O arquitecto Tomás Taveira e as mulheres dele


 Unas a fazer humor com Tomás Taveira em 2005, video

E que maluca beleza esta da disparidade de critérios com aparentemente se comentam nas redes duas pessoas? Uma, Sofia, que se queixou de abuso, vítima, devia era estar calada. Já o prodigioso Taveira, que promoveu um abuso, merece ser ouvido, entrevistado, com honras de ícone: afinal, ele só fez umas asneiras!

Unas, tornou-se esta semana um homem a abater depois de uma má escolha de palavras. O Taveira saiu desta história quase em ombros. Desconheço, eu e toda a gente, os exactos contornos do caso, mas o que constatei foi uma forte tendência para se desculpar Taveira, na peugada do que Unas disse, de tal forma  que até já parecia que era Unas o mau da fita. Dizer que as estudantes - ou que nem todas o eram, como se uma ou 10 fosse muito diferente -  foram ter ao seu escritório pelo próprio pé, que sabiam muito bem ao que iam, que não foram forçadas, que essas mulheres é que pagaram para ter sexo, que obviamente que sabiam que estavam a ser filmadas pois as cameras da época eram do tamanho de tijolos e muito difíceis de esconder! Há coisas que mudam com o tempo para melhor, outra para pior e outras nunca mudam. O adultério, por exemplo, é hoje uma coisa totalmente desvalorizada. Ninguém se importa com o facto do arquitecto ser casado ao tempo do escândalo. A mulher dele nem nunca foi referida, nem os filhos. Pouca gente dá importância ao facto do homem ser um professor universitário. Quer a ideia de subir notas a troco de favores sexuais tenha partido das alunas ou dele, é sempre o docente que está numa posição de poder, que tem de ser responsabilizado, mas neste caso nem processo disciplinar. Mas esta ideia não faz sentido para muitos fãs de Taveira, inspiradas pelos feitos do "ícone", enquanto defendiam a "lenda". Depois existem todos os outros possíveis problemas decorrentes de autorizações dadas ou não para serem filmadas, uso de coação ou não, falta de consentimento, etc, que se podem discutir. Segundo o que li, há pelo menos uma mulher que diz "não" durante a sessão de filmagem. Olhem, é simples de entender: até na filmagem de filmes pornográficos, quando uma actriz diz "não", é para parar. Não temos todas as certezas mas até as poucas chegam,  e já são demais, para tornar incompreensível a defesa cega de Taveira.

Outros - e tenho de dizer que foram outros e não outras -  recuperaram as suas famosas frases que até inspiraram hinos académicos dos estudantes na faculdade de arquitectura de Lisboa. As expressões proferidas por Taveira enquanto sodomizava as mulheres, presumivelmente filmadas sem consentimento, povoam em profusão as redes, despudoradamente, como no passado andaram na boca de toda a gente, mas em surdina.  Além de facturarem gargalhadas, rendem muitos comentários cúmplices e Likes. Passados 30 anos, em pleno tempo da louvores à sororidade, uma mulher, li eu, sem pejo algum, faz questão de escrever que se junta à matilha do riso com um Like para demonstrar que também sabe rir com as Taveiradas, não vá ficar humor de tão boa qualidade apenas na fruição dos homens. Rapidamente surge uma conta no IG a promover memes Taveira onde elas são objecto de gozo. Mas reagem muitas, denunciando-a e seus perfis. Agradeça-se ao Unas a possibilidade da descoberta deste universo de humor grandioso junto das novas gerações. 
  
Grande parte daquilo que se produz em termos de conteúdos de entretenimento no presente é tão pobre que tendo a refugiar-me no passado. Da televisão eu já quase desisti. No Youtube, onde vejo muita coisa, o que não faltam são entrevistadores sem brilho, convidados sem interesse especial, a debitarem mediocridades tal qual eu, muitas vezes, por aqui, coisas que não aquecem nem arrefecem. Querem visualizações, querem tráfego, querem fazer dinheiro. O Youtube já teve melhores dias. É hoje uma lixeira onde temos de vasculhar bem para encontrar o nosso ouro. Mas, curiosamente, o lixo faz mover o interesse de milhares de pessoas. Notem bem, não acho que o Tomás Taveira não possa ser entrevistado no Youtube, na radio ou na televisão. Ele assinou alguns projectos que fizeram história, polémicos ou não, de valor ou não, não sei o suficiente para avaliar se ele é bom ou mau na profissão. Mas o Unas não tem um podcast sobre arquitectura, acho eu, nem o  seu público quer ouvir sobre Chelas, Olaias, linhas arquitetónicas. Querem coisas mais sumarentas e mundanas. E Taveira não se define apenas pelas obras arquitectónicas e é aí que o caso fica bicudo. E Unas não se define essencialmente por ser um  jornalista, é mais um entertainer, vive muito do humor fácil, da converseta, da espiolhação de ângulos com potencial de polémica, pelo menos foi o que me quis parecer depois de uma breve incursão nos podcasts. Ora, Unas não devia aspirar a dar mais gás ao que Taveira fez, mas sabe que é essa aura que atrai ainda as pessoas, não tanto o facto dele ser um pós-modernista ainda no activo. 

Unas não podia ter ignorado que Taveira se tornou a personagem predilecta de muitos homens que se lhe referem estimadamente como o mestre, o rei, o quebra-bilhas. E que o tempo está a mudar e que as pessoas não querem ver Unas a dar beijinhos a Taveira, a deixá-lo mostrar que viveu bem e que está muito bem na vida. As pessoas não querem uma vingança mas também não querem celebração: querem justo tratamento. Taveira até pode pensar que o tempo parou mas o reinado dos Taveiras está cada vez mais perto do fim. Porque agora querem-se  interpelados, chamados a re-examinar comportamentos, confrontados. 

Taveira está confortável a viver na sombra da sua lenda. Se não estivesse pronunciava-se sobre isso. Com a idade que tem, atento, certamente, à mudança de paradigma, podia já ter sido tomado por um desejo de finalmente falar sobre as "asneiras" que o definiram. Mas não. Acredito que Taveira tenha uma história para contar e outra para omitir. Desta, Taveira não se envergonha de nada, não fez nada de errado, não prejudicou ninguém. Tanto é assim que nunca foi julgado. Não há nada a dizer.  A não ser, talvez, que foi  prejudicado, é nisso que acredita. Por isso, mesmo que Unas fosse capaz de lhe fazer as perguntas certas, nunca obteria respostas, e muito menos alinhadas com aquilo que se quer ouvir no tempo que corre. 

Em 2018, Taveira recusou falar do caso ao Jornal i. Taveira não achava então "relevante" falar do assunto como homem da cultura, professor catedrático, pessoa que tem a história que tem, não considerava relevante. Seria como dizer que o Charles Aznavour teve um caso com a Amália. (Não sei bem o que é que ele pretendeu dizer ao fazer esta comparação.) E disse ainda: " Aconteceu? Aconteceu. O que é que vou fazer? Vou-me matar? Não vou, acabou-se. Que importância é que isso tem?" E depois continuou: "Um ex-primeiro ministro francês, há uns anos, viu serem divulgadas umas cassetes dele e, num programa de televisão, questionaram-no sobre isso. E ele respondeu: Viram? Gostaram? E matou logo a conversa". Ou seja: o arquitecto tem a estratégia toda bem estudada e bem montada. Nunca irá conseguir perspectivar os acontecimentos do passado a outra luz. É um homem para sempre preso no seu tempo.

Então, como se não tivesse bastado o escândalo Taveira, temos agora o escândalo Unas. Aparece o rapaz numa foto na sua conta do Instagram ao lado do Taveira, agora com 82 anos, anunciando- o como convidado do seu podcast de nome Maluco Beleza. A legenda da foto podia até ser: "Dois malucos, nenhuma beleza". Unas teria arrancado alguns emoticons sorridentes, alguns condenatórios, pessoas teriam mandado bocas foleiras, mas, quem sabe, o Tarado do Taveira tivesse passado despercebido. Mas Unas revelando grosseira falta de sensibilidade resolve desculpabilizar o passado pouco abonatório de Taveira. E vai daí descreve Taveira "como um homem que não pode ser definido apenas pelas asneiras que faz na vida". As "asneiras" foram apenas e só um escândalo sexual que marcou a sociedade portuguesa do final dos anos 80 e que ainda não deixou de render piadas porcas. Se não foi falta de sensibilidade foi falta de domínio do português ou coisa feita à pressa. Isso não me admira pois a maior parte dos protagonistas do espaço de entretenimento nacional não são loquazes. Não são nem querem investir nisso. Acham que não precisam. Que a comunicação se basta assim, sem grande preparação: agora é tudo espontaneidade e improviso. Cá para mim é apenas desculpa de preguiçoso. Ou de quem não dá mais.

Depois foi de mal a pior com a sua tentativa de apaziguar a revolta de muita gente que não vê como filmar mulheres a serem enrabadas, a choramingar e a dizerem "não", e a não guardar os seus vídeos sexuais de forma cuidadosa, permitindo a sua divulgação, possa ser catalogado como "asneiras". E mais, quase apostaria eu, filmadas em autorização para a eternidade. Para mim foi chocante descobrir que as proezas sexuais aka possíveis crimes, prova de infidelidade, e falta de ética profissional, filmadas no escritório do arquitecto no Amoreiras, continuam disponíveis para o mundo ver. São, de certa forma, mais acessíveis que o filme Sexo, Mentiras e vídeo que estreou no mesmo ano. Basta ir ao Google. São essas as "asneiras" a que o Unas se referia. Confrontado com ampla reprovação apenas diz que "É, de facto, complicado, e nunca conseguirei explicar completamente o que quis dizer. Mas uma foto, uma imagem, tem sempre uma mensagem". Se a mensagem é mal interpretada por muitos e até contrária aos teus princípios, o melhor é retratarmo-nos e, humildemente, corrigir. Creio que conhecem o suficiente para saberem em que lado da trincheira estou".

É "complicado", diz o Unas, o "youtuber", o pioneiro dos podcasts, que ganha uma nota a comunicar conteúdo. Ou seja, primeiro escreve disparates, e depois não sabe nem explicar-se, nem retratar-se, nem corrigir com clareza. Não creio que se trate de má interpretação nossa. Trata-se é de má avaliação dele. Não conheço o Unas, nem sei quais são os seus princípios. Por mim até pode gostar de ser enrabado ou de enrabar, para mim vale exactamente o mesmo. Desde que não prejudique ninguém, siga. Não sei em que tipo de trincheira ele estará,  mas julgo que a guerra dele é a guerra das visualizações. A minha, a da decência e do profissionalismo. Basicamente o que eu gostava é que fossemos todos mais decentes e profissionais no nosso dia a dia, no real e no virtual.

Unas disse, em 2005, num momento de comédia, que gostava de entrevistar Marco Paulo e Taveira pois além de ser arquitecto, Taveira tinha um passado ligado à 7ª arte: o Tomás tinha tido uma produtora chamada "Olho Mágico". Unas é humorista,  do tipo "analista", está-se a ver. O sexo dá para fazer piadas fantásticas, quem o pode negar? Mas também pode ser um pobre recurso humorístico na mão de quem não sabe o que fazer com ele. Alguém como o Unas. Eu até gostava de ter ficado com melhor impressão do podcaster, que não conhecia, mas assim é um bocado  impossível.

Nada se sabe sobre os vídeos além do que se vê e esse vazio ferve na imaginação das gentes há décadas. Não se sabe quem são as meninas e senhoras filmadas, e ainda bem para elas, mas diz-se que eram funcionárias de lojas, senhoras da alta sociedade e alunas do professor. Imagens sacadas desses vídeos, que também não se sabe como é que escaparam ao controlo do arquitecto, foram publicadas na revista "Semana Ilustrada", seguida da espanhola "Interviù" que lançou 20 mil exemplares para Portugal e cuja grande parte acabou apreendida pela polícia. Conseguem imaginar Cavaco Silva, na altura primeiro-ministro, a manifestar-se a propósito dizendo tratar-se de "campanha preparada e dirigida contra membros do governo português e as suas famílias"? Parece surreal, mas foi assim que aconteceu porque nas tais revistas se afirmava que algumas dessas mulheres eram casadas com membros do governo.

Em virtude do escândalo a esposa do arquitecto pediu o divórcio, Taveira viu-se arredado da vida social. Proprietário da discoteca Twins, no Porto, investidor na Bananas, na capital, profissionalmente continuou a dar aulas na Universidade existindo relatos de que se apresentava nas aulas como Tomás Taveira, arquitecto, mas mais conhecido pela sua obra cinematográfica. Não sei se isto é verdade. Continuou sempre a trabalhar, a desenvolver os seus projectos arquitetónicos, acabando a ser aclamado como o pai do pós-modernismo português. Quando li que tinha o sonho de ser realizador de cinema, o que não deixa de ser uma ironia bruta, tive de me rir. Segundo consta, era capaz de ver o mesmo filme dezenas de vezes, filmes clássicos, não os seus. Também me recordo perfeitamente dos cenários por ele criados para a SIC. Em 1985 inaugurou-se o centro comercial das Amoreiras simultaneamente aplaudido e detestado. O Amoreiras foi palco da aprendizagem do que significava o consumismo e símbolo da modernização de Lisboa. A profusão de cores, os espelhos, o amplo espaço interior foram uma novidade excessiva que demorou a ser assimilada. Tinha algumas amigas que iam lá fazer as compras. Vinham de lá revigoradas, como se tivessem recebido um banho de civilização, pois na província os shoppings não passavam de lojas alinhadas em corredores. Eu não tinha dinheiro para essas futilidades, nem esse tipo de aspirações: continuei a comprar nas lojas da cidade de Coimbra. O shopping Amoreiras reinou até à inauguração do Colombo. Outras obras de Taveira foram a loja da Valentim de Carvalho em Cascais, o edifício sede do BNU, a urbanização de Chelas (Malha J) , a estação de metro das Olaias, ou os estádios do Euro 2004: são da sua autoria o de Aveiro, o de Leiria e o Alvalade XXI. Esta enumeração não é exaustiva. Em Janeiro, a notícia de um projecto arquitectónico para a construção de duas moradias, na cidade de Aveiro, gerou forte contestação por parte dos Aveirenses que consideram o projecto esteticamente inadequado para o local onde será inserido.

Até estoirar o escândalo Unas eu pensava que o arquitecto Taveira já tinha morrido. Por vezes lembrava-me dele quando passava perto do estádio de Leiria e, confesso, para mim, T.T., iniciais do seu nome e apelido, sempre quiseram significar Tarado do Taveira. Era assim que todas as do meu círculo se referiam a ele, e acho que até estávamos a ser simpáticas, eu e as minhas amigas.

Comentários

Xeco disse…
Só é pena não ter sido por agora, para bater com as costas "lá dentro"... Mas eram outros tempos...