Cinema: Hustlers, de Lorene Scafaria





Em Setembro falava-se muito de Jennifer Lopez, que podia até vir a ser nomeada para um Oscar e eu lembrei-me logo da Lady Gaga, que também deu muito que falar o ano passado. Só que Lopez não é uma estreante no mundo do cinema. E o assunto era um pouco mais quente que um romance musicado: tratava-se do filme Hustlers, uma história acerca de uma irmandade de ousadas e golpistas strippers. O filme tinha sido banido das salas de cinema da Malásia devido ao seu "conteúdo obsceno excessivo", um desfile de nudez e erotismo: peitos desnudos, drogas, danças eróticas. Não aconteceu somente aí, na Rússia, também removeram algumas cenas. Lembrei-me logo do filme Showgirls, de Paul Verhoeven, bastante polémico à data da sua saída, por razões idênticas e, sobretudo, por outras: o filme era tão mau que acabaria por se tornar memorável por ser ruim.

O nome da realizadora - Lorene Scafaria - captou mais o meu interesse do que J-Lo pois ela fez uma comédia algo original chamada Até que o fim do mundo nos separe, com o Steve Carell no papel de um homem cujo casamento chega ao fim quase ao mesmo tempo que o mundo acaba, e das suas aventuras com a vizinha neste contexto invulgar. Não era um filme perfeito mas era curioso o suficiente para ainda me recordar dele. Além disso, eu "colecciono" títulos de cinema que só por si têm o potencial de uma história e ele faz parte. No original chama-se: Seeking a Friend for the End of the World. Mais recentemente realizou The meddler, com as veteranas Susan Sarandon e a sempre adorável Rose Byrne, e também não era um mau filme. The Hustlers, pensava então eu,  talvez não fosse mau, a não ser para os puritanos, talvez não fosse bom, para os mais exigentes, mas decerto que seria uma comédia razoável. Ou então, Ousadas e golpistas, seria um filme sobre um golpe e eu não consigo deixar de gostar desse tipo de histórias. Ou então uma mistura disso. Afinal o filme é mais um filme sobre uma amizade do que um golpe, embora o crime esteja subjacente. E, sem dúvida, mais comédia do que drama. Numa palavra: entretenimento.

O filme baseia-se, livremente, numa história publicada no NY Times, e começa quando uma recém -chegada a um clube de strip e aborda a veterana Ramona Vega que habitualmente deslumbra os homens do clube em tudo o que faz, em especial na dança no varão. Surpreendentemente, Ramona não é egoísta e ensina-lhe o que sabe. Daquela relação nasce uma bela amizade entre as duas mulheres, e uma frutuosa parceria de negócio. A vida era bela para as duas até se dar o crash da bolsa americana em 2008. Os homens ricos de Wall Street que eram clientes regulares deixaram de aparecer. E foi então preciso dar o golpe. Voltar a atrair clientes e, daqui se vai ali, tempos desesperados exigem medidas desesperadas: as meninas começam a atrair e  drogar os homens para lhes extorquir o máximo das contas bancárias.As "vítimas" eram sempre homens ricos e casados, só assim valeria a pena correr o risco - uma vez conscientes do sucedido teriam demasiado a perder para irem à polícia - de que nenhuma deveria ter pena, já que pertenciam ao universo dos que brincaram com o dinheiro dos outros e provocaram a ruína económica de muitos.

Ultimamente acabo sempre por escrever sobre filmes que sei não irei lembrar por muito tempo. Porque será? Talvez para me poder recordar deles mais tarde? Hustlers até começa muito bem mas depois perde-se e no final a única coisinha que valerá a pena recordar é Jennifer Lopez a envolver Destiny no seu casaco de peles e a dançar no varão, ou, depois, a fechar o filme. Além do visual exuberante de quase todo o filme,  sexy,  e do guarda-roupa fantástico, sim, é verdade, as meninas aparecem mais vestidas que despidas, apesar dos Russos terem censurado a fita, não é um filme memorável. Com excepção de Ramona, a caracterização das personagens é débil, não apenas de uma, há muito uso da câmara lenta, excessivo emprego de canções para reforçar as imagens, cenas que podiam ter sido dispensadas. E o que dizer de uma stripper que passa a vida a vomitar quando em pânico?! É um filme para entreter, uma espécie de Magic Mike, com mulheres. Todavia, a milhas do tal Showgirls, que referi, no tratamento dado às mulheres da história, aqui têm tratamento justo.

Não sei quanto a vocês mas eu gosto sempre de ser surpreendida por um actor/actriz que depois de anos colado a um rótulo de mediania consegue dar uma salto qualitativo decisivo. Gostei de ver Jennifer Lopez, em Out of sight, Steven Soderbergh, ao lado de George Clooney. Depois, terei visto mais um filme com ela e bastou para perceber que estava melhor na música e a bailar enérgica e sensualmente no palco ou a fazer vídeos. Não segui a carreira longa no mundo da música pop, mas a Jennifer from the block sempre foi aparecendo nas notícias o suficiente para não me esquecer. Há até um vídeo dela onde parece ter feito um aquecimento para Hustlers. É Get right. Só espantará ver a sua prestação como stripper em Hustlers se, de todo, nunca tiverem prestado atenção aos seu vídeos que são prova de boa condição física, muita disciplina e muito trabalho, muito controlo e conhecimento do seu corpo, que lhe permitiram brilhar em Hustlers e a levarão ao Super Bowl 2020 com êxito garantido. Além da componente mais física, ela soube igualmente entrar na pele desta personagem, "vesti-la e despi-la", lindamente. A sua Ramona convence, quer na forma como vive a efervescência da conquista, quer na aceitação da derrota, quer enquanto líder do "gangue feminino" ou "irmã", ou como stripper ou mãe. Talvez lhe valha, como se fala, uma nomeação para o Oscar, um prémio pelo seu crescimento como actriz. A propósito, a canção Jenny from the Block, tem algumas linhas que talvez lhe bailem agora pela cabeça: I'm down to earth like this, Rockin this business, I've grown up so much, I'm in control and loving it.



Pole Dancing next for Olympic Games recognition? 

Mas Hustlers deu-me o pretexto para escrever um pouco sobre a dança no varão. Antes da chegada da internet a única forma que eu tinha de ver dança no varão era quando aparecia em alguns filmes, maioritariamente associada ao erotismo e ao striptease. Sempre que dizia que achava um espectáculo interessante cortavam-me a palavra dizendo que eu devia ter vergonha, que aquilo era super-degradante. Os tempos mudam, as mentalidades mudam. Mas devagar. Há uns três anos a Câmara Municipal de Coimbra convidou a Dânia Neto para abrilhantar um evento de nome Coimbra Pink Move – Desportiva Woman Day inserido no Dia da Mulher. A actriz é praticante de dança no varão. Não vejo novelas, não sei quem é a actriz mas acabei a defender a prática da dança no Facebook de uma forma que não julgava necessária. Este ano vi uma petição porque o Instagram censurava publicações relativas à dança no varão. Há muito que há vozes a defenderem a possibilidade da dança no varão poder ser uma modalidade olímpica mas a maioria desconhece. Bem vistas as coisas, se a retirarmos dos clubes - e ela não teve origem nos clubes - passa a ser uma actividade física, igual a tantas outras: exige força, em especial abdominal, e dos membros superiores e inferiores, coordenação, flexibilidade e sensibilidade artística. É mais que acrobacia, é também uma forma de ginástica que exige técnica. Mas o preconceito, a forte conotação sexual normalmente associada, continua a limitar esse entendimento pela maioria das pessoas. Ainda assim, fico satisfeita com o rumo que tomou a "degradante"  dança no varão e só tenho pena de já não ter idade para poder praticar!


Mallakhamb the ancient form of Indian Gymnastics

Jesse Huygh Chinese Pole Training Video

Curiosamente a sua origem   é mais antiga do que se imagina. Há 800 anos, na  Índia , já se praticava  o  mallakhamb (malla - desporto - hamb - poste), inicialmente uma espécie prática para meditar, desenvolver a força e o foco dos lutadores. Na China também havia uma exibição semelhante, mas nos circos, usando um pau borrachoso e um fato para proteger o corpo da fricção, pelo menos desde o séc. XII.  A dança feminina no poste parece ter tido a sua origem  nos Estados Unidos quando, inseridas em espectáculos ambulantes,  artistas circenses dançavam em pequenas tendas, aproximando-se cada vez mais do poste central e acabando por adoptá-lo nas suas rotinas. As pessoas iam a estes eventos para ver danças mais exóticas provenientes, por exemplo, do Médio Oriente, como a dança do ventre. Só depois é que o "pole dancing" passou para o interior dos clubes. Muitos anos depois, saiu de lá e há ginásios e espaços onde se pratica e se compete. Hoje é uma modalidade em expansão que conquista adeptos no mundo inteiro. Deixo-vos alguns exemplos.





Sugestão de leitura


The True Story Behind the Movie Hustlers, para ler, aqui.

International Pole Sports Federation

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