A vida encontra um caminho!

Gansos sinaleiros no Parque da Cerca - Marinha Grande

Já os Romanos usavam gansos como guarda. Diz-se que são melhores do que cães para dar o alerta e daí o nome de alguns deles: sinaleiros. Porque sou inexperiente a identificar aves não sei dizer com segurança se os da fotografia são sinaleiros pardos ou africanos. Li que a distinção está na barbela, que é típica dos africanos. Mas até hoje, e depois de várias pesquisas, fiquei na dúvida, inclinando-me para que sejam os pardos. 

Numa das primeiras vezes que fui ao aprazível Parque da Cerca, na cidade da Marinha Grande, fiquei intrigada com estas grandes aves, pois nunca tinha visto gansos pardos sinaleiros. São volumosos, têm um alto negro protuberante sobre o bico - a carúncula - e um grasnar bem forte. Cheguei à beira do lago, e, feita parvinha, devolvi uma fraca imitação do seu grasnar. Os três grasnaram mais alto e arrancaram em velocidade na minha direcção, sempre ruidosos. Continuei a fotografar e num instante estavam ao pé de mim, na relva, de asas abertas, a sacudir a água. Sou de baixa estatura e estes gansos, fora de água e de pé, chateados, a crescer para mim, assustaram-me! Dei uns passos atrás mas eles continuavam a investir e, mais perto, desataram a silvar e a agitar os seus longos e grossos pescoços em "S" como se fossem cobras, muito rente ao chão, sem nunca se deterem. Dei uma curta corrida na direcção oposta, colocando distância entre mim e eles. Acalmaram-se então e foram mordiscar uns arbustos e pastar.

Nunca mais me meti com o trio mas sempre que contornava o lago sentia que me topam e me seguiam com o olhar. Não, não sofro de "anatidaephobia"! Sim, essa fobia existe! Pessoas há que acreditam que algures um pato ou um ganso está de olho em si. Nas minhas leituras fiquei a saber que os olhos deles (ou das aves?) são instrumentos de visão muito superiores aos da maioria dos animais e até aos nossos. Por isso não duvido: ficaram de olho em mim! Devem ter-me considerado personna non grata, uma intrusa. O comportamento dos três gansos é de guardas do lago que patrulham sempre os três. Nunca os vi separados: onde andava um estavam os outros, fosse a nadar, fosse na margem, a fazer a toilette. Uma autêntica brigada. Ao contrário de todos os outros animais de penas, por regra plácidos e descontraídos, estes aparentavam sempre ter uma qualquer missão.

Neste mês de Maio que está quase a terminar tive uma enorme decepção. Fui de novo ao Parque e um dos gansos tinha desaparecido. A última vez que o vira fora em Abril. Estava entre duas plantações de canas existentes no extremo do parque e recusava-se a abandonar poiso quando provocado pelos outros animais. Pensei até que fosse uma fêmea no ninho e estivesse a chocar algum ovo, e a defendê-lo dos outros, mas também me ocorreu que pudesse estar doente. Desconfio agora que estava mesmo doente e que foi para o céu dos gansos. O lago é grande e povoado de animais, mas o terceiro ganso da brigada faz ali falta. Ou faz-me falta. O trio "Ó de mira", como eu brincava, por estarem os três sempre atentos a mim, ou se calhar, a todos os que lhe desse mais atenção do que aquela que desejavam ter, era singular. O dueto é-me apenas normal mas, mais do que isso, incompleto e triste.


Cena que encerra o filme Parque Jurássico, (vídeo) de Steven Spielber, 1993
"Life finds a way"

Desde que me comecei a interessar por aves tenho feito algumas leituras e descoberto factos incríveis sobre um grupo de animais que, apesar de tão extenso e diverso, ainda não tinha capturado a minha atenção significativa. O que constatei foi o seguinte: apreciamos tanto mais os cães quanto mais similitudes connosco lhes encontramos mas nos pássaros, inversamente, o que mais atrai deverá ser a dissemelhança. As aves possuem evidenciam características e comportamentos que criam entre nós um abismo de diferença e isso é fascinante. Agora não vou alongar-me sobre esta nota, que daria pano para mangas (ou antes penas para asas?!). Sugiro apenas que procurem conhecer um pouco sobre o andorinhão real, por exemplo, que se pode observar na costa Algarvia com relativa facilidade.

Um momento em que lembro de ter ficado mais deslumbrada com as aves foi quando, a propósito do filme Parque Jurássico, se começou a discutir a origem das aves no meu círculo de amigos, muito mais dado às letras e artes do que às coisas da biologia. A discussão começou, se bem me recordo ainda, pela escolha das cenas preferidas. Eu referia a da perseguição dos dinossauros na cozinha e a do final, em que o helicóptero parte em direcção à linha do horizonte, levando os protagonistas sobreviventes. O sol ao longe, as aves a sobrevoar o mar, a música e aqueles a olhar pela janela, a pensar, aliviados, que aqueles pelicanos pelo menos não pensariam neles como comida! Ora, ao tempo do filme nem todos ainda sabiam que as aves descendiam dos dinossauros, pelo menos alguns dos meus conhecidos, não, nem eu própria tinha acerca disso feito certamente uma leitura informada. Daí que tivesse guardado na memória, entre aquele grupo de frases ditas em filmes que ficam connosco e que vamos citando aqui e ali ao longo da vida, "You'll never look at birds the same way again" a par de "Life finds a way". 

O filme impressionou-nos a todos de alguma forma, visualmente, sobretudo, mas a mim meteu-me a pensar sobre a origem das aves de uma forma absurda. Andei um tempo a olhar para os periquitos que ainda existiam na casa dos meus pais, para os pardais no jardim e para os frangos no supermercado e a pensar: What the hell? A sua origem nos dinossauros é hoje um dado adquirido por todos. Isso era o que eu pensava, mas no dia em que fui ao Parque da Cerca, e justamente enquanto olhava o ganso entre os canaviais, fui abordada por um cavalheiro que, notando o meu interesse, meteu conversa sobre as aves, questionando-me sobre se gostava delas. Respondi que sim e trocamos algumas impressões até ao momento em que exclamei: " E pensar que são o que resta dos dinossauros." Ele pareceu não ouvir bem, perguntou "Como?" e eu repeti a sentença. Seguiu-se um silêncio estranho em que se ouvia o ruído da água a correr e o grasnar de patos. E depois ele perguntou se eu estava a brincar. "A brincar com quê?- questionei, descontraidamente, já nem me lembrando do que tinha dito. E ele: "Isso que disse, dos dinossauros." Então eu percebi. Reafirmei e até me referi ao filme do Spielberg. Quando acabei de falar, o cavalheiro despediu-se um pouco às pressas e partiu. Daí a pouco também eu me fiz à estrada. E já estava longe quando se fez luz na minha cabeça: o homem deve ter pensado que eu era amalucada. Onde é que já se viu as aves e os dinossauros serem aparentados!

Na realidade, a origem das aves só foi desvendada há relativamente pouco tempo. É um assunto complicado mas vou tentar deixar-vos um resumo bem simples de como se consolidou esta hipótese que ainda hoje parece demasiado fantástica para ser levada a sério. (Bibliografia linkada abaixo.)

Nos anos 70, o paleontólogo norte-americano John Ostrom destacou as parecenças entre aves e dinossáurios e, às tantas, também deve ter passado por amalucado junto de algumas pessoas menos sensíveis aos termos da evolução das espécies. Uma curiosidade: Ostrom descobriu uma garra de um predador que teria vivido há mais de 125 milhões de anos e baptizou-o como Deinonychus (Terrível garra, em Grego), e é este o dinossauro que no filme de Spielberg surge denominado como Velociraptor.)

As aves são dinossáurios terópodes, é hoje uma certeza, mas não deixa de causar estranheza que sejam incluídas no mesmo grupo zoológico que incluiu os monstruosos dinossauros. Creio que é esse contraste de tamanhos que gera nas pessoas a primeira atitude de negação. Só que nem todos os dinossauros eram enormes e nem hoje todas as aves são do tamanho de pardais. Já não há como negar e a prova são certos fósseis encontrados na jazida cretácica de Liaoning, no nordeste da China, com cerca de 124 milhões de anos de idade. Lá se encontraram diversos e importantes fósseis de dinossáurios emplumados e de aves primitivas.

Dinossauros e aves podiam ter tido uma origem comum e depois seguido caminhos evolutivos diferentes: esta foi a tese inicial. Thomas Henry Huxley, que ficou conhecido por ser um enorme apoiante de Darwin, foi o primeiro a sugerir que as aves fossem parentes dos carnívoros dinossauros mas poucos aceitaram os seus argumentos.

Na Alemanha, foi descoberto, em 1860,  o Archaeopteryx e identificaram-se um esqueleto e penas, isto é, uma ave, a mais antiga ave presentemente conhecida. Foi algo tão extraordinário que alguns pensavam que não era uma ave e antes um anjo. Tinha garras, dentes e uma pequena cauda, como os dinossauros. E penas, como uma ave.

Depois, em 1997, na China, o fóssil de Protarchaeopteryx.

Nos anos de 1970, John Ostrom descobre ossos do pulso e da cintura pélvica muito semelhantes aos de Archaeopteryx num dinossauro carnívoro, e por isso contrariou aquele tese de parentesco e afirmou que as aves descendiam dos dinossauros.

Em 1996, descobriram-se fósseis de vertebrados - de Cathyornis e de Confuciusornis, a ave mais antiga conhecida dotada de bico córneo - com vestígios de penas. E depois, em 2000, fósseis de dinossauros emplumados, que foram baptizados como Fuzzy raptor, ou Plumo-raptor.

O Plumo-raptor e Archaeopteryx têm ambos pulsos giratórios que permitem mexer a mão para cima e para baixo, e apresentam membros anteriores muito longos. No Archaeopteryx, os membros anteriores e posteriores são do mesmo tamanho. John Ostrom descobriu que o bater de asas não é um simples movimento “para baixo e para cima”porque a asa roda no voo. Esta característica é o movimento giratório que tinha sido identificado no pulso dos dinossáurios manirraptores.

Outra questão curiosa sobre que os estudiosos se debruçaram é saber como é que os dinossauros começaram a voar: terão descido das árvores para o chão e levantado voo como um avião, ou, pelo contrário, terão subido para as árvores e conquistado os céus a partir do seu topo? Deixo essa questão no ar.

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