Sobre livros: se a Carolina Salgado é escritora o que terá sido Camões?
Ontem foi Dia Internacional do Livro. Não foi para celebrar o facto que entrei num livraria em Coimbra. Queria comprar um livro sobre a cidade de Coimbra e coincidiu. Fiquei desapontada com a oferta que encontrei, mas ao chegar à caixa para pagar esperavam por mim duas surpresas quase à moda da Catalunha, um livro e uma rosa, bem, não exactamente um livro mas antes uma boa revista, forma encontrada para assinalar o dia.
Como ia continuar a cirandar pela cidade até à noite ofereci a rosa à menina da caixa, muito simpática, e trouxe a nova revista LER, que surge rejuvenescida e, devo dizer, muito agradável à vista e ao toque. No editorial lê-se que a LER acredita na valorização do livro e da leitura como elementos fundadores da nossa civilização. É bonito e toca fundo qualquer pessoa que tenha um mínimo de amor pelos livros. Francisco José Viegas é o filho pródigo regressado, ele que já tinha estado na linha da frente da publicação, parece que foi até ao Brasil passear e agora voltou, que sorte- eu também gostava de poder ir até lá!! Apesar de ser uma publicação com história eu poucas vezes a comprei, apenas o fiz convencida pelos fortes argumentos de capa, por exemplo, porque trazia a foto de um não escritor, lembro-me da edição com Fernando Lopes, um cineasta preferido. Não porque não a achasse competente mas porque, actualmente, eu sou uma fraca leitora, sempre me pareceu absurdo ler uma revista sobre livros sem ler os livros!Este número da revista LER até me demonstrou que talvez possa estar errada.
Verdade, eu não leio muito actualmente...mas já li bastante. Em artigo onde enumera 50 autores mais influentes do século XX pude constatar que li pelo menos um livro de cada um deles, bons tempos, bons tempos!Excepção para Gilles Deleuze, Tolkien, Rowling...e mais um ou outro. Gostei também da longa entrevista com um dos nossos mais importantes escritores vivos, goste-se ou deteste-se: Lobo Antunes. E,entre outras coisas que li na LER, fiquei surpreendida ao saber do gordo número de publicações mensais em Portugal: chegam às 1500 por mês. Mas dessas apenas 30% são vendas em livraria, ora aí está, hoje compra-se tudo em toda a parte- leia-se grandes superfícies- e os livros não escapam: livros nas estações de correio, nos supermercados, nos quiosques. Mas não há nada como uma livraria.
Uma senhora livreira da Figueira da Foz queixava-se a semana passada da diminuição de afluência de clientes repicando no papel destruidor das grandes superfícies e dizendo que até já faz vendas online para o estrangeiro como forma de dar a volta à quebra. Mas a verdade é que há livros e livros, e há livros que só estão nas livrarias e em certas livrarias. Contaram-me que a actriz Simone de Oliveira terá ficado escandalizada ao ler num jornal chamarem "escritora" à Carolina Salgado o que a terá levado a dizer que se Carolina era escritora o que teria sido Camões, um homem com uma pala no olho. Hoje toda a gente escreve,verdade, toda a gente pode escrever, ser autor, e em especial se andar na bocas do mundo mesmo que da sua boca não saia nada de literato, e muito menos do seu punho, contratando ghost writers.
Plantar uma árvore, fazer um filho, escrever um livro. Escrevam, escrevam.O que era preciso a par dessa borbulhante epidemia escrevedeira, e cada vez mais numa época em que quer a formação e as aprendizagens quer os passa-tempos se digitalizaram, era estimular e educar o gosto do futuro leitor pois um leitor que conheça e ame a literatura saberá sempre distinguir vários produtos na literatura, saberá que ela não tem de ser sempre de génio para ser genial.Ela pode ser uma nossa amiga constante e companheira ao final do dia, quando queremos colocar de parte a rotina estéril e nutrir a nossa alma com histórias de vidas mais felizes que as nossas, ou mais promissoras,ou mais justas,...ou tempos mais gloriosos,...ou espaços mágicos,...ou então uma amiga mais brejeira, porque não, que vai connosco de viagem nas férias de Verão, porque não? Não temos, não devemos intelectualizar o livro ou reduzi-lo a um objecto de culto só para iluminados capazes de lhe destrinçar os códigos, as citações imanentes, o formato inovador, o seu lugar na história da literatura. Livro até poderá então ser um objecto leve e fútil porque a vida não se faz somente com objectos perfeitamente racionalizados, necessários e geniais e no entanto, se satisfizer uma necessidade do leitor, se cumprir o seu desígnio de ainda assim ser lido, óptimo!E ler é o que é preciso...mas ler com consciência crítica!E é preciso não esquecer também que entre o escritor e o potencial comprador-leitor existem forças de interesses diversos, comerciais, que manipulam o seu juízo sobre a aquisição deste ou daquele livro. Mais uma vez ser detentor de um bom juízo crítico é a única saída face ao marketing feroz e isso só se adquire se for cultivado precocemente. Porque, em rigor, "o grande juiz (sobre o que é bom ou mau, nota minha) acaba sempre por ser o tempo, Lobo Antunes.",in LER (O cartoon sobre a guerra dos livros é meu, tinta da china sobre papel, muito antes do digital ter chegado à minha secretária, tem mais de dez anos...)
Comentários
Bom fim de semana!