O mais célebre episódio das campanhas eleitorais portuguesas
Fotografia de Rui Ochoa |
A mulher protestava contra o anterior Governo, a que Cristas pertenceu, e as medidas de austeridade de então. Ora, isto aconteceu bem pertinho da rua de Santa Catarina: a mulher aproximou-se de Cristas aos gritos, empurrando-a. Alguém conseguiu afastá-la antes que ela se lançasse aos cabelos da líder centrista e acabassem no chão a rabear. A mulher terá ainda chamado "ladrões" aos centristas, com palavrões à mistura, o que é próprio do colorido local que bem conheço. A mulher disse depois aos jornalistas que não gostava de Cristas, o que era por demais evidente e desnecessário. Cristas desvalorizou as críticas, que não foram as únicas do percurso da arruada, por dizerem respeito aos tempos da troika. Mais tarde, já no recato de Lisboa, condenou o sucedido: "Lamento que haja pessoas, não sei com que tipo de motivações, que tem aquele tipo de atitudes. Não é assim que se vive em democracia, não é assim que se respeitam todos os pontos de vista." Do que entendi, o CDS não vai apresentar queixa, não porque seja magnânimo, mas porque não se consegue identificar a mulher. Mas se a mulher nem chegou a beliscar a Cristas! Se a agressão não passou de uma intenção, restariam então os "palavrões", que no Porto são mera pontuação, e alguns mais literais, - ladrões?! - a fugir para a verdade! Só se perderam os que ficaram por dizer, a gente não diz, mas pensa!
Duvido que estes empurrões e tentativa de agressão à líder Cristas na arruada do CDS-PSD que agora são notícia fiquem para a história das campanhas eleitorais. O episódio que vai marcar esta campanha é Tancos: o roubo de material militar no paiol de Tancos transformou-se numa verdadeira comédia e numa lotaria para a Direita que tem feito render a pólvora o mais que pode.
Ao ler esta notícia lembrei-me da mais famosa agressão que já se registou numa campanha nacional. Falo dos eventos ocorridos na Marinha Grande na década de 80. O agredido foi Mário Soares, durante a primeira volta da sua campanha presidencial. Ainda hoje a presença comunista é vigorosa na cidade da Marinha Grande, mas à época, em 1986, era a autarquia comunista mais a norte do país. Soares até tinha começado por militar no PCP, partido no qual permaneceu até 1949, mas isso não fez arrefecer os ânimos. O que a história regista é que elementos aparentemente ligados ao PCP - Soares diria que eram do PRD pois tinham autocolantes desse partido - inconformados com a situação de salários em atraso que atingia as unidades fabris da capital nacional do vidro e com o tratamento diferenciado - já que umas tinham recebido subsídios do Governo e outras não, - fizeram uma espera ao candidato. Parece que ele até tinha sido avisado mas não se deixou intimidar.
Na fotografia de Ochoa, acima, é visível um homem de varapau erguido. Foi esse que aterrou no ombro e pescoço de Mário Soares, apenas falhando a cabeça porque a de alguém o protegeu, apanhando o golpe. Refugiaram-se na fábrica Stephens, hoje fechada, comitiva, apoiantes e jornalistas, do lado de dentro dos portões. O resto não sei: como saíram, quanto tempo ali permaneceram, quem fez dispersar os manifestantes exaltados. Sei que o incidente da Marinha Grande parece ter ajudado à popularidade de Soares. Anos depois, em Barcelos, noutra campanha, um homem deu-lhe um murro num braço. Mas a "Paulada da Marinha Grande" é que fez história, sobretudo porque alterou o rumo da campanha. Soares, deixou Francisco Salgado Zenha e Maria Lurdes Pintassilgo, seus colegas de Esquerda, para trás, e chegou à segunda volta, onde derrotou Freitas do Amaral por bem pouca margem. Tornou-se Presidente da República a 16 de Fevereiro de 1986. Em 2006, candidatou-se às presidenciais contra Cavaco Silva. Mas nesse ano faltou-lhe uma Marinha Grande.
( Obviamente que Cristas nem "à paulada de Tancos" lá irá.)
( Obviamente que Cristas nem "à paulada de Tancos" lá irá.)
O futuro político do país depende de nós também, não apenas dos políticos. Somos nós que decidimos quando votamos. As eleições legislativas são já este fim-de-semana. Deviam ser um momento importante da nossa vida democrática mas nem todos parecem entender o privilégio que é poder votar em liberdade. Bem sabemos que a democracia é imperfeita, basta pensar no ridículo que envolve o caso Tancos. Mas ir votar é a única forma de não deixar que sejam outros a decidir por nós, não? Vota.
Comentários
Claro, a democracia é imperfeita. É triste assistir a todas estas situações e difícil acreditar nos políticos.
Mesmo assim, eu sempre fui e irei votar. Não sei o que é viver sem liberdade de escolha, mas pelo já li sobre o assunto é um terror que devemos sempre evitar.
O enxovalhamento (do qual ainda nada sei) à ex-ministra dos eucaliptos, se aconteceu foi totalmente merecido. Estamos a falar da pessoa que grita constantemente quando há incêndios, mas que, quando havia problemas severos no seu governo dizia que ia rezar, pois podia ser que a santa nos ajudasse a todos. Estamos também a falar da senhora que clama constantemente rigor e mérito, e que depois diz que assinou o tratado de resolução do BES de olhos fechados, e que quer que os papás ricos que têm filhos que não têm médias para entrar na universidade o possam conseguir desde que os papás tenham dinheiro para o fazer.
É mesmo preciso não ter um pingo de vergonha na cara.
Eu voto e faço-o sempre mesmo que sequer me considere democrata ou acredite minimamente na democracia.
Gostei do percurso histórico. Beijinhos