Como preparar uma santola para servir na casca, passo a passo


É verão e regresso aos crustáceos. Viver junto à costa tem os seus privilégios, por exemplo, um pescador oferece-nos caranguejos frescos acabados de sair do mar. Poucas pessoas resistem aos encantos do bom marisco e eu sou uma delas. Em anterior postagem eu tinha mostrado como preparar uma santola ou caranguejo espinhoso. Para algumas pessoas a publicação não foi lá muito feliz pois eu deveria, no entender delas, mostrar mais e escrever menos. Prometi a mim mesma que da próxima vez que preparasse caranguejo iria documentar cada passo. Desta vez tirei mais fotografias. 

E então não é que quando me preparo para colocar aqui as fotos dou de caras com uma polémica notícia sobre o sofrimento dos crustáceos? A história que despoletou tanta conversa em torno dos crustáceos foi um programa da BBC de Janeiro deste ano chamado Science in action . Eu ouvi os 18 minutos do programa. Na Irlanda do Norte, na Universidade de Queens, o professor Robert Elwood, interessou-se a sério por saber se invertebrados sentem dor e realizou algumas experiências. Ao ouvir o programa da BBC já aprendi algo. Nociceptores são uma espécie de terminações nervosas que perante ameaça - queimadura ou ferimento - desencadeiam o reflexo da dor, o impulso sobe pela espinal medula e causa uma acção reflexa muscular de retirada. Picamos um pé e imediatamente ao foda-se! retiramos o pé. Mas depois vem o segundo estágio da percepção da dor e é comummente aceite que os crustáceos não o possuem, apenas a nossa sensível raça. Em nós, os impulsos nervosos também vão para o cérebro e o evento é percepcionado como algo muito desagradável. Isso é que é a verdadeira dor e ela leva-nos a focar naquilo que a causou e ensina-nos a evitar o evento no futuro. É isso que impede que nos queimemos uma e duas e três vezes. Aprendemos e não repetimos. Ora, de acordo com o entendimento mais difundido, os crustáceos não seriam capazes de aprender, logo não saberiam o que era a dor, apenas teriam reflexo nociceptivo. É uma tese mais confortável para comedores de marisco mas que talvez não tranquilize aqueles que se preocupam mesmo a sério com os direitos dos animais. Precisamos mesmo que um cientista nos venha dizer que cozer um animal vivo deve causar dor?! Quero lá saber se é mamífero, peixe ou crustáceo. Eu acho que deve doer.Mas mesmo sabendo isso eis-me a sacrificar animais inocentes na panela! Sou uma criatura bárbara e já não tenho redenção. O estudioso também referiu que há pescadores que apenas se interessam pelas pinças dos caranguejos, pescando-os, arrancando-as e atirando depois o corpo do animal ao mar. Ora, comparados comigo, esses pescadores levam o galardão máximo da barbárie. Estes estudos poderão até não ser conclusivos mas a verdade é que despoletam boas discussões e poderão até levar-nos a rever algumas práticas. 

E passemos então à demonstração da barbárie.

1º Primeiro há que lavar os bichos com água corrente e escovar a carapaça com uma boa escova, em especial se quisermos aproveitar a casca para servir. Depois de cozidos e escorridos eles ficam assim. A água da cozedura deve cobrir os bichos. Estes são todos fêmeas.

2º Eis o aspecto dos caranguejos do lado de cima. Que cheirinho bom! A banca está forrada com papéis pois isto faz bastante salpicos. Eu começo por arrancar as patas do corpo e colocá-las de parte.
 
3º Aproveito para dizer que a chacina a que vão assistir não teve professor. Eu faço isto assim e resulta. Se alguém souber de uma alternativa melhor, deixe nos comentários. O primeiro passo é meter uma faca e forçar a abertura da carapaça na zona traseira da carapaça.
4º Eis-me a abrir a carapaça com cuidado, segurando cada uma das partes, inferior e superior. Aquelas fibras acinzentadas são para remover e deitar fora.
5º A parte inferior e superior, aqui, já estão separadas. Quase tudo o que está na casca inferior é para aproveitar. Mas atenção. Junto da cabeça, na frente, costuma haver um saco com areia, e também já encontrei uma tripa fina com areia a atravessar a casca. Cuidado com isso. Nem sempre encontro e a melhor maneira é usar mesmo os dedos e ir tacteando, procurando, e os olhos.
6º A parte inferior do caranguejo tem uma série de concavidades duras cheias de fibras brancas que são para aproveitar. Eu corto ao meio e depois, com os dedos, removo todas as fibras dos buraquinhos.
7º Podem ver ali na taça azul o conteúdo da casca e da parte inferior do caranguejo, tudo já foi bem escolhido para ver se tinha escapado algum pedacito duro das tais concavidades que referi, que é muito desagradável de encontrar no molho.
8º As pernas e pinças dos caranguejos. Nos restaurantes e marisqueiras elas vêm para a mesa inteiras e nós quebramo-las na placa de madeira, com a ajuda do martelo e de um guardanapo. Sinceramente eu não sou fã da prática. Já apanhei com caranguejo em cima proveniente dos comensais sentados ao meu lado, na minha frente e até em mesas vizinhas! Em casa eu prefiro partir tudo e juntar as febras no preparado.

9º Vejam. Aquelas febras brancas da taça amarela estavam nas patas. Ao lado é o recheio das cascas, misturado. Só assim já é bem gostoso!


10º Aqui estou a preparar ovo cozido e pickles para juntar, tudo bem migadinho. As receitas de ingredientes/quantidades para o molho são variadas. Basta fazer uma procura na internet pois depende muito do gosto de cada um. Como faço? É tudo a olho. O segredo é ir juntando os condimentos e ir provando!

11º E aqui estão as fotos da apresentação final para levar à mesa. Acompanhar a santola com um vinho leve e fresco, o que gostarem mais.

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