Como obter um cartão de embarque para Marte!




Não sei se vocês têm por hábito viajar até ao site da NASA mas é frequente eu perder por  lá algum tempo. Sempre senti uma certa mágoa por não ter nascido num país com o pé na corrida espacial. Observava os foguetões e sondas com as bandeiras russas e soviéticas estampadas, ou os capacetes e fatos espaciais dos astronautas e ficava invejosa. É certo que tais façanhas são créditos da humanidade e esses heróis são-no de todos nós, em nada diminuída a minha admiração por eles e pelos cientistas e técnicos que concorreram para o seu êxito, por não serem portugueses. Mas, no meu íntimo, sempre um pequeno buraco negro sorvia algum do meu júbilo pelas façanhas espaciais sobre que lia ou via na TV, ou ainda nos filmes que as recriavam e que nunca perdia.

É certo que os portugueses foram intrépidos viajantes dos mares e as leituras das viagens marítimas são relatos fascinantes. Mas 1415 é uma data distante e a maioria de nós talvez nem saiba atribuir-lhe qualquer significado se for confrontado com ela a frio: o do início de 100 anos de glória. A glória das velas enfunadas que cruzaram os mares há séculos reduziram-se a documentos, textos e gravuras e pinturas históricas, quando não debate sobre os males do colonialismo, do expansionismo, o orgulho panfletário dos Descobrimentos durante o Estado Novo sobrevindo a vergonha acicatada sobretudo pela Esquerda por  termos submetido territórios e outros povos ao nosso jugo. Assim parece que o nosso passado não serve mais para unir a alma lusa sob uma mesma bandeira orgulhosa e antes para dividir opiniões. A nossa herança marítima parece ter-se dissolvido como o sal em água, é um tempero excitante para nossa memória mas que apresenta efeitos colaterais indesejados se abusarmos dela.

Portugal nunca mais foi um gigante dos mares, e, actualmente, com idêntica mágoa, observo que nem mesmo a existência da longa costa é capaz de dar fôlego à expressão" um país de marinheiros". Somos menos cais de embarque que destino de descoberta. Chegam turistas, não aventureiros, missionários, comerciantes ou mesmo criminosos à procura de uma segunda oportunidade. Portugal, de colonizador a colónia de turistas de todo o mundo, que aqui acorrem em busca de algo diferente, mas que cada vez mais apenas encontram  uma mescla de usos e costumes estrangeiros à mesa dos restaurantes, nas lojas, nos shoppings, nas ruas, importações, e uma  hospitalidade tradicional  que nos deu fama transformada numa servilidade ingénua, sem oposição, que há-de ditar a diluição do que somos e o nosso apagão do mapa turístico de preferências internacionais talvez bem antes do que seria desejável.

O futuro é agora, agora e sempre. Sempre senti uma certa mágoa por não podermos enviar nenhum foguete nem nenhum Major Tom para o espaço. A humanidade foi refém da linha do horizonte durante séculos sem fim. Não terá sido a descoberta pela descoberta o que motivou sobremaneira os portugueses a embarcarem rumo ao desconhecido. O que acham disso? Por mim, acredito muito mais que tenha sido a vontade de comércio, de riqueza, que nos levou até ao infinito possível. E, claro, a motivação religiosa. Talvez uma mescla disso. Éramos um país pequeno, pequeno de terras e de riquezas, e ainda somos. A ambição levou-nos a lançar as amarras mais além.

O Espaço é agora, e será, no futuro, ainda mais o destino da humanidade. Talvez o tempo em que também os recursos se tornarão escassos à escala não de um país mas antes planetária, e a vida na Terra se torne mais difícil que a possibilidade de viver numa colónia terrestre, ainda esteja longe. Mas não há outra forma de olhar estes esforços de conquisat senão como o garante da sobrevivência da nossa espécie. Um dia os homens vão ser capazes de deixar a nave mãe e navegar até aos confins do sistema solar ou além. Será isso ou o fim da humanidade. Portanto, a conquista do espaço é a conquista do nosso futuro. Sempre foi isso o que via naquelas missões da Nasa, como se a extinção do sol fosse ainda acontecer no meu tempo de vida. Lia sobre isso com horror e imaginava a vida na crosta terrestre: um braseiro. A seca. A morte. E depois a dilatação da estrela até engolir os planetas ao seu redor, Vénus, Mercúrio, a Terra. Depois uma nova consciência: a de que, afinal, a vida na Terra podia até muito bem vir a extinguir-se antes da transformação do sol numa bomba de hidrogénio. A humanidade tem feito ao longo dos tempos algumas jogadas bem pouco racionais e por isso a dúvida até poderá ser razoável, pelo menos, para os mais pessimistas. 

Não sei ao certo quando despertou o meu interesse pelas viagens espaciais. Nos finais dos anos 70 os meus pais ofereceram-me uma espectacular prenda. Todos os meses, julgo eu, chegava lá a casa um volume da Colecção 10 Volumes História Ilustrada da Ciência,  do Círculo de Leitores. Versavam sobre Matemática, Astronáutica, Astronomia,  Biologia, Ecologia, Química, Electrónica, Cibernética e Geologia. Os meus livros favoritos eram estes dois.



Os humanos ainda estão longe de pisar o solo marciano, mas essa possibilidade é fascinante. A missão Marte está em curso. A Nasa tem tido umas ideias engraçadas para aproximar o público em geral da exploração científica espacial. Podemos enviar os nossos nomes gravados em chips para o Planeta Vermelho. O que eu gostava mesmo era que me deixassem ter lá uma rua com o meu nome. Mas não creio que essa possibilidade tenha sido contemplada o plano municipal e arquitectura das futuras cidades marcianas! Assim tenho de contentar-me em enviar o meu nome para Marte gravdo num chip. Já estou na lista desde 5 de Maio de 2019 e lembrei-me de vos dizer que também se podem juntar a mim: o prazo é até 30 de Setembro.

O Mars 2020 da Nasa representa a primeira etapa da primeira viagem de ida e volta da humanidade para outro planeta. O rover está programado para ser lançado em Julho de 2020  e deve pousar em Marte em Fevereiro de 2021. O rover é uma espécie de  cientista robótico que pesa mais de mil quilos. Irá procurar por sinais da vida microbiana do passado marciano, caracterizar o clima e a geologia do planeta, colectar amostras para estudo e abrir caminho para a exploração humana do Planeta Vermelho. 

"Enquanto nos preparamos para lançar esta histórica missão a Marte, queremos que todos compartilhem desta jornada de exploração", disse Thomas Zurbuchen, administrador associado da Diretoria de Missões Científicas (SMD) da NASA em Washington. "É um momento emocionante para a NASA, enquanto embarcamos nesta viagem para responder a questões profundas sobre o nosso planeta vizinho e até mesmo sobre as origens da própria vida." 


Como é que se faz? Fácil. Basta preencher os dados neste formulário. Depois recebemos um "cartão de embarque" que podemos imprimir  e pontos de "passageiro frequente". Milhas (ou quilómetros) são concedidas para cada "voo". Nesta página encontram as FAQ para consulta,  inclusivamente dizem o que farão com o nosso email, que, em todo o caso, não é sequer obrigatório.


O Microdevices Laboratory at NASA's Jet Propulsion Laboratory (JPL), em Pasadena, Califórnia, usará um feixe de eletrões para estampar os nossos nomes num chip de silício com linhas de texto menores que um milésimo da largura de um cabelo humano (75 nanômetros). Naquele tamanho, mais de um milhão de nomes podem ser escritos em um chip de tamanho único. O chip (ou chips) irão partir no rover sob uma cobertura de vidro. Espero que a tecnologia marciana esteja suficientemente avançada para os nossos amigos alienígenas conseguirem ler o chip. Por outro lado, espero que não pensem que aquilo é um convite e  nunca decidam vir à Terra procurar-me. Agora que pensei nisso, não sei se terá sido uma boa ideia enviar o meu nome para Marte.

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