The Divine Comedy: Office Politics Tour em Coimbra


"Ge-ner-a-tion SEX, respects, the rights, of girls, who want to take their clothes OFF, as long as we can all WATCH, that's O-KAY."

É estranho que ao longo de 13 anos de blogue eu nunca tenha escrito nada de substancial sobre um grupo tão constante na banda sonora dos meus dias: The Divine Comedy. Liderados por Neil Hannon, são uma banda irlandesa (Enniskillen) criada em 1989. Passaram há dias por Portugal onde se apresentaram em Lisboa, (Aula Magna) Coimbra e Braga no âmbito da digressão europeia de apresentação de Office Politics, álbum saído em Junho. Fui vê-los ao Teatro Académico de Gil Vicente, no dia 8, com inveja de quem comprou bilhete para Braga em virtude da beleza da sala onde actuaram, o Theatro-Circo.

A primeira vez que os vi foi menos que ideal, uma multidão de estudantes entre mim e o palco. Terá sido numa Queima das Fitas, em Coimbra, no Parque da Cidade, lá pelo ano 2000 e picos. Todavia, plateia e balcão do TAGV, em Coimbra também, que não devem ultrapassar os 800 lugares, dão-nos a ideia de estarmos a assistir a um pequeno concerto num clube e é essa, quanto a mim, a atmosfera ideal para desfrutar das canções dos Divine Comedy. Desta vez estava a escassos metros do teatro de operações, ou melhor, do escritório.

Comecei a ouvi-los em Liberation, o álbum de 1993, e continuo. Curiosamente, é deste Liberation que saiu o tema que Neil escolheu para abrir o concerto em Coimbra, Europop , uma canção onde se ouve o sintetizador que marcou a música desses e anos anteriores, um elemento estranho num disco de sonoridades instrumentais quase barrocas, harpas e violinos, e que parece ter cativado Neil de novo, neste Office Politics, inspirando-o. Lê-se por aí que lhe ofereceram um de presente e assim, fruto do acaso, se renovou o interesse.

No palco esperava-nos o cenário de um escritório apetrechado com alguma da tecnologia dos anos 80, que hoje consideramos ultrapassada: um grande relógio analógico na parede, um telefone que na mão do teclista, a dada altura, se transformou num shaker - havia festa no escritório! - um enorme monitor branco de computador sobre uma secretária e respectiva cadeira de plástico, onde Neil se sentou por duas vezes simulando escrever. O vocalista apareceu em palco com um fato e gravata estampados com o padrão da mira técnica que víamos em tempos na TV, camisa negra e sapatilhas. Esperava um aspecto mais sombrio e aplaudi a surpresa. O look casava idealmente com aquela canção bem pop, onde ele afirma que o lucro é coisa boa mas que o prazer transitório que trás conta, afinal, bem pouco.

Nos anos 90 o meu grupo de amizades não era receptivo aos meus elogios sobre os Divine Comedy que quase todos consideravam eivados de teatralidade e com música e letras demasiado pomposas para seu gosto pop. Pior quando Neil Hannon resolveu convocar uma orquestra! Mas já então eu adorava descobrir, por exemplo, um poema de William Wordsworth musicado nas faixas, o namoro com a cultura francesa e filmes europeus, as muitas piscadelas literárias. O segundo álbum da banda chamou-se Promenade e é um passeio por letras fantásticas. Foi com ele que de imediato vi Neil como um grande contador de histórias - que continua em forma em Office Politics - e compositor de ambientes. Deste disco ouvimos, já no encore, Tonight We Fly, a última canção da noite, um hino ao melhor que a vida tem, em formato acústico, a banda reunida em torno do seu emblemático vocalista. E assim saímos do teatro a voar de contentamento, porque além de termos escutado as canções novas pudemos recordar bastantes canções que nos acompanharam ao longo de 30 anos de carreira da banda, algumas das melhores de cada disco, To the Rescue, a melhor de Foreverland, A Lady of a Certain Age, a melhor canção do CD Victory for the Comic Muse. Outras canções menos recentes como Absent Friends , To Die a Virgin, ou o grande êxito Becoming More Like Alfie também fizeram parte do alinhamento.


Uma curta primeira parte a cargo dos Man and The Echo, quarteto de Warrington, foi bastante divertida, os músicos empenhados, sendo quase certo que são fãs da banda. Enquanto os Divine Comedy não chegavam ouviu-se música electrónica, um prenúncio do que o álbum é também, uma experimentação onde os sintetizadores competem com a pop rica e orquestrada a que os Divine nos  habituaram.

Descobrimos que Generation Sex, do álbum Fin de Siècle, continua a ser uma grande canção que muita gente nova terá cantado sem saber que há nela uma referência à morte da princesa Diana, lembrando a perseguição do seu Mercedes no túnel de Alma e o luto de toda uma nação, que, todavia, não deixou de comprar os jornais que vivem saudavelmente destes infortúnios. A rapariga do comboio, em Commuter Love, que não tem auscultadores, como todas as outras, e que lê autores franceses, e o solo de guitarra, também desse álbum, continuam a intrigar os novos ouvintes como então. Songs of Love, em formato acústico, ficou também para o encore onde as harmonias vocais surpreenderam. Sei toda a letra de cor e obviamente não deixei de cantar o tema da série televisiva Father Ted!

Neil foi cantando, de forma descontraída, acompanhado-se da sua guitarra branca, ora sem ela, sempre com uma boa prestação vocal, usando, possivelmente, a única palavra portuguesa que sabe - obrigado! - e destilando charme discreto e comentários espirituosos. E num momento em que o arrumador de sala, escrupuloso, lembrava uma fã que não podia filmar, apontando-lhe a lanterna luminosa, irrompeu "Deixa-a filmar, deixa-a fazer o que ela bem quiser. Mais tarde eu já vos direi qual a minha opinião sobre essas vossas máquinas."- sendo depois forçado a improvisar a letra que esquecera, fruto da interrupção, arrancando risos e aplausos a um público rendido. Conseguiu que toda a sala - completamente heterogénea - batesse palmas à sua solicitação, não foi difícil, e se levantasse para dançar três temas seguidos: At the Indie Disco, - do álbum Bang Goes The Knighthood, - altura em que balões fizeram a sua entrada em palco e chapelinhos tolos tomaram conta das cabeças dos músicos, -  I Like - que também pertence a esse disco - e National Express, que terminou em grande euforia.

As canções do novo álbum Office Politics - um duplo álbum de 16 canções - foram surgindo, naturalmente menos aplaudidas, porque ainda recentes, - à excepção de Norman and Norma, sobre um normalíssimo casal de Norfolk, disse Neil, bem ovacionada, merecidamente, porque já é mais uma canção clássica da banda, música, letra, tudo perfeito, sobre a vida de muitos casais que perdem a chama ao fim de uma vida em comum - Queue jumper, onde um chico-esperto goza com quem segue sempre as regras, Office Politics, - uma das canções que não me agrada por aí além, mas onde há um alerta para o perigo de postar no Facebook e acabar despedido - Infernal Machines, - que me faz lembrar os Muse, sobre máquinas que nos prometem o sonho lançando-nos afinal no inferno - You'll Never Work in This Town Again, sobre o perigo do concurso das máquinas que criamos para nosso auxílio mas que acabaram por nos aprisionar via algorítmos, I'm a Stranger Here, com uma nota de tango argentino e bela presença da guitarra, onde Neil confessa que de um momento para o outro, enquanto foi comprar um pão, tudo mudou, fazendo com que se sinta um estranho no seu próprio mundo, já sabemos a razão, After the Lord Mayor's Show, marcada pelo piano electrónico, e que eu entendo seja sobre a transitoriedade do que é bom ou a ressaca da vida, When the Working Day Is Done, sobre a insatisfação do trabalhador comum, e ainda, esta totalmente absurda, que Neil garantiu capaz de nos fazer arrepender de ter marcado presença, na realidade, concordo, podia ter sido dispensada: The Synthesiser Service Centre Super Summer Sale, uma longa enumeração de marcas de sintetizadores a preços de saldo, não sei como é que ele fixou cada uma delas!

Não creio que alguém se tenha sentido enfadado ao longo de quase duas horas de concerto. Da nostalgia de tempos passados às leituras críticas sobre os tempos paradoxais que vivemos actualmente, houve um pouco de tudo para todos. A jovem sentada na minha frente balançou-se incessantemente da esquerda para a direita do princípio ao fim. No extremo dessa fila, um homem grisalho batia palmas com os braços e não apenas com as mãos e dançou freneticamente de pé, assim que pode. Mesmo assim, na minha fila, um lugar à direita do meu, uma mocinha olhou quase durante todo o espectáculo para o ecrã luminoso do seu telemóvel como se não estivesse a acontecer nada de importante no palco.


Espero que através deste concerto, e dos links que reuni, possam descobrir uma das minhas bandas favoritas. Leiam o artigo do The Guardian, em inglês, que sugiro abaixo, para conhecerem a origem de tudo o que, passados 30 anos, me continua a cativar: um mix de pop orquestral ou electrónico, ora dançável ora melancólico, letras bem escritas e charme irlandês.

A terminar, quero agradecer à Sabine Schrader que me cedeu estas fotografias fantásticas para publicação. São da actuação dos Divine Comedy em Colónia (Alemanha). Este é o seu Instagram. Também ela segue os Divine Comedy há pelos menos uns 20 anos. Gostei imenso da cumplicidade que conseguimos em poucos minutos de conversação: é fácil, fácil, quando se descobre alguém que gosta ainda mais do que nós da música dos Divine Comedy!

Sugestão de leitura:

Odd man in - excelente artigo sobre Neil Hannon e os Divine Comedy, datado de 1999.
"The songs I find most interesting are not about a tried-and-tested theme," he says. "Even if you're writing about love, you have to come at it from a strange angle. You have to draw people in, with something that's going to confuse them. You can never have in writing what you like to think about yourself. In fact, you can never really get it on a record, either, and that's the closest I'll ever get to the true me."

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