Azeitonas à Grega

 



Eu a pensar que estava a assistir uma evocação de um festim mais ou menos lúbrico, uma coisa à Grega, como as azeitonas! De repente as redes explodem em críticas porque nos Jogos Olímpicos tinham afrontado a religião cristã, parodiando A Última Ceia. Burros. Ignorantes, pensava eu enquanto lia os comentários. É que a cena transpirava um tal paganismo que nem a chuva que caía em Paris lavava. Mas a inflamação escalou, sonora, com muitos a proclamarem a sua indignação, gente comum que ainda sabe fazer o sinal da cruz , religiosos com pedigree, à volta do mundo, os habituais conservadores de vigília, enfim, um tableau previsível. Oh-la-la. Mas que basqueiral. Estaria eu enganada? Diziam-me que os outros não tinham visto o que eu vira. Burra! Ignorante! Valha-me Santa Baguete que preciso de óculos novos, urgentemente! Estive para ir rever a cena satânica mas a minha atenção já estava no que mais importa, nos deuses terrenos, os atletas incríveis que fazem o mundo parar quando competem. Que deusa que é Simone Biles! Afinal era mesmo da Vinci, o tal que já foi parodiado mil vezes, só que nunca por drags ou trans, essa novidade é que estava a crucificar as almas cristãs de muito boa gente. E o Dionísio estava lá porque é um safado de um penetra que não perde festança por nada. A todo o momento esperava a notícia de que o Papa ia excomungar o director artístico! Finalmente alguém ia destronar a Madonna na era moderna dos jogos de religião e moral. Nada. Nenhum fumo branco. Ora, há quem diga que Leonardo da Vinci era gay, que ele gostava de pintar homens efeminados é uma certeza. Ao lado de Jesus, no tal fresco, uns dizem que pode ser Maria Madalena se isso não fosse uma heresia a que da Vinci não se atreveria, certamente, porque nesse tempo o respeitinho era muito bonito. Não sendo, tem de ser o apóstolo João, mas, lá está, um João muito dengoso, efeminado. A tarde avançava. Fui comer um croissant e entretanto o providencial feed trouxe até mim um vídeo do obreiro satânico responsável pela afronta, de nome Jolly, e eis que pude ouvir da sua boca que não foi a Ceia a sua inspiração. Que desde logo o deus Dionísio aparece na cena do jantar, um quadro que ele intitulou A festa, sendo aquele deus, grego, o Deus da Festa e do Vinho, e também o pai da deusa do rio Sena,- isto foi uma novidade para mim, o diabo dos deuses faziam filhos por todo o lado -de nome Sequana, (a que aparece a cavalo). A ideia era recrear uma festa pagã que remete às festas do Olimpo. (Uma coisa à Grega, como as azeitonas!) Acrescenta Jolly que no trabalho dele não há qualquer vontade de gozar ou denegrir o que seja, o objectivo era fazer uma cerimónia de reparação e de reconciliação, uma cerimónia portadora dos valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Desejou promover um momento de união, contra a divisão e o ódio, fazer a paz de uns com os outros, pois juntos podemos fazer coisas belas e emocionantes, apesar de sermos diferentes. Se o nosso trabalho fosse usado para mostrar divisão e ódio seria uma pena, concluiu. Ora, já não bastava o grande pesadelo do artista, que é conciliar a sua visão interior com a sua criação, Jolly ainda tem agora de lidar com a grande indigestão causada por aquele jantar dionisíaco, festim que até fez perder o sono a alguns altletas mais impressionáveis. ( Foi o que li, embora me custe a acreditar. Talvez tenham sido as camas olímpicas de cartão e espuma as responsáveis pela insónia.) Coitados, não sei se alguma vez vão conseguir desver o que viram. Não há coisa mais horrível do que ver algo que nos repele. Não é, por vezes, a coisa em si que é hedionda, uma parte de nós é que é feia, uma que não nos deixa enxergar uma natureza diferente da nossa sem repugnância. Pela minha parte, amanhã já vou ao oftalmologista para estar a 100% para a cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos que, se Dionísio quiser, será uma festa magnifique. Jolly, pá, aguenta firme. Já sabes, après la pluie, le beau temps.

Comentários