Cinema: O escultor apaixonado


"Caetano Santos, coordenador da Total Films Brasil, sublinhou na conferência de imprensa que se seguiu à projeção restrita a jornalistas e blogueiros, em Curitiba, onde Cineminha, meu amor teve acesso, que o trabalho da produtora para os próximos anos é  apostar forte na parceria entre Brasil e Portugal. O escultor apaixonado é a primeira investida no território da co-produção: "a estratégia permite diminuir bastante o valor do investimento. É assim que se ganha dinheiro e nós queremos que o cinema seja um produto de cultura, não apenas entretenimento, mas que seja um trabalho digno e dignificante para todos os que a ele se dedica. Desta forma, não apenas se divide a conta como somamos talento e qualidade aos nossos projetos. A nossa ideia é continuar a apostar em guiões que agradem a todos os envolvidos, portugueses e brasileiros. A história está cheia de episódios a explorar. É apenas preciso temperar com alguns ingredientes modernos."

Eu amei o longa, mas tive dificuldade em perceber algumas falas. E é, falamos a mesma língua! Só que não. O filme é sobre um jovem carioca e aspirante a escultor,  Guilherme, (Edson Mota - a criança de "Balãozinho" cresceu!) - que tem um hobby fotográfico: ele corre o mundo fazendo fotografias de estátuas equestres. No verão de 2017, de viagem a Portugal, ele parou na Praça do Comércio, em Lisboa, junto à primeira estátua equestre portuguesa, a do Rei D. José I. Só que desta vez a objetiva de Guilherme preferiu fotografar  Mariana, (Maria Mendes) uma estudante de Belas Artes, que por ali andava. Os olhares encontram-se e a atração foi natural. Juntos começam a explorar-se e a Lisboa também. Guilherme percebe que Mariana está obcecada com o escultor Machado de Castro, sobre qual está elaborando a sua tese de Mestrado. Machado de Castro, foi o artista chamado a realizar a mais famosa estátua de Lisboa, a estátua equestre, que acabaria por se tornar o símbolo da reconstrução, da vitória do homem sobre o caos, e que atrai, ainda hoje, milhares de turistas à Praça do Comércio. Para conquistar Mariana, Gilherme mergulha na história da reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755 e da sua mais famosa estátua.

O filme dá uma boa ideia da transformação da Lisboa do séc. XVIII, primeiro, arrasada pelo terrível terramoto e depois, reconstruida, uma cidade magnífica. Permite conhecer as figuras emblemáticas do reino português: D. José I, o monarca, e Marquês de Pombal, o seu omnipotente Primeiro Ministro, que presenciando um dos maiores desastres naturais da história, souberam, de forma extraordinária, providenciar medidas de forma rápida e eficaz. Mas centra-se, sobretudo nas atribulações de um homem que perseguia o perfeccionismo na sua arte: Machado de Castro. Conhecemos as dificuldades inesperadas e perplexidades que o escultor encontrou ao aceitar um convite único: a exigente fundição da primeira estátua equestre em bronze, a conceção da engenhosa máquina para o seu transporte e a caricata inauguração, em que o genial artista se vê relegado para um plano secundário perante a proeza técnica de Bartolomeu Costa, o fundidor, considerado autor da obra prima.  O escultor apaixonado é muito mais a história, sempre atual, da luta por um estatuto e e por um ideal  artísticos, ou mesmo do amor à arte, do que uma comédia romântica entre um brasileiro e uma portuguesa, e da exploração cómica das respetivas idiossincrasias nacionais e particularidades linguísticas.

Por estrear já na época baixa, e em virtude do seu título, você pode ser tentado a pensar que se trata de mais um filme romântico e descontraído, e até mais direcionado para mulher. À primeira vista, o título do filme parece referir-se a Guilherme (Edson Mota) e à sua paixão por Mariana (Maria Mendes). Isso até pode ser enquanto não avançamos na história e não recuamos no tempo e a Lisboa de hoje, dos barcos de cruzeiro monumentais, dos turistas das sete partidas do mundo, empunhando paus de selfie, e dos nervosos tuk-tuks, não é substituída pela Lisboa de oitocentos. Mas quando os créditos finais surgirem no ecrã serão poucos os que ainda assim pensarão: Machado de Castro, o homem apaixonado pela sua arte, é que é a alma do filme e o escultor a que o título se refere. Não espanta que a paixão deste homem pelo que fazia contagie quem estude a sua vida e a sua obra, e assim se explica o encantamento de Mariana pelo grande Mestre, com quem Guilherme tem de competir em pé de desigualdade. Isso foi o que eu achei, claro. Você até pode pensar diferente quando asssitir. Não vou revelar a você se o carioca conquista ou não o coração da portuguesa, seria muito spoiler.

O filme é brilhante no desenvolvimento das personagens de época, em especial o escultor, retratado no seu labor diário e conflitos criativos, para o efeito seguindo de perto o livro escrito pelo artista, Descrição analytica da execução da estátua equestre, em 1810. A interpretação ficou a cargo do nosso António Fidalgo a provar, de novo, que é fera na arte. Fixe os nomes deste casal, são marido e mulher, e quase deconhecidos: Rita Stuart e Fernando Armindo. Eles conseguiram, com a sua equipa,  de forma realista e notável transpor para o celuloide os efeitos do terramoto e tsunami sobre a baixa de Lisboa e, - deu baita medo! - depois, recriar a vida que de novo invadiu as novas ruas de linhas paralelas, orladas a fachadas distintas, da cidade reedificada e de novo palpitante, reconstrução que a estátua equestre de D. José I rematou de forma elegante.

De acordo com Caetano Santos, da Total Films, "o argumentista optou por privilegiar a verdade histórica, socorrendo-se dos pareceres de especialistas na época, descartando soluções fáceis e até mais comerciais para o rumo dos acontecimentos". Machado de Castro teria, sem dúvida, apreciado esse rigor. Se você pertence ao grupo de cinéfilos que não perde uma oportunidade de viajar até ao passado com a 7ª arte, não se deixe iludir pelo título do filme pois irá perder uma fantástica viagem pela Lisboa de oitocentos e, na minha opinião, um dos melhores filmes do ano. Nem vou falar da vontade com que fiquei de pular num avião e voar para Portugal, rsrsrsrsrsrsrrss.

O filme estreia simultaneamente em Portugal e no Brasil a 13 de junho, quinta feira e dia do santo popular, o Santo António. Vai dar competição! Mas, amigo, se você não tiver simpatia pelas Festas Populares da sua cidade sempre poderá refugiar-se num cinema. Minha avaliação: Quatro estrelas em cinco.

O escultor apaixonado
2019 | Comédia | 110 min
Com Edson Mota, Maria Mendes, António Fidalgo
Realização Milton Correia
Class. etária M/12
Estreia simultânea em Portugal e no Brasil: 13 de Junho de 2019

(Texto retirado do blogue Cineminha, meu amor, de Walter Amadeu)

>>> DIA 1 DE ABRIL, Dia das Mentiras! <<<

Aproveito para esclarecer, pois há algumas questões a respeito, que não existe nenhum filme nem opinião escrita pelo Walter Amadeu. Fiz o cartaz e escrevi o texto, ok? Tudo mais claro, agora? Por favor, assinem os comentários. Não publico comentários anónimos, por muito elogiosos que sejam.

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