Antigamente, e outros poemas de Luisa Ducla Soares



Antigamente

A nossa Mãe Eva
mais o Pai Adão
nunca se vestiam,
nem com um calção.

Jesus não provou
jamais coca-cola
nem jogou futebol
no pátio da escola.

Não tendo fogão,
a Virgem Maria
comeu muitas vezes
a sopinha fria.

Dom Afonso Henriques
vestia armadura
e não se queixava
de a roupa ser dura.

A Rainha Santa
não tinha sanita.
Onde iria ela
se estava aflita?

O Vasco da Gama
fazia viagens
sem um telemóvel
para mandar mensagens.

Luís de Camões,
repara, que horror,
não escreveu os livros
num computador.

O Marquês de Pombal,
com tanto salão,
não pôde comprar
uma televisão.

Ó jovem que estás
sempre descontente,
não querias viver
como antigamente?

Diz o avô

Tens cabelos brancos.
Mas porquê, avô?
Caiu muita neve
na estrada onde vou.

Tens rugas na face.
Mas porquê, avô?
Bateu muito sol
na estrada onde vou.

Tens olhos baços.
Mas porquê, avô?
Pousou nevoeiro
na estrada onde vou.

Tens calos nas mãos.
Mas porquê, avô?
Parti muita pedra
na estrada onde vou.

Tens coração grande.
Mas porquê, avô?
Nele mora a gente
que por mim passou.

 Diz o Avô. In A Cavalo no Tempo

Heróis

Dizem que é um herói,
matou sete de uma vez.
Eu cá criei sete frangos
duma galinha pedrês.

Dizem que é um herói,
arrasou uma cidade.
Eu cá plantei oliveiras
nas terras da minha herdade.

Dizem que é um herói,
dominou o oceano.
Eu cá construí o esgoto
que lá vai ter pelo cano.

Dizem que é um herói,
conquistou trinta países.
Eu cá conquistei a Rosa
e somos muito felizes.

Hoje é Dia da Criança

Hoje é Dia da Criança
e eu quero dar-te a Lua.
Mas há meninos sem nada
que dormem sós numa rua.

Hoje é Dia da Criança,
na aula lês teus direitos.
Mas há meninos nas obras,
a mando de alguns sujeitos.

Hoje é Dia da Criança
saboreias chocolate.
Mas há meninos raptados
que sonham com o resgate.

Hoje é Dia da Criança
em todo o Planeta Terra.
Mas há meninos que morrem
em combates, numa guerra.

Hoje é Dia da Criança,
tu brincas, cantas, sorris.
Um dia, cada criança
como tu será feliz.

O jardineiro

Na cidade
há um jardim
e no jardim um canteiro
e no meio do canteiro
está cavando o jardineiro.

A terra suja-lhe os pés,
rasgam-lhe rosas as mãos,
as dálias roçam-lhe a cara
quando se dobra para o chão.

Há um jardim na cidade
e no jardim um canteiro;
quem vê as flores que lá estão
não pensa no jardineiro.

O Menino do Contra 

O menino do contra
 queria tudo ao contrário: 
deitava os fatos na cama 
e dormia no armário. 

Das cascas dos ovos 
fazia uma omelete; 
para tomar banho 
usava a retrete. 

Andava, corria 
de pernas para o ar;
 se estava contente, 
punha-se a chorar. 

Molhava-se ao sol, 
secava na chuva, 
e em cada pé 
usava uma luva. 

Escrevia no lápis 
com o papel, 
achava salgado
 o sabor a mel. 

No dia dos anos
 teve dois presentes:
 um pente com velas
 e um bolo com dentes.

 O Computador

A menina Leonor 
só quer o computador, 
O boneco e a boneca 
eram uma grande seca! 

Deitou fora a bicicleta, 
cansa muito ser atleta. 
Não sai para qualquer lado, 
nem para comprar gelado. 

Anda da mesa para a cama, 
só se veste de pijama. 
Vê-se ao espelho de manhã
 a olhar para o ecrã.

Já se esqueceu de falar. 
Só sabe comunicar 
com os dedos no teclado. 
Tem agora um namorado 

A menina Leonor 
chamado computador. 
É fiel, inteligente 
não refila, nunca mente. 

E quando ela se fartar, 
pimba, basta desligar.


Abecedário sem juízo

A é o André, a beber a água pé.
B é o Bruno, vai fugir dum gatuno. 
C é a Camila, com corpinho de gorila. 
D é o Daniel, como lenços de papel.
E é a Ester, que nunca usa talher. 
F é o Frederico, está sentado no penico.
G é o Gonçalo, já hoje levou um estalo. 
H é a Helga, picada por uma melga. 
I é a Inês, a dar beijos num chinês.
J é o João, põe ratos dentro do pão. 
L é a Luísa, vai para rua sem camisa. 
M é a Maria, que só dorme todo o dia. 
N é o Norberto, que gosta de se armar em esperto.
O é o Olegário, caiu dentro do aquário. 
P é a Paula, tira bananas da jaula. 
Q é o Quim, meteu a mão no pudim. 
R é a Raquel, que se besunta com mel.
S é a Sara, com dez borbulhas na cara. 
T é o Tiago, a pescar botas no lago. 
U é o Urbino, que sofre do instestino. 
V é a Verónica, tem preguicite crónica. 
X é o Xavier, usa roupa de mulher. 
Z é a Zulmira, que na aula dança o vira.

Poemas da Mentira e da Verdade, Livros Horizonte

Sim ou não?

Sim, não,
sim, não... 
Ou fico com fome
ou como feijão.

Sim, não, 
sim, não... 
Ou visto pijama 
ou ponho calção.

Sim, não, 
sim, não... 
Ou subo ao pinheiro 
ou brinco no chão. 

Sim, não, 
sim, não... 
Ou sou um porquinho 
ou uso sabão. 

Sim, não, 
sim, não... 
O que hei-de fazer?
 Mas que indecisão! 

 A força das palavras

Juntei várias letras 
— escrevi um letreiro. 

Acendi as brasas 
— que grande braseiro! 

Soltei quatro berros 
— armei um berreiro. 

Juntando formigas
 fiz um formigueiro. 

Será que com carnes
 se faz um carneiro?

Abecedário Maluco

A é o António, faz coisas do demónio. 
B é o Bernardo, picou o rabo num cardo. 
C é a Catarina, a fugir duma vacina. 
D é a Diana, com o sapato se abana. 
E é a Elisa, sai à rua sem camisa. 
F é o Filipe, para faltar diz que tem gripe.
G é a Gabriela, que se julga muito bela. 
H é o Hugo, mais gordo que um texugo.
I é a Isabel, tem mais borbulhas que pele.
 J é o João, a beber do garrafão. 
L é a Leonor, namora o computador. 
M é o Mário, guarda os livros no aquário
N é a Natália, quando chove usa sandália. 
O é a Olívia, lava as unhas com lixívia. 
P é a Paulina, põe creme de margarina.
Q é o Quim, nas aulas come pudim.
R é o Ricardo, morde como um leopardo. 
S é a Susana, a cavalo numa cana. 
T é o Tomás, só de mentir é capaz. 
U é o Urbino, come as cascas do pepino.
V é a Vanda, caiu na jaula do panda.
X é a Xana, tropeçou numa banana.
Z é o Zeca, plantou relva na careca


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