Pintor João Vieira, 1934-2009





"No início dos anos cinquenta, Portugal vivia num total clima de isolamento cultural cuja situação política fechava a possibilidade de abertura da vida intelectual a horizontes de mudança. Desde que inicia o seu trabalho como artista plástico a partir da segunda metade da década de cinquenta, e após uma breve passagem pela Escola de Belas-Artes de Lisboa, João Vieira toma consciência do academismo e da situação artística vigente. Frequenta o Café Gelo, e é no convívio com artistas e poetas (René Bertholo, José Escada e Herberto Helder, entre outros) que muito cedo decide que só através da emigração pode alargar os seus conhecimentos artísticos e culturais. 

Em 1957 abandona o país por vontade própria e vai para Paris como expatriado com a forte motivação de aceder ao universo das novas expressões plásticas que emergem em toda a Europa e nos Estados Unidos. Entre 1958 e 1964, em Paris, envolve-se na edição da revista KWY com Lourdes Castro, René Bertholo, Gonçalo Duarte, José Escada, Jan Voss e Christo. Procura actualizar as linguagens artísticas, recorrendo à experimentação, numa colaboração com artistas e escritores das mais diversas proveniências.

Constrói uma linguagem própria baseada na escrita (no alfabeto), explora os limites da pintura,associando-a ao texto, passando ao corpo que, ou em acção ou em representação, surge como intérprete das suas referências: os happenings e as performances. A utilização de novos materiais, como os poliuretanos rígidos, a tinta de automóveis e as espumas flexíveis, dão origem a composições de grande originalidade que lhe permitem passar à tridimensionalidade e a escalas variáveis, reinventando a pintura até aos seus limites. Realiza performances criando dispositivos com letras de grandes dimensões e operando sobre estes projectos destrói-os, chamando a atenção para o efémero e o transitório na criação artística. Para a exposição que agora se apresenta, João Vieira pinta a partir de Matisse e dos seus papéis recortados sobre fundos brancos, letras (em lugar de corpos) invocando as várias artes: a dança, a música, o teatro, etc. São composições em que as próprias letras que formam a palavra sugerem o movimento, a sonoridade, a representação, cumprindo, assim, o desígnio do artista.Os filmes das suas performances, realizados desde 1979, foram reunidos em vídeo, e no seu conjunto oferecem em retrospectiva as experiências realizadas ao vivo pelo artista, por vezes com o envolvimento ou até com a interacção do espectador." 
Margarida Veiga 

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Nasceu em Vidago em 1934. Estuda Pintura na ESBAL (1951-1953) e integra o Grupo do Gelo com José Escada, René Bertholo, Helder Macedo e Herberto Hélder, entre outros, desenvolvendo desde logo, no encontro com a poesia, as suas primeiras experiências “letristas”. Em 1957, após um retiroparaTrás-os-Montes, aonde o leva a desilusão com o ensino praticado nas Belas-Artes, instala-se em Paris.Em 1959, a primeira exposição na Galeria Diário de Notícias chama a atenção para a sua obra, sendo-lhe nesse ano atribuídaa bolsa de estudos da Fundação Calouste Gulbenkian, que apoiará, em parte (até 1961), a prossecução da sua estada parisiense. Trabalhando então primeiro com Arpad Szènes,associar-se-á entretanto a René Bertholo e Lourdes Castro, comos quais funda o grupo KWY, cuja revista terá publicação entre 1958-1964. É em Paris, onde aprofunda as ligações com a poesiae com o gestualismo, nutrido no convívio do grupo El Paso, deque fazem parte os nomes como António Saura, que começa também os estudos de teatro (1963), interesse que mantém eque prosseguirá em Londres, numa estada iniciada em 1964e que lhe permitirá um amplo contacto com o meio artístico britânico. Em Londres, dedica-se também ao ensino (repetindo a experiência já iniciada em Lisboa, na Escola António Arroio, entre 1962-1963), leccionando no Maidstone College of Art.O regresso a Portugal dar-se-á apenas em 1966, trabalhandodesde logo em cenografia e encenação, estreando-se com a peça D. Quichote de Y. Jamiaque, encenada por Carlos Avillez,no Teatro Experimental de Cascais, trabalho que lhe valerá,em 1968, o Prémio do Ciclo de Teatro Latino, Barcelona. Em 1973, encontra-se de novo em Londres, regressando a Portugalno dia 25 de Abril de 1974. De volta a Portugal, exerce adocência no IADE, na SNBA (Cursos de Formação Artística), e no Conservatório Nacional (Cenografia). A sua transversalidade de interesses que o levam, plasticamente,da história da arte às culturas populares de raiz pagã, como é o caso da obra desenvolvida em torno dos caretos de Trás-os-Montes, e o seu gosto da experimentação, apoiada em aturada investigação teórica e prática (nomeadamente de materiais)e numa vasta cultura literária permite-lhe uma diversidade deexperiências plásticas e culturais que integram, desde cedo, a
performance (sendo pioneiro em Portugal, iniciando esta prática em 1970), e a instalação. Diversas vezes premiada (Menção Honrosa do Prémio Soquil 1970; Prémio do Círculo de Teatro Latino de Barcelona em1968; Prémio Nacional de Teatro, 1972) a sua obra encontra-serepresentada nas Colecções Berardo – Sintra Museu de Arte Moderna; Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão daFundação Calouste Gulbenkian; Cristina Guerra – ContemporaryArt, Lisboa; Fundação António Prates, Ponte de Sôr; Fundação Carmona e Costa, Lisboa; Fundação de Serralves, Porto;Fundação Oriente, Lisboa; Galeria Valbom, Lisboa; MadeiraLuís – Universidade de Aveiro, Aveiro; Museo Extremeño e Ibero-Americano de Arte Contemporâneo, Badajoz, além de emnumerosas colecções particulares.

(Textos do catálogo CCB, LISBOA, ABRIL 2009)

Comentários

observatory disse…
nao calculas o que eu perdi

foi uma das minhas maes

ganhei tanto naqueles idos anos 70.

beijo especial para ti pelo magnifico port e...

um até sempre para ele