Festas e festivais ecológicos são mais do que moda



Copos há muitos! Copos lager e tulipa para as cervejas, o copo alto para as long drinks, o copo médio e largo para aninhar as pedras de gelo, aquele por onde bebemos as aromáticas caipirinhas, o copo "tiro e queda", ou melhor dizendo, o copinho minúsculo e robusto dos shots, as taças onde o vinho pode dançar para ser degustado, as do vinho tinto que precisa de respirar e que por isso são mais largas na barriguinha que as anteriores e de boca mais aberta também; as elegantes taças de espumante que são assim pois precisam de conservar as borbulhas o mais possível, o balão do conhaque que ao ser aquecido na mão faz libertar melhor os aromas da bebida, a taça do 007, shaken, not stirrred, com excepção daquela vez no Casino Royal, filme em que depois de ter perdido ao jogo, Bond se estava nas tintas para a forma como o seu Martini fosse preparado. O copo americano que fez história no Brasil e muitos mais. Copos. Continuo em maré de copos. Uma pessoa começa num simples copo cheio de cerveja e acaba a escrever sobre copos menstruais! Acreditem que há mais a uni-los do que aquilo que os separa.

Fui examinar o recinto muito antes do espectáculo dos Expensive Soul, à noite,  e em dois tempos estava numa das tasquinhas a pedir uma Sagres. Estava calor: é tempo dele. A senhora perguntou-me se eu já tinha copo, que este ano era assim que funcionava: o copo custava-me 50cts e deveria reutilizá-lo. Havia um ponto de lavagem do mesmo no extremo das barracas, caso eu desejasse. E lá trouxe eu o copo de plástico. Instalei-me numa mesa a pensar em modo ecológico. Vi um cartaz onde se anunciava um cordão para trazer o copo ao pescoço. Pareceu-me um complemento que fazia sentido. O vento estava morno e agitava a folhagem das árvores do Parque da Cerca cuja sombra dava abrigo aos muitos patos do lago ali existente.


A maioria dos adultos começa, mais tarde ou mais cedo, a concluir que as estações do ano já não são como antigamente. A minha avó viveu quase 100 anos e nos anos 90 assegurava-me que tudo estava diferente do que ela se lembrava. Em virtude de ter nascido e crescido no meio rural, e de trabalhar nos campos, sempre teve uma relação forte com a Natureza que nem a sua vida em meio urbano conseguiu quebrar. Hoje, vivido já meio tempo da sua vida, faço a mesma constatação: os fenómenos atmosféricos extremos são mais frequentes, os dias para a praia aparecem no Outono e os dias de Inverno surpreendem-nos em pleno Agosto! Para os apreensivos, o mundo está de pernas para o ar. Para outros, não se passa nada. Uma minoria nega que as alterações climáticas tenham directamente a ver com a nossa acção na crosta terrestre, que tudo é cíclico na vida do Planeta e que não se trata de novidade. Além disso, a produção de bens tornou-se vertiginosa. Não param de ser apresentadas novidades tecnológicas, por exemplo, apostou-se na obsolescência, como normalidade, e não na durabilidade; e nunca a moda se desdobrou em tanta oferta de variedade e preço, muitas vezes, de baixa qualidade, vida curta, como convém para manter a economia animada, sinal de vitalidade para qualquer país...

Quando começaram a surgir os primeiros apelos aos três R's -Reduzir, reutilizar e reciclar, - a minha avó aderiu de imediato e censurava-me quando eu preguiçava na forma. Também sempre lhe pareceram estranhas certas coisas que para mim eram naturais, por exemplo, a proliferação de embalagens e bens de consumo, já que ela tinha conhecido uma realidade completamente diferente. Nunca comprou além das suas necessidades, marcada pela herança de escassez dos tempos da guerra e da vida pobre do tempo do Estado Novo. Se fosse viva, talvez achasse graça à guerra agora declarada às embalagens e ao plástico, às palhinhas, aos sacos, já que durante anos apenas conheceu mercearias, mercados e feiras, vendas a granel, e transportava leguminosas e outros bens em sacas de pano, que eu ainda recordo da minha infância.

Enquanto crescia eu nem sempre consegui ver que abundância, ou mesmo preços baixos, nem sempre significam progresso. Não raras vezes há um preço elevado a pagar pelo nosso exacerbado consumismo, que a publicidade atiça de forma tão ardilosa quanto insistente. Na realidade os produtos acabados na prateleira do supermercado não nos contam a sua história e, sem a conhecer, à semelhança das pessoas que se cruzam connosco num Festival de Verão, não sabemos dizer de que são feitos. Parecem-nos todas iguais,  quando não as distinguimos pelos seus por vezes estigmatizantes e preconceituosos rótulos,  assumimo-las genericamente boas. A impressão superficial genericamente boa poderá ocultar quase tudo.

Muitos produtos desejáveis e até agradáveis aos nossos olhos, são, além da sua superfície, atraente e aparentemente inócua, perniciosos, e, quando não para nós, consumidores em potência, quem sabe o não foram já para outros, que os produziram em condições miseráveis, de insegurança e exploração, e até para o meio ambiente, não se acautelando os impactos negativos nem no decurso do fabrico, nem depois, no descarte dos seus resíduos. Ainda é uma questão não resolvida ou mal resolvida, uma que devia ter sido pensada logo a montante do processo, mas que não foi, e que só por pressão dos impactos a jusante, começou a ser equacionada, num duelo permanente entre a maximização do lucro e a consciência ambiental.

Nesta equação quem deve primeiro agir é quem coloca produtos em circulação. Depois do exército de iogurtes ir parar à prateleira do supermercado não é ainda tarde para tudo mas já é tarde para muito. Confiar apenas na diligência alheia e continuar a fabricar pastas de dentes embaladas em caixas de cartão, não é suficiente. Alguns dos materiais são passíveis de reciclagem, certo, mas para isso é preciso que sejam depositados para o efeito pelo cidadão consciente e que o processo chegue a vias de facto. Ora, qualquer um de nós que despeje lixo já verificou que, tal como dias de perfeito Inverno se sucedem em pleno Verão, há plástico e cartão no meio do lixo orgânico.


Os responsáveis pela produção e eventos em geral, e, em especial, os produtores de grandes eventos como por exemplo, os festivais de verão, onde se faz um enorme consumo de bebidas e comida, e se produz lixo sem fim, já começaram a pensar a questão dos resíduos. Infelizmente, todos os anos a internet enche-se com vídeos do rasto de lixo que foram depositados nos recintos depois da festa, em pouco  importando se deviam ou não ter sido já recolhidos. O problema é a sua existência incontornável. Da teoria à prática vai distância considerável que podia ser encurtada se as pessoas cultivassem o civismo nos espaços abertos/públicos e os vissem como como um prolongamento da sua casa ou se enxergassem como convidados em casa - ou jardim - de amigos. Mas não é assim. As práticas amigas do ambiente estão em marcha, como por exemplo, a reutilização de copos de plástico nos recintos de espectáculos, de que vos trouxe este exemplo do copo reutilizável das Festas da Cidade da Marinha Grande. É um ponto positivo a favor da organização, claro que é. Os copos são de  PS – Poliestireno, podem ser reciclados. "Não deixe o copo no chão, leve-o como recordação" leio no folheto. É uma comunicação que funciona bem, apenas se esqueceram de um dado importante a imprimir no copo, a data, que até os tornaria colecionáveis. Um dia talvez os eco-eventos passem de moda, mas se assim for que  isso seja um sinal de que aprendemos finalmente a ser amigos do ambiente  e que dispensamos os lembretes.


Enquanto esse momento não chega, há incentivos. Talvez desconheçam a existência do Programa Sê-lo Verde 2019 que tem por objectivo incentivar a adopção de boas-práticas ambientais, inovadoras e com impacte ambiental, social e económico nos grandes eventos. O programa financia medidas verdes a adoptar nesses eventos, que promovam o uso eficiente de recursos materiais e energéticos. Pretende incentivar a adopção de abordagens inovadoras, como sejam, novas tecnologias, integração de renováveis, fomento à economia colaborativa, conceção ecológica e contribuir para a educação e sensibilização ambiental dos grupos de interesse envolvidos – promotores, marcas, municípios, espectadores e comércio local adjacente.
Há muita coisa que se pode fazer e isso mostra, só por si, o impacto destes eventos no ambiente. As categorias de intervenção repartem-se por: 

Recursos: neste campo podem ser postas em prática medidas que visem a incorporação de materiais reciclados e a reutilização de materiais, a gestão eficiente dos recursos e dos materiais usados no evento.

Energia: aqui podem ser desenvolvidas medidas inovadoras de eficiência energética e de incorporação de energias de fontes renováveis na iluminação, no transporte e na produção de energia, medidas que contemplem transportes de zero emissões, serviços partilhados de transporte;

Emissões: aqui cabem medidas que visem a minimização das emissões para o ar, de minimização do ruído, redução da produção e gestão de resíduos; de  gestão de efluentes no evento que vão para além das exigências legais ou previstas nas normas aplicáveis ou condições de licenciamento. Também medidas que visem a proteção do solo das áreas utilizadas e sua recuperação, que visem a limpeza do recinto e áreas conexas, designadamente a reposição da situação inicial e/ou sua requalificação e ainda medidas que promovam o envolvimento do cidadão em iniciativas de responsabilidade ambiental associadas ao evento, entre outras.


O célebre Boom Festival, em Idanha-a-Nova, existe há 20 anos e é quase sempre referido nos meios de comunicação mais pelas apreensões de substâncias do que por motivos ecológicos, mas pode ser apontado como um exemplo de boas práticas ambientais. Em 2016, foi eleito pela Rolling Stone como um dos melhores festivais transformacionais do mundo e como um dos dez melhores na Europa pelo The Guardian. Desenvolvimento sustentável e a promoção da consciência ecológica são uma prioridade antes, durante e depois do evento. Como resultado, a implementação dessas metas é realizada em total harmonia com a natureza circundante e programa de música e cultura. Foi distinguido a este nível com vários prémios. É interessante explorar o site do Festival e ler o uso que fazem de WC de compostagem, construções que utilizam materiais orgânicos, plantação de jardins, o reaproveitamento da água através de um filtro criado com plantas, a promoção do transporte individual partilhado além do uso do transporte em grupo comum, cultura de proximidade, o uso de energias renováveis, solar e eólica, entre outras boas práticas. Uma sua singularidade é a independência do eventos face às marcas: nada de MEO, Superbock ou Coca-Cola.

Mais interessante pode ser assistir ao documentário Boom Festival 20 anos. Nunca fui ao Boom, provavelmente nunca irei, não creio que trance psicadélico  e xamanismo sejam a minha onda, embora tenha visto coisas muito giras neste filme que cobre as origens e as 11 edições já realizadas. A minha atenção foi, sobretudo, para a parte mais artística a que se abriu nas edições mais recentes, tal como refere o Mário Belém. O documentário é excelente na forma como mostra o nascimento e as dores de crescimento deste Festival até alcançar o estado de maturidade actual. Gostei de ver como as pessoas o vivem, e se divertem, quer os que trabalham para contribuir para o mesmo, quer os que o frequentam. Não acho o evento de todo estranho, até simpatizo, apenas diferente do que busco para mim. Durante os dias do Boom as pessoas que ali acorrem, e que se auto-intitulam de Boomers, podem participar de  workshops, palestras, exposições e instalações de arte, dança e música. É o nosso festival "trasnformacional", que não fica atrás do Burning Man, nos Eua, nem do Fusion, na Alemanha.  Assistam.

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