Livro para quem gosta de cães: A paixão de César
Cesar Millan vive em Los Angeles e é uma estrela televisiva incontestada nos Estados Unidos. Apresenta um programa no National Geographic Channel, Dog Whisperer, programa que recebeu uma nomeação para um Emmy em 2006 como Outstanding Reality Programme. O seu sucesso deve-se ao facto de ser um treinador canino de cães-problema, cães de raças consideradas problemáticas, Rottweilers, Pit bulls, e Pastores-alemães, muitos cães de estrelas de Hollywood são seus “clientes”, aliás ele foi apadrinhado pelo casal Will/Jada Smith.
Cesar surge como o último recurso para donos desesperados que já não sabem o que fazer aos seus bichinhos de 80 ou de 5 kg para conseguirem deles o desejado bom e social comportamento. Ele afirma que reabilita cães e treina pessoas. Longe de ter a unanimidade de opinião entre os especialistas, o seu método, que muitos deles consideram cruel, antiquado e ignorante, baseia-se no conhecimento daquilo que ele chama a psicologia canina. O cão deve o seu entendimento do mundo ao seu comportamento ancestral no seio da matilha e à relação primordial que aí se estabeleceu entre líder e seguidor. Para manter o equilíbrio do cão o dono nunca deve perder o domínio sobre ele e para isso deve compreender que os canídeos precisam de exercício, disciplina e afecto…e por esta ordem. Deve também manter a todo o tempo uma atitude assertiva que promova no cão uma postura receptiva e calma. A comunicação com o seu cão assenta na energia que mutuamente libertam e captam e que é a chave para o entendimento de todos os seres vivos na natureza. Tudo parece muito básico, o ovo de Colombo.
Até à semana passada eu nunca tinha ouvido falar do mexicano que atravessou ilegalmente a fronteira do México com a América com 100 dólares no bolso e o sonho de se tornar o maior treinador de cães que a América jamais vira. À semelhança de Oprah, de quem ele se confessa grande admirador, também César se tornou num caso de sucesso no país de todas as oportunidades. Explorando a sua paixão soube transformar o seu dom num belo negócio, basta ver o seu apelativo site. Comprei o livro que ele escreveu para oferecer à minha irmã, consequência do meu convívio com o Davis, o shar pei do meu sobrinho. Sempre gostei de cães, aliás, de animais em geral, ao contrário da minha irmã que não só não gostava como tinha pavor deles, leia-se pavor com todas as letras em maiúsculas, pavor de gritar e fugir a sete pés. Talvez por isso não gostava deles, mantinha-se à distância e eles também não se aproximavam muito. A não ser se ela fugisse. Aí eles corriam atrás dela e chegavam a apanhá-la no meio do mais completo pânico. Nós gritávamos.”Pára, pára, ele não te quer morder!” Mas instintivamente a reacção ao medo era fugir e não parar. Então ela corria mais ainda, o cão corria atrás dela e nós corríamos atrás de ambos. Quem a vê hoje com o seu Davis não imagina a criança que o passado deixou longe. Contrariamente os cães e gatos sempre vieram ter comigo e eu deliciava-me a fazer-lhes festas ou pura e simplesmente a observá-los.
Quando era pequena supliquei anos a fio aos meus pais por um cão. Um dia apareci em casa com um cachorro de olhos azulados, tipo Husky, que me seguira desde o pátio da escola. É claro que o cão não ficou comigo. Não voltou para a rua, mas também não ficou comigo. Hoje, actualmente, no momento presente, não me vejo a ter um cão. Não há lugar para ele na minha rotina, mas sobretudo não há disponibilidade mental para ele na minha cabeça mal arrumada e saltimbanca. Adoro o Davis, mas adoro moderadamente, não doentiamente, e tenho tentado documentar-me para o perceber melhor e tirar mais partido da minha convivência com o bicho. Daí então ter comprado o livro A paixão de César, dois coelhos de uma só cajadada- li-o e depois ofereci-o à minha irmã!
A capa de A paixão de César é muito apelativa, com dois lindos animais, muito relaxados, ladeando o sorridente mexicano. Metade, cerca de 150 páginas, são ocupadas com o relato do percurso do treinador desde a infância em Culiacan, no rancho do avô, a observação que ali fazia dos cães de trabalho, o choque da sua ida para a cidade e a descoberta dos cães de raça de pelo sedoso e colorido, e também daquilo que queria fazer da sua vida; e depois para os Estados Unidos, San Diego, onde encontrou duas senhoras “anjos da guarda” que lhe deram trabalho no seu salão canino e onde conheceu os cães estragados com mimos e “humanizados” das estrelas. Nas restantes páginas encontramos mais ou menos explicitada a sua maneira intuitiva de lidar com os animais ilustrada com alguns exemplos de cães de figuras públicas do entertainment americano.
O livro interrompe-se algo abruptamente depois de abordar alguns dos temas prometidos em duas penadas e de fornecer algumas dicas. Como bom profissional ele levanta a ponta do véu, mas não se desnuda completamente. O segredo é a alma do negócio, especialmente caso seja controverso. Estou convencida de que este homem, possui, de facto, uma qualquer capacidade especial para comunicar com os cães e perceber de que forma vêem o Mundo. Não nego que ele obtenha resultados, todavia ponho em dúvida se uma pessoa comum poderá aprender o método que ele proclama ser de sucesso. Trata-se de um livro simpático que apresenta algumas ideias interessantes para quem nada souber sobre comportamento canino e outras desafiantes para quem tiver ideias feitas. Mas se o comprarmos para resolver problemas num cão, vícios ou maus hábitos, duvido que sirva para alguma coisa. Uma das ideias que me parece mais controversa é a de que não há raças-problema, apenas donos-problema. Tudo quanto tenho lido aponta para a tese de que existem raças mais predispostas para isto ou para aquilo, umas mais meigas outras mais agressivas.
A leitura do livro coincidiu com o ataque mortal dos Rotweiller a uma mulher que em Sintra se dirigia para o trabalho numa zona de quintas. Ora César colecciona na sua clínica justamente cães de raças poderosas que foram banidos pelos seus donos em virtude dos seus problemas ou por não mais servirem capazmente os fins para que foram escolhidos (lutas ilegais, por exemplo). Vive rodeado de Pit bulls e Rottweillers que reabilitou, às dezenas! Quase preciso de ver para crer! Lia incredulamente o que escreveu ao mesmo tempo que as notícias sobre o ataque. No seu livro ele cita, descreve e explica um ataque semelhante (mas com cães de outra raça) em que apenas as palmas dos pés e o topo do crâneo da vítima ficaram intactos. Uma morte deste género é chocante por muito que gostemos de animais. É violentíssima porque é primitiva. Remete para um medo por nós esquecido:a transformação da raça humana em presa (fácil). A morte à boca de um animal (selvagem ou treinado para isso) é das mais horríveis que posso imaginar. Expõe a nossa fragilidade. Despojados dos artefactos defensivos que nos deram a superioridade na cadeia alimentar ficamos à mercê da força bruta e instintiva que governa a sobrevivência na Natureza. A morte na Natureza tem sempre uma razão muito válida. É objectiva, cruel, fria, mas objectiva e isenta de juízos morais. Por regra os animais matam para comer e para defender a espécie. Já o Homem inventou mortes de todos os géneros, inclusivamente para divertimento. Lembremo-nos de que ataques como o que vitimou a senhora da Ucrânia eram usados no grande circo romano para divertir e deleitar os espectadores! E usando a par de tigres e leões, cães! Naturalmente não apetrechado contra animais naturalmente e aperfeiçoadamente apetrechados para caçar, o homem nada pode. Lamento a morte da sexagenária mas também lamento a morte dos 4 cães. Ambas podiam ter sido evitadas, isso ocorre a todos. Entendo que o seu abate se imponha como medida de segurança pública. Já não compreendo que sirva como sanção (entre outras) sobre o seu dono. Mas estaríamos prontos a aceitar (sequer pensar) a via da reabilitação destes animais perdidos? Antes da leitura deste livro eu nunca colocaria esta hipótese. Mas penso que a ser possível o que César afirma deveria poder ser essa, sim, a sanção a impor ao dono do cão que feriu, mutilou ou matou alguém. Isso antes do recurso final do abate. Seria interessante pensar que estes cães pudessem ser reabilitados para salvar vidas de soterrados ou trabalhar nas forças policiais. Seria apenas justo que lhes fosse devolvida a sanidade e o equilíbrio interrompidos. Seria ainda mais interessante pensar que as pessoas não mais treinariam cães para a violência em forma de espectáculo, ostentação pessoal ou arma contra inocentes.Por respeito ao seu semelhante e aos próprios animais.
Videos para ver:
http://news.nationalgeographic.com/news/2006/07/060731-dog-whisperer-video.html
http://www.cesarmillaninc.com/dogwhisperer/showclips.php
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Um abraço.