Carlos do Carmo: morreu o fadista do charme. Por João Marcelino

Entrevista que João Marcelino fez a Carlos do Carmo, em 2008, para a TSF/DN na sequência do Prémio Goya. Tinha então 66 anos e 45 de carreira. Fonte: https://www.facebook.com/joao.marcelino.98

“Até aos 50 anos fui uma locomotiva. Mas depois caí de um palco em Bordéus e fiquei muito mal. Nunca mais fui o mesmo homem. Depois, ao 60, tive o aneurisma. Ia morrendo com as três operações. Depois, tive uma tuberculose e agora há pouco tempo tive problemas de coração outra vez. Há pessoas das minhas relações que acham que é uma expressão de vaidade minha, não faço ideia, pensam assim, é legitimo que pensem o que quiserem, mas foram várias lições de humildade que recebi e, sobretudo, de relativizar, não generalizar. Fica-se com outra dimensão das coisas, da vida. Antes de entrarmos aqui no estúdio e se abrirem os microfones estava a dizer-lhe que sinto que nasço todos os dias e que morro todos os dias. Portanto, a ideia de acordar e viver é um bónus tal, sinto de tal maneira, que o aprecio. Tenho uma capacidade de estar hoje diferente daquela que tinha há 20 anos. Eu era mais radical, era muito virado para o preto e branco. E hoje percebo, embora seja daltónico - infelizmente sou -, reconheço que há outros matizes e outras coisas e outras maneiras de sentir e de pensar. Devo dizer que, ligando a questão da política ainda à questão da saúde, sinto um certo apreço por uma direita civilizada portuguesa - apreço, respeito, neste caso -, que percebeu quem eu era e que passou do tratar-me muito mal, ao tratar-me com respeito. Isso para mim já chega. A esquerda sabe quem eu sou, não desconfia de mim, não sou uma pessoa de alterações de humor em relação a estas questões de fundo. Estarei certo, estarei errado, eu não sou dono de verdades absolutas. Mas levo muito a sério a vida porque nasço todos os dias, percebe? Isto é muito intenso porque já podia ter ido embora há oito anos, mas fiquei. Então, acho cada dia bestial; tudo isto é uma festa. Quando me disseram: "Ganhaste o prémio" (Prémio Goya) eu ouvi a mulher dizer o nome e disse assim: "Isto não é possível." Fiquei com as mãos geladas e tal, a olhar para aquilo e disse assim; "Pois é, pá, estás cheio de sorte, estás vivo, estas coisas vão-te acontecendo”.


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