Cargaleiro e A Bela (ignorância) e o Mestre
É amanhã inaugurada no Museu Nacional do Azulejo uma exposição temporária do ceramista português Manuel Cargaleiro, um activo artista de 80 anos que afirma não passar um dia sem pintar, única maneira de ser feliz. A cerâmica e a pintura de Cargaleiro têm projecção internacional – ele vive no estrangeiro, repartindo-se, entre Paris e Salerno. Tem um museu aqui em Portugal, em Castelo Branco, tem outro em Itália, o Museu Artístico Industrial Manuel Cargaleiro. Existem obras dele no espaço público e muitos portugueses cruzam-se com elas diariamente: uma escola secundária tem o seu nome, uma estação de metro tem os seus azulejos a decorá-la, assim como alguns edifícios. Perante esta meia dúzia de factos não seria de esperar que a mini-sondagam da página Sapo apresentasse hoje os resultados que adianto para a questão se gosta dos trabalhos de Manuel Cargaleiro. 27,45% afirmam gostar,7,97% não gostam, mas o que é extraordinário, ou talvez não, é que 64,68% não conhecem a obra, num universo de 5500 pessoas metade não sabe o que faz ou quem é o artista, e a votação ainda não terminou, mas talvez a tendência não se inverta até ao fim do dia.
Ontem enquanto esperava pelo House MD perdi alguns minutos a tentar entreter-me com uma pastilha televisiva de nome A Bela e o Mestre cujo modelo foi importado do Beauty and the geek americano. Felizmente esta Bela foi salva pelo Mestre Horatio do CSI- que também não me enche as medidas, e não me digam que sou exigente, este Horatio cabeça-de-cenoura deixa bastante a desejar enquanto actor, penso mesmo que algum foragido lhe apertou o pescoço na vida real e desde então não consegue ter a cabeça direita por muito tempo - e eu fugi da TVI e dos seus programas sem classificação. Todavia quando hoje vi a sondagem do Sapo lembrei-me das pessoas entrevistadas na rua que não sabiam sequer dizer quando se comemorava o Dia de Portugal, diziam que se comemorava no 25 de Abril, em cima da ignorância, erro crasso, antes ficassem caladas. É claro que memorizar datas históricas não paga contas a ninguém, a não ser que se seja professor de história (empregado) ou se queira ir ao Um contra todos. Mas é um sintoma do desinteresse cultural graúdo que actualmente tomou conta dos indivíduos. Eu própria nunca gostei de História mas sei alguma coisinha sobre o nosso passado, e pasme-se, comparativamente até sei bastante sobre História de Inglaterra, graças ao programa de língua inglesa do meu longínquo 12º ano, e nem costela britânica possuo. Mas imagino que se o entrevistador tivesse ido para a rua perguntar nomes, idades, cor de cabelos e olhos das meninas concorrentes do Bela e o Mestre, e quantas delas usam fio dental, estou certa que muita gente teria a resposta na ponta da língua.
É isto que agora entretém as pessoas, esta jardineira colorida e de fácil digestão, porque é isto que lhes é servido. A cultura continua a ser um objecto voador mal identificado com muita dificuldade em se manter no ar do espaço televisivo. A TVI parece considerar, estreia após estreia, que um programa que faça brilhar a inteligência e a criatividade das pessoas, não a sua ignorância, é uma aposta de risco. Acredito que um programa que seja capaz instruir e divertir em doses iguais é possível mas poderia criar hábitos e desejos inexplicáveis nos espectadores, devolver-lhes o sentido crítico, a exigência de cultura, e depois isso sairia caro aos produtores. Dá trabalho inventar um novo formato, pesquisar, é mais fácil comprar e imitar um que esteja feito e também mais barato, logo muito mais lucrativo. É, pois, conveniente, seguir esta linha estupidificante. Mas ver A Bela e o Mestre é legitimar que a ignorância nos diverte e isso é bem medíocre. E depois ainda me espanto com os 64,68% da sondagem do Sapo.
Sobre Cargaleiro, deixo aqui um link para um artigo interessante e acessível da Revista Visão Online. Se não conhecem, aproveitem para descobrir um pouco sobre o homem, o artista e o seu trabalho.
Comentários
Bom trabalho, Belinha, parabéns.
Bom fim-de-semana
Quanto ao uso das imagens elas ficam livres depois de publicadas pelo que podes fazer com elas o que desejares.
Mais uma vez obrigado.
bjs
Pior do que não se saber, é depois de descobrir que não se sabe, não se fazer nada por aprender.
Beijos e parabéns pelo trabalho.
Bom fim-de-semana!