Praia de Buarcos cavada por ondas gigantes


(O típico,tranquilo, mar de Agosto,esta fotografia é do ano passado)


Lindo momento para descobrir que a minha máquina digital de brincar tinha dado o peido mestre-não se choquem com a expressão; eu, desde que a ouvi ao meu professor de electrotecnia, no Liceu, a propósito de um amperímetro, uso-a sempre que uma maquineta se fina.

Uma enorme onda varria a enseada de Buarcos, parecia um cavalo empinado, e eu achei que era aquela mesmo que merecia o meu click. Qual click! A máquina está morta. Não, não é a bateria, é mesmo a máquina que há uns dias caiu ao chão e de tão boa, morreu da fraca queda.Ontem por volta das cinco, estava eu repimpada a curtir o sol, qual não é o meu espanto vejo o meu vizinho de praia do lado esquerdo, um senhor tisnado e já de certa idade, muito concentrado na leitura, ser engolido pela espuma de uma ondinha rasteira quase até às axilas!Ele levantou-se e puxou toalha e pertences bem mais para trás. Ele e toda a gente que se encontrava na praia da Figueira, junto à orla do mar. As pessoas, já de pé, deixaram então ver os chapéus de praia e os pára-vento espetados na areia molhada ao longo do vasto areal.

Eu tinha visto o mar agitar-se.Em apenas meia hora ficou completamente caldeirado.As ondas com a sua crista nervosa e branca começaram a ser cada vez maiores. Começaram a espraiar-se cada vez mais, rápidas, pela areia, mas aquela caçou os banhistas desprevenidos.A bandeira tem estado quase sempre vermelha o que nem é muito vulgar em Agosto. Mas mais invulgar é esta situação de ondulação tão forte.

Hoje fui até Buarcos apreciar o espectáculo de outro ângulo. Quando lá cheguei os banhistas agrupavam-se às centenas em frente ao mar, em linha, emoldurando a baía. Atrás de si o espaço era exíguo para tanta toalha. À sua frente a praia tinha sido escavada pela força da maré mas mesmo assim as ondas embaladas subiam encosta acima e molhavam ainda quem atrás deles tentava aproveitar espreguiçadamente o sol, algo indiferente ao mar revolto.Contei três nadadores salvadores à frente da muralha humana. Destacavam-se pela camisola amarela. Na água havia a habitual dezena de intrépidos ou talvez estúpidos ou talvez apenas desrespeitosos jovens a exibir os seus dotes de pega. Desculpem-me mas este tipo de situação lembra-se sempre as largadas de toiros.Um vez vi um video num Expresso Coimbra-Porto que se chamava, salvo erro, Cinco anos de marradas. Era uma sequência interminável de largadas de toiros e de gente a fazer-se aos toiros. Daqui ao Porto,acreditem, foi só gente a levar marrada, gente a ser atirada ao ar pelos negros bichos, gente a ser remexida no chão pelos mesmos enquanto se agarravam à sua própria cabeça, gente a fugir à frente deles, gente a correr atrás deles,e,claro,muita gente a ver os afoitos. Nem é preciso um grande esforço imaginativo para perceber que o que acabo de descrever não é muito diferente daquilo que se estava a passar na enseada de Buarcos: as ondas eram mesmo quinadas, pontiagudas, mas o pessoal eufórico não parava de se atirar para os cornos do mar. No meu acagaçado modo de ser eu não hesito em afirmar que o mar estava impróprio para criaturas sem barbatanas. Mas não para criaturas com pouco juízo, todas obviamente daltónicas já que a bandeira estava bem hasteada e bem vermelha.

Lembrei-me vagamente de umas coimas que se passam nesta circunstância e que tanta tinta fizeram gastar,o ano passado.Fiquei à espera de ver a polícia marítima desembarcar- não sei como- ou nadar até aos infractores. Nada. Ou,em suores de farda, furar a muralha humana de gente bronzeada, descalçar os sapatos e arregaçar as calças e começar a ir buscar os meninos um por um, por uma orelha.(Por uma orelha não, cuidado, ainda arriscavam um processo por ofensas físicas.) Os nadadores salvadores também não faziam nada perante a irreverência da juventude. Juraria que nem um assobiozinho sequer mas estava um pouco distante e o mar ruidoso podia abafar o som de aviso que se impunha. Estavam atentos não fosse alguém ser arrastado ou partir o pescoço.

Estive lá um bom bocado a ver a rebentação e a prova olímpica-isto fica aqui bem já que estamos em maré de jogos- de desrespeito pela vida. Não falo do desrespeito pela própria - os meninos que façam o que quiserem, atirem-se ao mar, atirem-se aos toiros. Mas agora imaginem a brincadeira a dar para o torto. Alguém teria de meter o pé naquela bagunça e sacar o artista do embaraço, normalmente é sempre o nadador salvador mais um popular ou dois que assim se colocam eles mesmos em perigo. Não apetece mesmo dar um par de sopapos aos cachopos?!!Não se aprende nada nas aulas de educação cívica pois não?!

O ano passado vi um quase-afogamento e não foi bonito.Também era Agosto e o mar estava mau, mas apenas razoavelmente mau. A bandeira vermelha também estava hasteada.A rapariga foi apanhada e andou aos rebolões nas ondas até que alguém que acorreu em socorro lhe deitou a mão só para a largar e desistir.Felizmente o mar condoeu-se da imprudente e atirou-a para fora onde um grupo de pessoas logo a agarraram a tempo. A Cruz Vermelha foi buscá-la e ela saiu da praia cambaleante. É impossível assistir a isto sem ficar com o dia de praia estragado por mais que brilhe o sol.Eu respeito o mar tanto quanto o adoro. Mas eu pertenço ao grupo das acagaçadas marinhas, respeito as regras mais por temor do que por educação. Quando me vim embora o mar continuava incansável, a investir.E os meninos à pega.Cinco horas de marradas.

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