Vamos fazer uma tour pelo meu closet?

Fotografia de Douglas Friedman
"Sair do armário" é uma expressão que descreve o anúncio público da orientação sexual ou identidade de género de uma pessoa. "Estar fora do armário" significa que alguém é assumidamente membro de comunidade LGBTI. Mas hoje é ainda mais vulgar encontrar a expressão "entrar e sair do closet." No Youtube títulos como estes abundam: "Quem nunca sonhou ter um closet?", "Mini-série de quatro episódios para vos mostrar cada passinho do meu novo closet.", "As 10 principais peças do meu closet", "Abrindo as portas do meu closet", "Dicas para organizar o seu closet", "Vou mostrar uma tour pelo meu mini-closet." É assim que os "armários", "guarda-fatos" e afins caminham para a extinção: toda a gente tem um "closet". Portugal, país sem dúvida bonito mas pobresito, tem uma língua rica: "armário", " roupeiro", "guarda-vestidos" e "guarda-fatos" são palavras que ainda estão nos dicionários mas cairam em desuso junto das novas gerações. O culpado é...o "closet". A cada vez que alguém usa a palavra "closet", algures numa gaveta de um guarda-vestidos uma camisola de gola alta estrangula-se a si mesma.

Evidentemente que já todas tropeçamos nos closets da Christina Aquillera ou da Paris Hilton. As mais distraídas, como eu, até podiam ter pensado que a fotografia que mostro acima tivesse sido tirada numa boutique de moda em Rodeo Drive. Mas não. É o "closet" da cantora Christina. Reparem que não podia ter escolhido um look mais apropriado para ser fotografada empoleirada na escada: saltos de agulha e saia justa rosa choque. Os "closets" das famosas são pequenas grandes divisões, mais ou menos requintadamente decoradas, atoladas até ao tecto de roupas, sapatos e acessórios caríssimos, delas e até dos seus queridos cães.

Antes de começarem a censurar o consumismo, a futilidade e o culto do exibicionismo femininos, ou a pose da Christina na escada, vou provar que este aparato todo não é uma tendência puramente feminina. Já ouviram falar do DJ Khaled? Se não ouviram, é normal pois é bem menos popular que o precocemente desaparecido DJ Avicii. Ainda não entendi bem o que é que o DJ faz além de aparecer sempre vestido de cores berrantes e de berrar "DJ Khaled" no início de canções a cargo de vários artistas conhecidos, em vídeos com imensos figurantes, que sempre incluem mulheres esculturais a caminhar em slow-motion. Não tenho grande simpatia pela arte deste homem e menos ainda pelo seu quartinho exclusivamente preparado para acomodar a gigante colecção de "sneakers". Nem quero pensar num cenário em que a luz falte e o ar condicionado pare de funcionar ali dentro. Não vai haver "Brise Spray Exotic Vanilla que o safe. Diz Khaled que queria "glorificar os seus sneakers" e que aquilo é "paixão, dor e êxito". Está bem, Khaled, gasta lá o dinheiro que ganhas como te der mais prazer. Isso a mim não me impressiona nada, mas reconheço que é uma forma original de encher as prateleiras da biblioteca, é sim senhora. Se és feliz assim, olha, mano, quem sou eu para criticar?

É óbvio que a maioria de nós  não tem - e muitas de nós nem por opção querem ter - tralhas particularmente esplendorosas ou em número que impressione para exibir assim nas redes sociais ou no Instagram. Mas isso não tem feito ninguém hesitar quanto a seguir as pisadas exibicionistas das celebridades. Não ter centenas de sapatos não deve impedir-nos de zelar pela  boa arrumação daqueles que tivermos, essencial para que estejam sempre impecáveis e durem o máximo. E até que não nos orgulhemos disso. Arrumação é uma necessidade, por isso, venha de lá o IKEA , a Moviflor, o armário comprado em Paços de Ferreira, a capital do móvel, ou o senhor marceneiro que faz tudo por medida, que o que importa é que tenhamos onde guardar os vestidos, os sapatos e tudo o mais. Mas outra  "necessidade" surgiu recentemente ainda: foi a de, na peugada das celebridades, mostrar ao mundo o que está no armário. Fazer a "Tour pelo closet" ou pela penteadeira, parece ser um imperativo da actual juventude. 

Assisto a estes fenómenos e tento sempre colocar-me na pele dos jovens, e dos não tão jovens, neste caso tentei imaginar-me a fazer vídeos de meia hora sobre "closets". Não percebo o apelo, nem de quem mostra nem de quem vê.  O entusiasmo destas meninas que mostram a forma em "U" do seu "closet",  o cesto da roupa suja, o espelho onde se fazem as fotos para o Instagram, mais o cabide com as pecinhas de roupa separadas por cores, as gavetas e as prateleiras repletas de sapatos, levantam-me dúvidas sobre a evolução da espécie humana. Uma publicidade da Miele, diz assim: "Miele, Tenha mais tempo para si." Ora isto resume algo do que nos move por aqui e que é inventar máquinas para nos poupar esforço e libertar para o tempo livre. E ócio para quê? Para filmarmos o "closet". Outra cena macaca: colocar sapatos e roupa em espaços tão próximos faz-me torcer o meu nariz à japonesa. O meu calçado no mesmo espaço que roupas e acessórios é que não. Só não fica à porta da rua porque tenho a certeza que seriam roubados. 

O Youtube está cheio destes vídeos.  Jovens encantadas filmam e outras comentam como se fosse a matéria mais fascinante deste mundo. Abrir  o armário "de par-em-par" é cada vez mais uma mera forma de expressão. Entrar no "closet" é que é sofisticado e chique, tão moderno.  Pergunto porque não também revelar o armário da casa de banho? Mostrem-me o elixir Sensodyn,  o fio dental, a caixinha das cotonetes, a gillete Venus, os absorventes íntimos, os hidratantes, e tudo o mais. Não se esqueçam que o Dia Mundial da Casa de Banho se assinala a 19 de Novembro. Agendem já o próximo. Julgam que estou a brincar? Nunca brinco com coisas sérias. Foi oficialmente reconhecido pelas Nações Unidas em 2013 e visa alertar a população para o facto de mais de 2,4 mil milhões de pessoas não terem acesso a uma casa de banho limpa, segura e privada. 

O assunto é um pouco tricky. Aprendi nas aulas de inglês, há muitos anos, que guarda-roupa se diz "wardrobe". Este é um móvel que pode ser removido do local, e esta foi, e é, a tradição mais europeia, de acomodar roupas. Um armário, em geral, é um "cabinet" ou "cupboard", mas também podem chamar "cupboard" a um armário encastrado na parede da casa. Na América desde há muito que se construiram nas próprias casas espaços destinados a arrumação de roupas que receberam o nome de "closet". Nos meus vinte e poucos conheci dois irmãos que tinham transformado um espaço a que tradicionalmente chamamos despensa num verdadeiro "closet", à americana. É claro que achei o máximo até porque eram dois e conseguiam ser muitíssimo mais arrumados do que eu. Os pais deles deviam adorar aquele esmero. O "closet" é um espaço onde se pode entrar e sair. Daí a expressão "coming out of the closet", à letra, "sair do armário" ou seja, revelar-se. Mesmo que não seja uma divisão, se for um armário e tão grande que até dá para entrar dentro dele, os camones chamam-lhe "walk-in closet" e os brits referem-se-lhe como "walk-in wardrobe". Já na Tugaland, qualquer armário é agora promovido ao estatuto de "closet" não importando que na fotografia do blogue se veja apenas um pequeno roupeiro de duas portas. E fico por aqui pois estou com uma vontade súbita de ir ao "water closet".💩

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