Visita à Sala Museu Afonso Lopes Vieira, na Biblioteca Municipal, em Leiria


Folheto Biblioteca de Leiria, com foto de Afonso Lopes Vieira e sua livraria
Folheto Apresentação da Bibblioteca Municipal de Leiria

No Verão, passei pela casa branca e amarela que Afonso Lopes Vieira, poeta e prosador, e também grande dinamizador da cultura nacional do princípio do séc. XX, habitou em São Pedro de Moel. A "Casa-Nau", como o seu morador lhe chamava, foi onde escreveu grande parte das suas obras literárias, ensaios, conferências e artigos para revistas e jornais diversos. Também ali recebeu grandes nomes das artes e da literatura nacional.  Esta verdadeira varanda sobre o mar, foi simultaneamente uma vieira e um búzio, uma praça aberta a tertúlias e um refúgio para Afonso Lopes Vieira, que, embalado pelo som das ondas e murmúrios das ramagens de pinheiro, ali podia alhear-se do bulício citadino da capital e entregar-se confortavelmente à criação literária. O escritor era alguém que prezava o convívio,  tendo privado com grandes nomes da cultura, como Columbano, Aquilino Ribeiro, Vitorino Nemésio ou Carolina Michaelis de Vasconcelos, e com gente de toda a qualidade e origem, mas sabia que a solidão é uma necessidade quando se quer escrever. A casa é hoje composta por edifício residencial, capela e colónia balnear.

Ex-libris de Afonso Lopes Vieira, búzio, vieira, e lema, Ora choro, ora canto
Ex-libris de Afonso Lopes Vieira: Or piango or canto (Ora choro ora canto)

Ao fixarmos, dali, o olhar na linha do horizonte, torna-se evidente a conclusão de que Afonso Lopes Vieira era um amante da Natureza, do Pinhal e do Mar, que o inspiraram e que ele descreveu com deleite. Impossível então não exultar por se terem encontrado e merecido mutuamente, casa e habitante. Fácil é imaginá-lo  até, lá em baixo, de calças arregaçadas pela barriga da perna,  feito coleccionador de conchas marinhas, e seguir as suas pegadas na areia, junto ao mar, liberto do rigor quase caricatural com que vestia. Por outro lado,  pelos cuidados colocados na decoração da casa, pensamos num esteta, que perseguia a perfeição e a beleza, para si, na sua escrita e nos objectos e na arte de que escolhia rodear-se - pintura, gravura, escultura. Era um apreciador da cultura em todas as suas variantes, da mais erudita e clássica, à mais popular, o que causa estranheza, tendo ele nascido nas Cortes, em Leiria, mas no seio de uma família de intelectuais, quase todos com ligações às artes ou às ciências, jornalistas, deputados, advogados, médicos, portanto, num meio aburguesado e erudito por excelência. Podemos ainda, por pouco original que seja esse nosso pensamento, imaginá-lo também entregue à leitura num recanto, ou a escrever no seu diário ou a redigir as suas cartas e dedicatórias em livros que oferecia. Leiam este excerto escrito para o Jornal de um Poeta, em 1905,  publicado em 20 de agosto de 1909 no jornal A Lucta, de Lisboa, para perceber como ele estava tão afectivamente ligado a este lugar:

S. Pedro de Muel, 1905 Chego de Lisboa à praia e à floresta. Que expansão de encanto na minha alma! Logo que estou aqui, o meu verdadeiro ser apossa-se de mim, e tenho a satisfação singular de me começar a sentir, com meus defeitos e virtudes. Isto está delicioso de solidão e silencio. Não ha ainda a vulgaridade. Com que prazer vesti o meu velho fato e as polainas de couro roçadas do mato! Nós, nas cidades, afogâmos as almas tambem com os nossos colarinhos. Ao genio grego conviria outra vestia que não fosse aquela, ampla e sobria, desembaraçando o ritmo do corpo? Hontem, à chegada, a propria luz teve para mim encantos de coisa inedita. A primeira surpresa, à sahida das cidades, é o crepusculo. Ha muitos mezes que eu não via anoitecer, e não via estrelas cuja intimidade é discreta e faz scismar. Acabei de arrumar os livros na estante, e notei ainda uma vez como elles adquirem uma personalidade muito mais intensa quando são poucos e estão connosco na solidão acompanhada. Assim, na gravura do grande Durer, os quatro livros fechados que S. Jerónimo tem na sua serena cela, onde o leão dormita, nos sugerem mais pensamentos que se o santo trabalhasse n'uma livraria. Ordenei a minha mesa, dependurei as gravuras na parede, etenho como sempre uma grande pressa de sentir a casa povoada por esse vivo e harmonioso desarrumado, que deve ser a sua calma fisionomia. Só o mar, por emquanto, me inquieta, porque o oiço sempre… E a sua musica perturba-me como se eu habitasse dentro de um buzio.
(Citado por Cristina Nobre, em livro da sua autoria, de 2005)

Fazendo jus ao promotor cultural que era, Afonso Lopes Vieira planeou colocar o seu espólio ao serviço dos outros.  O escritor doou a casa de São Pedro de Moel  à Câmara Municipal da Marinha Grande para que esta criasse uma colónia balnear para os filhos dos operários  do sector vidreiro, dos bombeiros e dos trabalhadores das matas nacionais. E é assim que hoje ouvimos risos de crianças ao chegar à porta daquela que foi a sua morada, na praia. Também doou os seus livros à cidade de Leiria e foi com este acervo que foi fundada a biblioteca municipal baptizada com o seu nome.

Numa casa que está rezando ao mar;
Onde a terra se acaba e o mar começa
Onde a terra se acaba e o mar começa
é Portugal;
simples pretexto para o litoral,
verde nau que ao mar largo se arremessa.

Onde a terra se acaba e o mar começa
a Estremadura está,
com o Verde pino que em glória floreça,
mosteiros, castelos, tanta pátria ali há!

Onde a terra se acaba e o mar começa
há uma casa onde amei, sonhei, sofri;
encheu-se-me de brancas a cabeça
e, debruçado para o mar, envelheci…

Onde a terra se acaba e o mar começa
é a bruma, a ilha que o Desejo tem;
e ouço nos búzios, té que o som esmoreça,

novas da minha pátria - além, além!…

in Ilhas de Bruma

O destino natural de quem visite da Casa-Nau, será, depois rumar a Leiria para conhecer a Sala Museu Afonso Lopes Vieira, onde se encontra, reconstituida, a livraria do poeta. São 7 mil livros, os mais antigos provenientes da biblioteca herdada do tio-avô Rodrigues Cordeiro, na exacta disposição em que se encontravam no Palácio da Rosa, o seu gabinete de trabalho, em Lisboa, além de mobiliário, peças decorativas diversas e objectos pessoais.

A sala está instalada na Biblioteca Municipal de Leiria, no largo Cândido dos Reis, (Terreiro) - "um espaço de leitura, intervenção cultural, estudo e investigação," com serviços direcionados a todas as idades e necessidades do público leitor, - que, desta forma, ali tem mais um excelente motivo para atraír curiosos do universo da literatura.  O folheto acima, que me entregaram na recepção, tem uma fotografia da sala que ilustra bem aquilo que nos aguarda depois de sermos conduzidos ao andar superior. Não tirei fotografias mas encontrei estas da peça que mais me entusiasmou: é uma invulgar secretária do séc. XVIII, de formato quadrangular.

Vistas da secretária de Afonso Lopes Vieira
A curiosa secretária de formato quadrangular - Foto de Micael Sousa
No chão, do lado oposto, outra peça singular: uma caixa redonda de madeira de charão vermelha, provavelmente um tronco escavado de uma espécie exótica, onde Afonso Lopes Vieira guardava manuscritos soltos. O livro Apotegmas de Erasmo de Roterdão, datado de 1548, com capa de pergaminho, sendo uma das primeiras obras impressas na Europa, é, segundo me disse a funcionária, a obra mais rara do acervo. Reparei ainda na Cartilha Maternal: Afonso Lopes Vieira foi um apoiante  das ideias pedagógicas de João de Deus. A educação das crianças foi objecto dasua inquietação,  reflexão e produção literária.

Licenciado em Direito, por Coimbra, a partir de 1902 já exercia o cargo de redactor da Câmara dos Deputados, em Lisboa, e em 1916 passou a a dedicar-se exclusivamente à literatura e à divulgação cultural. Na vitrine que também podem ver no folheto acima, em primeiro plano, encontram-se vários objectos pessoais de Afonso Lopes Vieira, por exemplo, o canudo e o seu diploma de curso, uma faca em tartaruga com as suas iniciais gravadas, usada para abrir correspondência, um medalhão com a sua fotografia, rodeado de brilhantes, que ofereceu à mãe, e até uma camisa de pescador da Nazaré em tons vermelho e negro, que enverga no retrato de Eduardo Malta, que também podemos apreciar, além de outro, a óleo, pintado pelo seu primo, na sala. Também ali descobrimos, além de aparos de caneta e outros objectos, um anel,  e o seu bilhete de identidade onde à frente de profissão podemos ler: escritor. E, como se o nosso espanto por saber que alguém um dia pode assunir-se profissionalmente como tal, coisa que hoje poucos podem fazer, não fosse suficiente,  à frente ainda surge a tradução: "homme de lettres" e "writer,". Que não restassem dúvidas, onde quer que fosse, de qual a sua actividade: Afonso Lopes Vieira era um escritor.

Exposição de objectos pessoais de Afonso Lopes Vieira em vitrine
Vitrine com objectos pessoais - foto de Micael Sousa
Descobri, ainda estudante em Coimbra, que Afonso Lopes Vieira também tinha andado por ali, que vivera numa casa lá para os Palácios Confusos, mesmo ao lado da Faculdade de Direito, com vista para o rio Mondego, e que se perdia entre versos que distribuia pelos amigos e amores. E mais: que tinha sido medíocre aluno das leis, no que me senti logo próxima do caloiro envolto em capa negra, de forte cabeleira, bem escovada para trás, que vi numa fotografia. Havia eu de terminar o curso com média superior mas idêntico desencanto: nem ele nem eu nos demorámos muito tempo na advocacia. Perdeu-se um advogado mas Portugal ganhou um indivíduo multifacetado, um verdadeiro homem da cultura, da cultura num sentido eclético, que quis experimentar diferentes meios de expressão artística, a fotografia e até o cinema.
Capa da 2ª edição do livro Marques, do escritor Afonso Lopes Vieira
Aos 25 anos, imbuido de ideias anarquistas, - traduziu um folheto de Kropotkine, que depois tenta recolher, desculpando-se com os amores tidos pela sobrinha deste - escreve uma novela sobre um anti-herói,  Marques, disponível para compra online na WOOK.. Deste livro disse João Gaspar Simões, autor de Elói ou Romance numa cabeça, tradutor e historiador de literatura, crítico e biógrafo, famoso por ter sido o primeiro editor/descobridor e biógrafo de Fernando Pessoa, e que muitos afirmam ser o mais influente crítico literário português do século XX.: "Raúl Brandão, Patrício, Mário de Sá-Carneiro, Almada, o próprio Almada da Engomadeira, mestres da ficção portuguesa da primeira metade do século, foragidos do realismo, avatares da ficção em que o real se torna poético, como que foram beber a esta fonte oculta da novelística nacional. O "Marques", de Afonso Lopes Vieira, é uma obra-prima do género". Não seria a sua primeira e última obra em prosa, mas o leiriense abraçou mais convictamente o lirismo.

Representante do Neogarretismo - movimento revivalista que, no final do século XIX, reitera os ideais defendidos por Almeida Garrett, nomeadamente a promoção e a salvaguarda do património cultural português, o nacionalismo literário - e da Renascença Portuguesa, - que buscava a exaltação da alma lusa, o revigorar da vida portuguesa em moldes modernos,  valorizando o papel dos intelectuais, que tinham como objectivo transformar os pensamentos em acções, e que na literatura se traduzia num neo-romantismo, privilegiando os temas históricos ou populares e uma visão mística e animista da natureza - Afonso Lopes Vieira  foi um activo divulgador da cultura. Incentivou o gosto pelo teatro vicentino, em conjunto com actores e actrizes, teatro que queria de novo em cena,  tendo até buscado a restauração de um teatro nacional. Aos 23 anos já divulgava poemas de Camões, o seu ídolo, e o seu interesse pelos Lusíadas levou-o a promover  uma edição nacional da obra, com a reprodução do texto da edição princeps de 1572. Também se envolveu numa edição crítica da Lírica de Camões. Estas eram obras que todos os portugueses deviam conhecer por serem a fundação literária de Portugal. Interessou-se ainda pelo cinema tendo realizado um pequeno filme com crianças - O Afilhado de Santo António - uma adaptação de um conto popular português. Também se encarregou dos diálogos dos filmes Camões e Inês de Castro, de Leitão de Barros, e de Amor de Perdição, de António Lopes Ribeiro.

Afonso Lopes Vieira, defensor da portugalidade, num tempo em mudança como foi aquele em que viveu, julgou ameaçados os valores base da cultura lusa e por eles pugnou a vida inteira: algumas viagens que fez por Espanha, França, Itália, Bélgica, norte de África e Brasil, não o distanciaram nem de Portugal, - sendo que, a Pátria era um dos seus valores assumidos, - nem do seu espaço geográfico pelo qual possuia manifesto orgulho, a romântica Leiria. Duvido é que desejasse um país fechado em si mesmo. Como prosador, os títulos das suas obras remetem para  assuntos nacionais como a tradição histórica e literária - Inês de Castro na Poesia e na Lenda, 1913; ou a arte  - A Poesia nos Painéis de S. Vicente, 1914.

Uma das suas facetas mais conhecidas é a de escritor para a infância. Afonso Lopes Vieira escreveu, além de poesia e prosa, livros para crianças ilustrados por artistas como Raul Lino, um arquitecto seu amigo, que havia de projectar alguns dos Jardins-Escola João de Deus,  e musicados por Tomás Borba (Animais Nossos Amigos, 1911; Bartolomeu Marinheiro, 1912; Poesias sobre as Cenas Infantis de Schumann, 1915). Também adaptou obras do público adulto a contos infantis, por exemplo O Auto(zinho) da Barca do Inferno, onde brinca com a obra de Gil Vicente, tornando-a acessível às crianças, como peça de teatro infantil;  ou o Conto de Amadis de Portugal para os rapazes portugueses.
Bartolomeu Marinheiro, capa do livro infantil, escrito por Afonso Lopes Vieira
BARTOLOMEU MARINHEIRO - Capa 1ª Edição - Natal de 1912
Versos de Affonso Lopes Vieira - Ilustrações de Raul Lino
Gravuras de Thomás Bordallo Pinheiro Lisboa , Livraria Ferreira
Uma polémica com Fernando Pessoa marca  esta sua vertente de poeta-pedagogo, de escritor para crianças. O caso tem a ver com o livro Bartolomeu Marinheiro, obra que para Teófilo Braga  parecia um triunfo, um livro que correspondia admiravelmente ao seu fim educativo e edificativo, enquanto que para Fernando Pessoa, não passava de lixo, no que me parece uma visão algo colada ao tempo em que ocorreu, feroz em demasia, quem sabe justificada por algum desentendimento mais pessoal do que outra coisa, mas que vale a pena ler:

"Educados na estupidez pela leitura das obras infantis do Sr. Lopes Vieira, levados ao antipatriotismo pelo inevitável desdém que um livro como o «Bartolomeu Marinheiro»leva a ter pelo navegador que ali aparece vestido de bebé de Carnaval, cheios de fobias por lhes terem sido metaforizadas na infância cousas como que um quarto escuro é logicamente terrível, os homens de Portugal de amanhã (adoptados escolarmente, como tudo o que dizemos neste artigo leva a crer que sejam, os livros do Sr. Lopes Vieira) terão por Shakespeare o Sr. Júlio Dantas, por Shelley o Sr. Lopes Vieira... e serão espanhóis."

Livro infantil Bartolomeu Marinheiro, capa
Capa de livro
O livro Bartolomeu Marinheiro pode ser adquirido online, na WOOK!

No livro Animais nossos amigos escreve versos dedicados a oito  animais:o cão, o gato, o lobo, o pássaro, o burro, o boi, a abelha e o sapo destacando o que torna cada um deles admiráveis. Consegue fazer com que, mercê da simplicidade e musicalidade alcançadas, os seus versos permaneçam facilmente na memória e coração das crianças. Também os adultos não mais esquecem o livro, um ou outro dos poemas, e lhe hão-de devotar um carinho ímpar. É assim que a obra que chega aos nossos dias com o estatuto de clássico para a infância, e que se apresenta aos nossos olhos - e aos nossos ouvidos -  com a mesma frescura que teve na época do lançamento. "Os versos devem ser lidos com os ouvidos", disse o poeta. Se poesia é música, este livro é prova disso. A primeira edição data de 1911, com ilustrações de Raul Lino. Em 1920 foi traduzida para a língua espanhola e, em 1931, uma 2ª edição, agora com ilustrações de Maria de Lurdes, tomou forma, motivada pela sua selecção por parte do Serviço de Escolha de Livros para as Bibliotecas das Escolas Primárias. A reedição do clássico para a infância pela editora Cotovia, acontecerá apenas, e de novo, em 1992.

A obra servia o propósito do regime, a transmissão da sua ideologia, do apreço pelos valores simples e ingénuos do campo e da Natureza, que dela se apropriou, assim como Bartolomeu Marinheiro, que enaltecia a epopeia e glória dos Descobrimentos. Mas este foco, se permitiu a ampla promoção do escritor, também estrangulava a sua visão, que acredito era talvez mais pura e humanista. E desta forma Afonso Lopes Vieira ficou preso à ideologia do Estado Novo, sendo por isso alvo de crítica, esquecido, diminuido no seu talento. No entanto, o que ambicionava Afonso Lopes Vieira ao escrever para a infância era efectivamente proporcionar às crianças uma experiência nova, uma que, de acordo com uma carta escrita por Eça de Queirós, de Inglaterra, não existia ainda em Portugal:

(...)"É no Natal principalmente que esta literatura floresce. As lojas dos livreiros são então um paraíso. Não há nada mais pitoresco, mais original, mais decorativo, que as encadernações inglesas: e as estampas, as cores leves e agudas, oferecem quase sempre verdadeiras obras de arte, de graça e de humor.
Não sei se no Brasil existe isto. Em Portugal, nem em tal jamais se ouviu falar. Aparece uma ou outra dessas edições de luxo, de Paris, de que falei, e que constituem ornatos de sala. A França possui também uma literatura infantil tão rica e útil como a de Inglaterra: mas essa Portugal não a importa: livros para completar a mobília, sim; para educar o espírito, não.
A Bélgica, a Holanda, a Alemanha, prodigalizam estes livros para crianças; na
Dinamarca, na Suécia, eles são uma glória da literatura e uma das riquezas do mercado.
Em Portugal, nada.
Eu às vezes pergunto a mim mesmo o que é que em Portugal lêem as pobres crianças. Creio que se lhes dá Filinto Elísio, Garção, ou outro qualquer desses mazorros sensaborões quando os infelizes mostram inclinação pela leitura.
(...) Pois bem; eu tenho a certeza que uma tal literatura infantil penetraria facilmente nos nossos costumes domésticos e teria uma venda proveitosa. Muitas senhoras inteligentes e pobres se poderiam empregar em escrever essas fáceis histórias: não é necessário o génio de Zola ou de Thackeray para inventar o caso dos três velhos sábios de Chester. Há entre nós artistas, de lápis fácil e engraçado, que comentariam bem essas aventuras num desenho de simples contorno, sem sombras e sem relevo, lavado a cores transparentes... E quantos milhares de crianças se fariam felizes com esses bonitos livros – que para serem populares e se poderem despedaçar sem prejuízo devem custar menos de um tostão!" ( Cartas de Inglaterra, de Eça de Queirós, podem ser adquiridas online, na WOOK!)


Livro Canto Infantil, capa, escrito por Afonso Lopes Vieira
Capa do livro Canto infantil

Outra sua obra para as crianças é o livro Canto Infantil, versos sobre a vida de todos os dias, lições da Natureza, valores e moral edificantes, em conjunto com pautas musicais,  poemas-cantiga como "A Borboleta", "A Árvore", "A Rola" ou , "Repiu-piu-piu", que enaltecem o prazer de uma vida simples.

Na minha visita à Biblioteca, pude ainda ver a exposição "Animais Nossos Amigos: Dos versos de Afonso Lopes Vieira aos animais de Pedro Anjos Teixeira", alusiva ao projecto de esculturas inspiradas pelo livro Animais Nossos Amigos: o cão, o gato à sua janela, o sapo bom jardineiro, os bois, e o burro. Além das esculturas, a mostra inclui painéis onde se reproduzem os versos do livro e outros informativos, além da reprodução da planta original do Jardim em memória do escritor. Originalmente o cão foi executado em mármore de Vila Viçosa, manchado de escuro, o gato em mármore preto polido, e as ombreiras e parapeito da janela em pedra amarela com as cortinas em mármore branco de Vila Viçosa, e os restantes animais em pedra amarela. Nos anos 80 o bronze substituiu a pedra devido à erosão. As esculturas de pedra  encontram-se à guarda do Museu de Leiria. O Jardim em memória do escritor foi inaugurado em 1955, no parque da cidade de Leiria, o Jardim Infantil Afonso Lopes Vieira, depois do seu projecto ter sido apresentado, em 1949, por Horácio Eliseu em 1949. Originalmente consistia numa pequena Biblioteca com as obras infantis de Afonso Lopes Vieira, e um espaço ajardinado com figuras esculpidas representando os animais do livro. O conjunto escultórico, em pedra e fundido em bronze, pelo escultor Pedro Anjos Teixeira, encontra-se actualmente exposto no jardim que não mantém a feição originária.







Antes de visitar a Sala Museu Afonso Lopes Vieira, na Biblioteca Municipal de Leiria, confirme dias e  horários aqui. Actualmente as visitas guiadas são apenas à quinta-feira à tarde, por marcação.

Sugestões de leitura:

A recepção da obra para a infância e juventude de ALV, Cristina Nobre

Biografia resumida de Afonso Lopes Vieira e descrição do espólio (inclui fotos de Micael de Sousa)

Afonso Lopes Vieira na toponímia: De São Pedro de Moel para uma rua de Lisboa

Afonso Lopes Vieira e o Pinhal de Leiria

Éclogas de Agora, Afonso Lopes Vieira condena o Salazarismo

Sobre a polémica Pessoa/Afonso Lopes Vieira


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