António Salazar: o maior português de todos os tempos
António de Oliveira Salazar, votado por mais ou menos 62.000 telespectadores como o maior português de todos os tempos. Certo, é apenas uma mão cheia de gente. Mas o criador dum regime ditatorial que durou quase meio século venceu um concurso onde até havia mais figuras, algumas perfeitamente consensuais e unívocas, a disputar o lugar. Expliquem-me la isso como se eu fosse mesmo muito burra. Não faltam por aí interpretações do insólito facto mas eu também as não compreendo. Uma das que mais se lê por aí decifra no resultado a ideia de que é o povo que assim expressa a sua ansiedade por “líderes fortes que ponham termo a erros e desvios” e que ponham termo à “falência do presente”.(José Pinheiro, jornalista, CM) A nova classe política que o 25 de Abril gerou desiludiu as aspirações forjadas com a nova Constituição e este resultado televotado seria uma espécie de chicotada nos corruptos e incompetentes. Ora, eu vejo pouca TV, pouco mais do que duas-três horas por semana. E deste programa nem cinco minutos vi. Então eis-me confrontada com o cabeçalho do resultado num qualquer jornal. Não é mais do que um programa de TV, mas um programa com este resultado só pode ser um mau programa. E logo na tal TV pública! Mas que público serviço! Desde logo um tal resultado devia ter sido previsto e evitado. Para todos os efeitos 62.000 pessoas, perdão, telespectadores, elegeram Salazar o maior português de todos os tempos, era isso que era pedido. Salazar é o maior, gritarão agora os que ainda estão saudosos do regime, sejam lá eles quem forem, os ignorantes, os incultos, a geração TV que acredita no que vê nos quatro cantos da caixinha mágica. Até ganhou o programa, grande homem! Quando além fronteiras se citarem os nomes dos finalistas deste TV show, De Gaulle, Churchill e Reagan, Mandela, lá estará o finalista de Portugal: António Salazar, internacionalmente conhecido como tirano ditador. Lindo.
Salazar deu aulas na Faculdade onde me formei e foi ali, de acordo com a história, um bom profissional. Acabaria por dar o salto para Lisboa onde tomou conta da pasta das Finanças, sua especialidade, e trabalhou justamente a fazer aquilo por que hoje se batem, sem muito sucesso, e à custa de sacrifícios impostos às classes menos favorecidas, os nossos ministros da Economia e das Finanças: eliminar o défice. E conseguiu ter êxito. Em 1932, meia dúzia de anos após, ele chega ao Conselho impondo um partido único e um regime totalitário. E aí fica até uns anos depois de eu ter nascido: quarenta anos de domínio político obtido à custa da violação dos direitos humanos e a prova está em que a entrada na ONU foi negada a Portugal durante a sua permanência no poder. Se eu vivo no presente, inconformada e prejudicada pelas escolhas da nossa classe política, nem por isso me lembraria de votar Salazar para enviar qualquer tipo de mensagem à nossa falida classe governante. Acho isso de retorcido mau gosto. A classe governante incompetente e corrupta deve apenas estar a bocejar sobre esses cabeçalhos dos jornais que lê ao pequeno-almoço e de forma alguma a fazer uma interpretação lenitiva como esta cujo objectivo me parece apenas o de encontrar uma desculpa para uma acção equivocada. E se queriam enviar chicotadas então porque não votaram em Afonso Henriques? Se fosse vivo e pudesse ver do alto do seu cavalo o estado em que a dita classe deixou este condado pelo qual ele tanto sonhou e batalhou cortava-lhes as entranhas à espada! Parece-me que dizer a um político corrupto ou ineficaz que se deseja um (método) à Salazar é aceitar que os erros e os desvios se possam resolver (a renovação da autoridade) através do obscurantismo, do medo, da prisão, da tortura e da morte.
À semelhança de muitas das outras figuras votadas, Salazar reuniu mérito e demérito ao longo da sua vida, mas eu não posso cortar o homem ao meio, dizer que ele é um grande homem porque foi um grande financeiro que deu estabilidade económica ao país (embora a população vivesse mal, certo?) e esquecer a outra metade criminosa. Até porque essa engole a outra, é a parte de monstro que engoliu o homem, o professor catedrático, o técnico financeiro, se calhar a prova mais evidente de que ontem, como hoje, o poder corrompe.
Comentários
Eu não vi o programa.
Penso porém que o voto é um voto de protesto em relação a um sistma político que não trouxe a prosperidade que muitos desejavam.
Quantos dos que votaram viveram no regime de salazar?
Em 1968 Salazar foi substituido por marcelo Caetano.
Assim sendo só viveu no regime de salazar gente com mais de 40 anos.
As memórias desses tempos são memórias subjectivas.
Os espectadores não escolheram Salazar já que poucos se recordam do que eram esses tempos.
Os espectadores fizeram um voto de protesto , um voto de protesto contra uma democracia que não trouxe prometido bem estar.
Muito bom texto.
paula e rui lima
ontem estivemos a ver um filme que possivelmente conheces, "o homem das lentes mortais" / "wrong is right" com o Sean Connery, sobre o poder da televisão, através da manipulação das pessoas e do seu uso na política, realizado pelo Richard Brooks já lá vão 25 anos, se o vires irás descobrir como ele antecipou em 25 anos os dias de hoje, tanto a nível do aqui do burgo, como nos acontecimentos mundiais.
beijinhos e as melhoras, bom fim-de-semana
paula e rui lima