Ted Lasso: um boost de felicidade no meu Outono


As máximas de Ted Lasso

"Don't let the wisdom of age be wasted on you"

"Get some sugar in your system"

"Have a little hope"

"Make the extra pass"

"Let yourself enjoy that biscuit"

"Go easy on yourself"

"Be curious, not judgemental"

E ainda...

"A wanker is someone who likes to sit alone with their thoughts"

É verdade. Outono do meu descontentamento. Quando o mês de Outubro acaba deixa-nos a sua herança habitual, a irritante mudança de hora que ilumina melhor as manhãs mas deixa o nosso entardecer mais escuro.  Essa luz é vítima da marcha dos ponteiros. Morre quando muda a hora. Quem prefere fins de tarde luminosos a manhãs refila ano após ano. Um pouco mais de luz ao final do dia é tão reconfortante! Quem regressa do trabalho ainda tem umas horas luz para bulir ou descansar sem recorrer à luz electrica. Foi o chato do Benjamin Franklin que levantou a lebre no Séc XVIII: de manhã estava tudo a dormir, quando havia luz para dar e vender; no fim do dia ficavam todos acordados a gastar velas. Hoje a iluminação é outra, dizem que os consumos eléctricos disparam por outras razões: aquecimento e arrefecimento das habitações, não por ligarmos os candeeiros. Dantes fazia sentido transferir luz da manhã para o final do dia, atrasar os ponteiros, do ponto de vista económico, hoje talvez essa razão seja menos válida. E foi assim que esta dança dos ponteiros do relógio começou.

Para mim, a mudança de hora é também o aviso da chegada de dias mais negros, a vários níveis, que o inverno há-de trazer. Passo mal com a falta de luz e o frio. Podia ser pior, podia viver na Bélgica. Não sei o que seria de mim se vivesse na Bélgica. Talvez me habituasse, ou talvez não. A culpa da mudança da hora continuar a repetir-se todos os anos é dos Estados. A Comissão Europeia propôs, após consulta pública, o fim da mudança sazonal da hora em Setembro de 2018 [...] e esta recebeu o apoio do Parlamento Europeu (PE) em 2019. A  bola está agora com os Estados-membros, que têm de chegar a uma posição comum no Conselho. Li isto há dias. Mas será que sem a constatação dos dias curtos todo este drama em torno da luz que há ou não há, não cairia no esquecimento? Será que sem provar do amargor, o sabor da felicidade seria menos doce? 

Estou a escrever sobre Ted Lasso, embora ainda não pareça, uma série que conquistou os espectadores com doses de luminosa humanidade a cada episódio, um pouco como o treinador de sotaque sulista conquistou a sua chefe com caixas cor de rosa de bolinhos doces. Ted é a personagem mais afectuosa e empática de que me lembro. Os argumentistas raramente nos dão personagens com corações de ouro capazes de nos arrebatar com a sua leveza, talvez com receio de nos parecerem ingénuas ou inverosímeis. Fruto do cinismo do nosso quotidiano, habituados - ou forçados - a conviver com gente sem grandes escrúpulos ou virtudes, deixámos de ser sensíveis  à bondade como traço atraente no convívio e qualidade humana invejável. Ser bom não marca golos, os bons ficam sentados no banco. Pior: um comportamento bondoso é quase um sinal de fraqueza. Hoje os arrogantes, os brutos, os mal-educados, os rudes, obtêm muito mais facilmente a nossa desculpa do que os virtuosos o nosso elogio. Não raramente ouço dizer que se aprecia neles melhor a honestidade, a ausência de filtros, como se outra qualquer via que não essa fosse um embuste! Por isso já não se fazem séries nem filmes onde a bondade lidere sem rédea. O mal, e o mal feito, rende muito mais público. E então surge Ted Lasso, uma comédia com mais bondade intrínseca que a Madre Teresa de Calcutá... e arrebata não sei quantos Emmy. Fenómeno.

Cansada de assistir a dramas e enredos complexos resolvi dar uma oportunidade à comédia premiada de Ted Lasso, da Apple TV+. Não que não tenha já visto algumas e adorado - Barry, Russian Doll, Hacks. É claro que não tenho escrito sobre todas as séries que vi e por vezes nem sequer escrevo sobre as minhas favoritas: é o caso de Barry e de Russian Doll. Só estou a escrever sobre Ted Lasso para prolongar o efeito colateral de felicidade que nos toma depois de assistirmos às aventuras deste simpático americano e da sua equipa em Londres. De repente até fiquei com vontade de voltar a Londres, mas passou assim que me lembrei da necessidade de renovar o meu passaporte:  é um requisito caro, sobretudo depois de nos habituarmos a usar apenas o cartão: bolas para o Brexit!

Do futebol já me cansei há muitos anos, o que não me impede de aplaudir as vitórias portuguesas nos relvados, ou ver filmes com o futebol em fundo, em especial futebol americano, cujas regras nunca consegui dominar -  The replacements, com Keanu Reeves, Any Given Sunday, com Al Pacino, The blind side, com Sandra Bullock, outros que não recordo, - mas também do futebol europeu, o soccer, - Looking for Eric, com Cantona, um filme terrível sobre o fenomenal George Best, o estupendo Offside, de Jafar Panahi, e decerto mais. E há pouco até vi uma série na Netflix sobre o surgimento do futebol, mas onde o menos interessante era o jogo da bola!

Futebol é futebol, não importa onde ele seja jogado, diz Ted Lasso, num vídeo humorístico da NBC intitulado An American Coach in London: NBC Sports Premier League Film featuring Jason Sudeikis, a que se seguiu The Return of Coach Lasso, criado para promover o Departamento Desportivo da cadeia televisiva NBC. Esta foi a fonte para o desenvolvimento da série. A personagem era simples, ou até simplória; as piadas bem boladas refletiam as diferenças do american football e do soccer, ou das culturas dos dois países. O vídeo conquistou rapidamente muitos adeptos. 

Passados alguns anos, Sudakis convenceu o canal a produzir esta série a partir dessa ideia e até reaproveitou as piadas. Ao humor, as mais das vezes contido, que se funda nas diferenças culturais dos países sem esterotipar, nas diferenças fonéticas do inglês, na diferença entre os jogos de futebol americano e inglês, e até na música ligeira, somam-se personagens secundárias apaixonantes,  genuinamente engraçadas, bem construidas e desempenhadas, e equilíbrio narrativo. O resultado do esforço conjunto de todos os envolvidos é bem liderado pela personagem principal, Ted. É ele, que qual Ronaldo quando recebe e depois chuta na direcção da baliza do adversário no último minuto da compensação, concretiza o resultado e acaba por ser levado em ombros, por todos. Mas Ted Lasso é uma jogada de equipa vencedora: Rebecca Welton (Wassingham), a mulher divorciada que foi trocada por outras mais jovens e que se quer vingar do marido playboy ; os jogadores de futebol,  a estrela Jamie Tartt (Phi Dunster), egomaníaco, arrogante, gabarola, mais preocupado com a sua imagem do que em jogar em equipa; o veterano Roy Kent (Brett Goldsteins), o capitão da equipa, rezingão, que vive à sombra dos seus trunfos, enfrentando mal o envelhecimento; o nigeriano Sam, o novato que tenta integrar-se e adaptar-se a uma nova realidade; o roupeiro Nate Shelley (Nick Mohammed), abusado por quase todos até conseguir ganhar auto-confiança e perder o medo; a divertida e inteligente namorada de Tartt e influencer Keeley Jones (Juno Temple), o diretor de comunicações Higgins (Jeremy Swift), braço direito da empresária, o torcido  jornalista do Independent, Trent Crimm (James Lance), os fãs no pub, a dona do pub, entre outros, são todos decisivos no desenrolar deste campeonato.

Ted, um treinador de futebol americano, é  natural de Kansas, após um êxito na liga universitária e um vídeo viral, voa para Londres, acompanhado pelo fiel amigo, o coach Beard, tornando-se o técnico do AFC Richmond, um clube problemático na Primeria Liga. Ted, espontâneo, esfusiante, parece algo tolo, mas a verdade é que detem um profundo conhecimento da natureza humana, sendo capaz de observar e avaliar as pessoas além da sua aparência. A sua filosofia de vida assenta na alegria de viver. E assim, munido de inabalável optimismo, dispensando o conhecimento das regras do jogo inglês, passa por cima de vitórias ou derrotas com a mesma atitude, pois ele está ali para revelar o potencial de cada um dos jogadores, dentro e fora das quatro linhas:  ser uma pessoa melhor é mais importante que vencer. A superação pessoal é que vai fazer com que a equipa trabalhe como um todo, a solução natural para ganhar ao adversário. 

A sua táctica  resulta.Ted revoluciona a atmosfera no balneário e opera o seu pequeno grande milagre. O seu optimismo é contagioso. Até os espectadores aderiram com entusiasmo ao seu genuino humanismo. Quanto a mim,  Ted Lasso salvou o meu Outono: cada episódio que vejo ao fim do dia devolve-me alguma da luz que a mudança da hora me roubou. Sei que Ted aprovaria :"One episode a day keeps sadness away!" 

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