O mais célebre episódio das campanhas eleitorais portuguesas

Fotografia de Rui Ochoa
Esta manhã, Cristas andou a atacar (verbalmente) o Presidente do Parlamento por causa de Tancos, acusando Ferro Rodrigues de estar a proteger o PS e o Governo. Tudo por causa da reunião da comissão permanente que ficara adiada para depois das eleições por decisão da "maioria do costume", como disse Fernando Negrão (PSD). Ao fim do dia, no Porto,  o karma devolveu em dobro: foi quase, quase atacada fisicamente por uma mulher do norte, e de lá levou, de regresso a Lisboa, uma ovação à moda do Porto.

A mulher protestava contra o anterior Governo, a que Cristas pertenceu, e as medidas de austeridade de então. Ora, isto aconteceu bem pertinho da rua de Santa Catarina: a mulher aproximou-se de Cristas aos gritos, empurrando-a. Alguém conseguiu afastá-la antes que ela se lançasse aos cabelos da líder centrista e acabassem no chão a rabear. A mulher terá ainda chamado "ladrões" aos centristas,  com palavrões à mistura, o que é próprio do colorido local que bem conheço. A mulher disse depois aos jornalistas que não gostava de Cristas, o que era por demais evidente e desnecessário. Cristas desvalorizou as críticas, que não foram as únicas do percurso da arruada, por dizerem respeito aos tempos da troika. Mais tarde, já no recato de Lisboa, condenou o sucedido: "Lamento que haja pessoas, não sei com que tipo de motivações, que tem aquele tipo de atitudes. Não é assim que se vive em democracia, não é assim que se respeitam todos os pontos de vista." Do que entendi, o CDS não vai apresentar queixa, não porque seja magnânimo, mas porque não se consegue identificar a mulher. Mas se a mulher nem chegou a beliscar a Cristas! Se a agressão não passou de uma intenção, restariam então os "palavrões", que no Porto são mera pontuação, e alguns mais literais, - ladrões?! - a fugir para a verdade! Só se perderam os que ficaram por dizer, a gente não diz, mas pensa!

Duvido que estes empurrões e tentativa de agressão à líder Cristas na arruada do CDS-PSD que agora  são notícia fiquem para a história das campanhas eleitorais. O episódio que vai marcar esta campanha é Tancos: o roubo de material militar no paiol de Tancos transformou-se numa verdadeira comédia e numa lotaria para a Direita que tem feito render a pólvora o mais que pode.

Ao ler esta notícia lembrei-me da mais famosa agressão que já se registou numa campanha nacional. Falo dos eventos ocorridos na Marinha Grande na década de 80. O agredido foi Mário Soares, durante a primeira volta da sua campanha presidencial. Ainda hoje a presença comunista é vigorosa na cidade da Marinha Grande, mas à época, em 1986, era a autarquia comunista mais a norte do país. Soares até tinha começado por militar no PCP, partido no qual permaneceu até 1949, mas isso não fez arrefecer os ânimos. O que a história regista é que elementos aparentemente ligados ao PCP - Soares diria que eram do PRD pois tinham autocolantes desse partido - inconformados com a situação de salários em atraso que atingia as unidades fabris da capital nacional do vidro e com o tratamento diferenciado - já que umas tinham recebido subsídios do Governo e outras não, - fizeram uma espera ao candidato.  Parece que ele até tinha sido avisado mas não se deixou intimidar.

Na fotografia de Ochoa, acima,  é visível um homem de varapau erguido. Foi esse que aterrou no ombro e pescoço de Mário Soares, apenas falhando a cabeça porque a de alguém o protegeu, apanhando o golpe. Refugiaram-se na fábrica Stephens, hoje fechada, comitiva, apoiantes e jornalistas, do lado de dentro dos portões. O resto não sei: como saíram, quanto tempo ali permaneceram, quem fez dispersar os manifestantes exaltados. Sei que o incidente da Marinha Grande parece ter ajudado à popularidade de Soares.  Anos depois, em Barcelos, noutra campanha, um homem deu-lhe um murro num braço. Mas a "Paulada da Marinha Grande" é que fez história, sobretudo porque alterou o rumo da campanha. Soares, deixou Francisco Salgado Zenha e Maria Lurdes Pintassilgo, seus colegas de Esquerda, para trás, e chegou à segunda volta, onde derrotou Freitas do Amaral por bem pouca margem. Tornou-se Presidente da República a 16 de Fevereiro de 1986. Em 2006, candidatou-se às presidenciais contra Cavaco Silva. Mas nesse ano faltou-lhe uma Marinha Grande.

( Obviamente que Cristas nem "à paulada de Tancos" lá irá.)



O futuro político do país depende de nós também, não apenas dos políticos. Somos nós que decidimos quando votamos. As eleições legislativas são já este fim-de-semana. Deviam ser um momento importante da nossa vida democrática mas  nem todos parecem entender o privilégio que é  poder votar em liberdade. Bem sabemos que a democracia é imperfeita, basta pensar no ridículo que envolve o caso Tancos. Mas ir votar é a única forma de não deixar que sejam outros a decidir por nós, não? Vota.

Comentários

Valerie-Jael disse…
Turbulent scenes indeed. It reminds me a bit of the scenes in England with Boris Johnson and his stupid Brexit. But you are right - we are the ones who should be deciding, and need to use our right to vote and shape our countries. Hugs, Valerie
De facto, nem sempre o povo português tem legitimidade para comentar o caos político porque não vai votar.
Claro, a democracia é imperfeita. É triste assistir a todas estas situações e difícil acreditar nos políticos.
Mesmo assim, eu sempre fui e irei votar. Não sei o que é viver sem liberdade de escolha, mas pelo já li sobre o assunto é um terror que devemos sempre evitar.
Konigvs disse…
Mário Soares teve a sua Marinha Grande mas foi Sousa Franco (que até foi presidente do PSD) que morreu como candidato do PS às Europeias na lota de Matosinhos.

O enxovalhamento (do qual ainda nada sei) à ex-ministra dos eucaliptos, se aconteceu foi totalmente merecido. Estamos a falar da pessoa que grita constantemente quando há incêndios, mas que, quando havia problemas severos no seu governo dizia que ia rezar, pois podia ser que a santa nos ajudasse a todos. Estamos também a falar da senhora que clama constantemente rigor e mérito, e que depois diz que assinou o tratado de resolução do BES de olhos fechados, e que quer que os papás ricos que têm filhos que não têm médias para entrar na universidade o possam conseguir desde que os papás tenham dinheiro para o fazer.
É mesmo preciso não ter um pingo de vergonha na cara.

Eu voto e faço-o sempre mesmo que sequer me considere democrata ou acredite minimamente na democracia.
Pois foi. Ataque cardíaco. Mas do que me lembro foram os do PS que se envolveram todos numa disputa na lota, não foi? Ah, se fosse só isso. E a "lei Cristas"?Alteração ao Novo Regime de Arrendamento Urbano...Quando estive em Lisboa falei com moradoras da zona do castelo...ui. Ela que vá lá fazer uma arruada que vai ver o que lhe acontece.
Apoiadissimo!
Gostei do percurso histórico. Beijinhos