Cinema no Netflix: Ferry e a receita da pipoca mais doce


Ontem vi um filme que se chama Ferry, no Netflix. A história tem início em 2006, em Amesterdão, e, como se não existissem outras histórias para contar em Amesterdão, envolve drogas e crimes associados ao negócio. Ferry Bouman trabalha para Ralph Brink, um barão da droga, que terá sido o seu mentor. Ele é como um pai para ele e Ferry o filho capaz e leal que ele não tem. Ferry arruma a casa quando as coisas correm mal. Mas um dia o “escritório” é assaltado e no processo o verdadeiro filho de Ralph é morto. Em busca dos assaltantes, Ferry segue pistas até aos parques de campismo de Brabant, uma província no sul da Holanda, onde tinha passado a infância com os pais. Ali vai reencontrar a família, a irmã e o cunhado, com quem a relação tinha azedado, aluga uma caravana no parque de campismo, conhece Danielle, que vende pipocas e chupas na feira local, partilham bons momentos e drogas enquanto ele executa a vingança. Bouman  vai ser confrontado com difíceis decisões e a sua lealdade posta à prova. Nada de muito novo, aliás, quase tudo é previsível, mas bem realizado e interpretado, descobri que este filme é um spin-off para uma série de 2019 de nome Undercover. E que a personagem  Ferry é vagamente inspirada num contrabandista e criminoso holandês, Janus van Wessenbeeck, que foi preso por liderar uma organização criminosa, e depois por tráfico de ecstasy, e entretanto libertado (2015) na condição de não regressar à Bélgica. Estou decidida a dar uma espreitadela à série que é uma co-produção da Bélgica e dos Países Baixos. 

Desta vez o serão de Netflix chegou com direito a pipocas e tudo. A propósito, sei que teria muito mais leitores interessados em saber novas da "Pipoca mais doce" do que sobre o Ferry, que não é nada doce. Mas sobre a tal Pipoca mais doce eu sei muito pouco. Não é por falta de títulos a pipocar por toda a parte pois a senhora é omnipresente na internet. Ainda ontem li que vai fazer um podcast sobre divórcios. Pouco antes tinha lido que se tinha separado. Achei giro, pronto. Imaginei logo que se amanhã escorregar na calçada e se partir toda, irá brindar a sua audiência com um podcast sobre fisioterapia. É quase impossível entrar na net sem levar com pipocagem cor-de-rosa: não há site que não ofereça meia dúzia de títulos sobre futilidades associadas a celebritites e a Pipoca mais doce é assídua. Há uns tempos esses títulos mencionavam polémicas em virtude de ter sido jurada do All together now. Muito dramático talvez mas eu não vejo esse programa, logo nem abri. Há uns anos espreitei o blogue dela mas o blogue não passava de um catálogo de venda de produtos com texto a mais. Não sei se continua assim mas já então era um êxito. Lamento, Pipoca, mas não tenho paciência para ler um texto de 1500 caracteres sobre a experiência que é comprar e usar um creme para amaciar as cutículas da marca X. Esse tipo de blogues não me seduzem. 

Há uns meses vi que andavam a gozar com a Pipoca no Facebook porque ia fazer um espectáculo de stand up comedy. A malha era valente. Também não vi o espectáculo por isso não sei se ela teve piada ou não. Seria giro se tivesse tido graça, aprecio grandemente os humoristas, acho que Portugal devia ter mais e melhores. Já entenderam: não sei quase nada sobre a Pipoca mais doce, por exemplo, não imagino qual tenha sido a receita ou o segredo da Pipoca mais doce para ter alcançado tanto sucesso como influencer digital. Ela tem resmas, resmas de seguidores.

Já alguma vez aqui escrevi sobre a minha pequena biblioteca de livros infantis? Não sei. Em tempos comprei muitos, agora compro muito menos. Já os quis doar para as crianças de Cabo Verde para libertar espaço. Apesar de comprar menos, continuo a ler muitos: em casa de amigas que os compraram para os filhos e agora os abandonaram a um canto, na estação dos CTT enquanto espero a minha vez, no super e até na biblioteca da praia onde compito à descarada com a miudagem pelos títulos mais novos!  O diabo dos livros infantis são caros e leem -se em minutos. Uma pessoa vai à falência se quiser alimentar a sua fome de palavras a livros infantis...

Pois é, a Pipoca escreveu um livro infantil e isso é o que de mais em concreto sei sobre ela. Chama-se Quem deu um pum? É a história de uma mãe cuja casa tresanda a gases e então ela vai de divisão em divisão à procura do emissor gasoso e questiona todos: o marido, a avó, o avô, o filho, o cão. Pergunta, pergunta, mas eles, que não devem ser deste mundo, todos garantem que nunca deram um ar de sua graça na vida. Depois de descartar essas hipóteses, a mãe acha então que a culpada pelos maus odores deve ser a vizinha do lado. E vai de tocar à campainha dela para perguntar se foi ela a responsável pelo mau cheiro que lhe empesta a casa. Como devem imaginar a vizinha passa-se dos rolos que tinha na cabeça com esta impertinência. Seria engraçado se fosse a mãe que andasse a perder ar, isso teria mesmo  imensa piada. Mas a Pipoca não entendeu assim, não. A mãe não era. A mãe dava puns que cheiravam a rosas. (Antes isso que a óleo velho de fritar pipocas!) Por fim ela descobre a fonte dos gases fedorentos: era a fralda do seu bebé que estava repleta de caca. ( Não sei que mãe é esta que tendo em casa uma maquininha de fazer cocó tem de andar a perguntar aos adultos e ao cão se foram eles que se descuidaram. Não era de desconfiar logo? O pós-parto nem sempre é um céu cor-de-rosa. É evidente que esta mãe da história da Pipoca estava a passar um mau bocado: deixa o filho todo borradinho e anda numa cruzada pela casa à procura de quem se borrou.) Bom, ela apressa-se a dar banho ao bebé borrado e quando ele já está bem  limpinho e cheirosinho, diz-lhe que ele pode dar todos os puns que quiser pois maior que o mau cheiro de todos os puns é o amor que ela lhe tem. Isto é o que de mais concreto sei sobre a Pipoca: que escreveu uma história escatológica infantil sobre peidos. Também conheço um livro infantil que conta uma história sobre rabos. Ia muito bem com esta. Não sei se está traduzida na nossa língua, mas devia.  Não entendo bem o fenómeno Pipoca, o factor atração "Pipoca". Mas é provável que não seja literário. Qual será a receita da Pipoca para atrair gente como moscas? 

Também sei de pipocas aos saltos no tacho, uma coisa que aprendi muito cedo com a minha avó, quando não havia internet e não podíamos ir procurar as receitas no Google.  Há muitos, muitos anos, eu e a minha irmã víamos os filmes do Tarzan numa TV a preto e branco com uma travessa de louça de pipocas quentes nos joelhos. Eram fritas em azeite e depois polvilhadas com açúcar e às vezes com canela. Se a minha avó soubesse o desvario que hoje as pipocas podem ser: caramelizam-nas, juntam-lhe Cerelac, chocolate branco e preto, amendoim! As que sobravam eram guardadas numa saca de pano, daquelas que eram penduradas na porta da rua para o padeiro ali deixar o pão de madrugada, pão que ainda estava quente para o nosso pequeno almoço. Por muitas receitas que circulam por aí, asseguro que a receita da pipoca mais doce era a da minha avó. Nunca voltei a comer pipocas tão boas como essas.


Fazer pipocas como a minha avó fazia não tem grande segredo. É pegar num tacho ou panela grande e sem fundo grosso, deitar 3 colheres de sopa de azeite de forma a cobrir o fundo. Quanto ao milho deve ser cerca de metade de uma chávena de 250 ml. Faço a olho e sem ciência maior, mas deve ser isso. Coloco o azeite até cobrir o fundo, junto dois milhos e coloco no bico médio não muito forte o tacho de 1L. A dada altura começa a cheira a azeite aquecido e daí a pouco eles estoiram: então deito o resto do milho. Mais um pouco e os milhos começam a estourar que nem doidos e o testo e o tacho a abanar! Vou retirando o tacho do lume com a ajuda de duas pegas para não me queimar e remexo o milho, em movimentos circulares, durante alguns segundos. Depois volto a colocar no fogo e daí a pouco faço o movimento de novo até que deixo de ouvir milhos a estourar. Apago o lume  e destapo: as pipocas lá estão, a chiar. Despejo para uma taça e quando ando mais gulosa, salpico açúcar. Por vezes ficam umas marquinhas pretas no tacho e tem de se esfregar. O tacho das pipocas só é usado para as pipocas. É um tacho velho, de alumínio. Algures no fundo sempre fica sempre uma manchinha ou outra para o identificar. É a desculpa que uso para não me apurar muito na limpeza! Sigo sempre a receita que a minha avó usava nos anos 70, é  fácil e simples. Mas, como já devem ter adivinhado, as minhas pipocas nunca ficam tão doces como aquelas que ela fazia para as netas gulosas.

Comentários

Clara Fernandes disse…
O " fenómeno" da popularidade da pipoca mais doce é mais um indicador da mediocridade a que a sociedade se entregou. Sei quase nada da senhor.Por força de doença,num zapping para afugentar as horas, vi uma conversa na TV em que uma senhora falava do divórcio,e,agora,constatei que era a mesma.
Triste.Triste também que não sejam líderes de audiência e de influência outras pessoas cuja experiência e saber muito poderia fazer pelas gentes jovens e menos jovens.
Pipocas doces, só mesmo as do tacho!
Sabores de infância nunca são substituídos.
Parabéns p'lo texto!