir, ir à toirada é um acto de cultura e tradição!!!) Cardinali diz que o circo sobrevive com muitas dificuldades económicas. O público é cada vez menos e quando chega ao circo encontra "más condições". As receitas da bilheteira têm de chegar para tudo:seguros, inspecções, manutenção dos camiões. Luz, aluguer dos terrenos, água e o salário dos artistas. As suas focas e tubarões, por exemplo, comem uma banca de peixe diariamente! 5kgs de peixe e 3kg de carne por dia para cada tubarão; já os dois leões marinhos não se contentam com menos de 10 a 15 kg de peixe por dia cada um,que grandes glutões!Eu acho que o Cardinali tem em mãos uma boa caldeirada,é o que é. Eu não vou ver os tubarões ao circo, nem os leões marinhos. Não subscrevo espectáculos com animais. 

Em circos a questão é deveras delicada. As companhias têm de se deslocar de umas cidades para as outras, e,sim, Cardinali tem razão, não têm condições para fazer aquilo que deviam fazer. Desde que vi aqui na Figueira um circo -já não sei qual foi- que mantinha um hipopótamo num tanque pouco superior ao seu tamanho - o animal entrava no tanque e saía em marcha atrás- que julgo todos os circos por essa experiência.Se não podem acondicioná-los devidamente então não deveriam poder exibi-los. Por acaso ainda esta semana esteve no Centro de Artes e Espectáculos um circo, o Circo Acrobático de Pequim. Esta companhia de circo tem mais de 100 números diferentes entre representações aéreas, equilibrismo, farsa, imitações, magia. Baseiam-se na acrobacia tradicional mas recolhem ideias da dança, ópera e teatro chinês. Fazem espectáculos em tenda ou em teatro convencional. Não têm números com animais!!!Logo,é possível haver circo sem bichinhos aos saltinhos e a fazerem graças,ou feras drogadas a fazer de conta que amam os domadores e a sua existência de superestrelas. 

As artes circences podem ter sido inventadas pelos chineses de acordo com a história do circo. No Egipto a figura do "domador" era corrente pois eles apreciavam exibições com animais selvagens. Na Grécia havia circo e em Roma,o circo era sinónimo de corridas de bigas,lutas de gladiadores e exibições com animais.Mas o formato de circo que hoje ainda prevalece, espectáculo montado numa arena, teve origem somente no séc.XVII, em Londres. O circo foi aglutinando números com animais,variedades,trapézio,números de comédia, números musicais, números de acrobacia, malabarismo, equilíbrio, etc. Era um espectáculo diversificado e apelativo até à primeira metade do séc.XX.As guerras tiveram impacto negativo numa actividade que dependia da circulação pelos territórios. A televisão e o cinema foram também seus ferozes concorrentes. 

Actualmente o chamado Novo circo trouxe fôlego criativo ao circo clássico. O espectáculo é aqui pensado como um todo.Desaparece a noção de números separados. A música é omnipresente. A cenografia, figurinos,a luminotecnia,o som,são elementos repensados e proeminentes no Novo circo.Se eu fosse ministra da cultura eu apoiaria o circo. Porque independentemente de ser diversão,tradição ou cultura, todas as actividades que as pessoas desenvolvem com paixão- e que nos apaixonam -para nos entreter devem ser acarinhadas.O espaço de lazer é onde fica a nossa única liberdade depois de termos cumprido com a família e o emprego e todas as nossas obrigações.É o que nos resta da infância quando os nossos dias eram apenas brincadeira.Aí é-nos permitido tudo... porque podemos.E então que sejam apoiadas para nos proporcionarem os melhores momentos possíveis. Eu apoiaria o circo. Mas exigiria evolução. E evolução não pode ser um número de natação com festinhas a um tubarão mesmo que ele seja danado de mau. Os mergulhadores do National Geographic já fazem isso e às vezes até ficam sem um dedo ou outro, há sangue, até aposto que os aficionados dos toiros também gostam!


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