Cinema: História de uma abelha


Já agora imaginem o barulho das asas de uma abelha e multipliquem por 40.000 pois é esse o número de insectos do enxame avançado pelo jornalista.

Na última página do jornal leio a notícia de duas mulheres que ficaram reféns de um enxame de abelhas num apartamento na Praia da Luz, no Algarve. A expressão “ficaram reféns” não é minha, é mesmo do jornalista Paulo Marcelino. Curiosa coincidência pois ontem mesmo vi, finalmente, A história de uma abelha, gentilmente emprestada pelo meu sobrinho. Sempre que tem um novo título ele empresta à tia,é um amor. Tudo começou com o DVD das tartarugas Ninja entregue acompanhado da preocupada observação de não saber se aquele filme não seria demasiado violento para mim... Eu não fiquei refém do Barry, a abelha do filme.

Não vou estar aqui armada em crítica cinematográfica mas achei a História de uma abelha excessiva tanta citação à cultura popular norte-americana. O que é nacional é bom mas um certo sentido universal fica mais bonito nestes filmes sobretudo quando essa cultura icónica não traz, nem mesmo para as crianças norte-americanas, acho eu, nenhum brilho extra. Além disso, um processo judicial estranhamente faça-você-mesmo no meio do argumento, caricaturas e piadas a advogados?!!!Que coisa tão mais batida...e própria de adultos. Muito pouca frescura no todo visual, muita colagem, muita sensação de “já-vi-isto-em-qualquer-parte”, animação mediana que não seria problema se as personagens fossem mais ricas e o argumento mais inspirado. E mais uma vez a sensação de que esta gente pensa em tudo menos nos putos quando faz os filmes. Mas eu ainda me ri com algumas abelhices, não foi tudo mau, mau ,mau de todo.

Então e hoje, ainda sob o efeito hipnótico das riscas amarelas e pretas, a cena do susto das abelhas no Algarve animou-se delirantemente na minha cabeça, e, verdade, a descrição do jornal é mais adequada para animar crianças do que o argumento de Bee Movie. Eu até já via o Marcelino transformado em boneco, uma espécie de jornalista abelhudo, de micro em punho, a esvoaçar pela cena. E guardas nacionais republicanos e bombeiros equipados a rigor, de máscaras e tudo, não fosse alguma abelhuda ferrar-lhes a ponta do nariz...muito aparato, muito tinonim,tinonim, rua fechada ao trânsito, mirones, ambulância a postos, mas, e ainda antes disso, as duas mulheres, Jenny e Fátima, a tentar afastar as abelhas ziguezagueantes à mangueirada, e estas, a zunir, a zunir, a avançar, imunes aos gritinhos histéricos, cena esta agora mais digna de filme de horror, ao jeito de uma Aracnofobia ou outros onde a bicharada miúdinha se une em força para fazer a vida negra aos humanos.

Já agora que mencionei união imaginem o barulho das asas de uma abelha e multipliquem por 40.000 pois é esse o número de insectos do enxame avançado pelo jornalista. E as duas humanas indefesas, olhos arregalados e faces ruborizadas- é Algarve, está calor- ou talvez pálidas, - quem tem cu tem medo - a recuarem até à varanda da casa e a suplicarem auxílio, mais provavelmente a usarem os telemóveis- quais donzelas em apuros verdadeiramente encurraladas ali, naquele exíguo espaço, enquanto o enxame crescia a bom crescer no beiral da porta da entrada! E daí, até serem reféns das abelhas vai apenas um título de notícia num jornal de grande tiragem.Resta saber se estas também iriam pedir um resgate em mel à maneira da estratégia em Bee Movie. Ainda pensei que fosse ler isso umas linhas abaixo, mas não. Não admira que Jenny e Fátima se confessassem com medo à equipa da SIC, três horas na varanda a ouvir a sinfonia das abelhas em crescendo lá em baixo, no beiral, enquanto os agentes da autoridade localizavam e traziam até si um apicultor da zona de nome José Júlio. E o homem,que deve ter chegado sem tinonitinoni mas munido de coisas básicas e necessárias e eficazes como duas mantas para embrulhar as senhoras em pânico e assim fazê-las sair,protegidas, para a rua, lá reconduziu as abelhas transviadas para dentro de uma colmeia: atraídas por um guloso favo de mel e pólen levaram cinco horas para se acomodar na nova casa. O nosso herói, qual cowboy solitário, deixou o local do incidente ao som do aplauso dos mirones anónimos, sob objectivas de câmeras e olhares invejosos das impotentes forças policiais. Consigo levou uma colmeia debaixo do braço e 40.000 abelhas. Havia confetti e serpentinas no ar e até já se fala em adaptar esta história ao moderno cinema português. Bzzzzzzzzzzzzz. Bzzzzzzzzz.

Comentários